ONCOLOGIA

Cientistas apresentam molécula para tratamento de câncer metastático no cérebro

Além de tratar o tumor de mama, molécula apresentada em congresso médico europeu combate com sucesso as células que escapam para o cérebro, uma ocorrência que atinge metade das mulheres diagnosticadas com o subtipo HER2 positivo

Um grande ensaio clínico internacional trouxe resultados animadores para o tratamento de pacientes com o subtipo de câncer de mama HER2 positivo. No primeiro dia do Congresso da Sociedade Europeia de Oncologia Médica (Esmo) em Barcelona, na Espanha, pesquisadores demonstraram a eficácia de uma substância voltada à forma mais desafiadora do tumor, caracterizada por metástases no cérebro. 

O trastuzumab deruxtecan (T-DXd) combina anticorpos que ensinam o próprio organismo a eliminar os tecidos cancerosos e um fármaco para atacar a doença. O medicamento leva a quimioterapia diretamente ao tumor e, no estudo, liderado pelo Instituto Dana Farber, nos Estados Unidos, conseguiu alcançar algumas das células mais difíceis de se combater: aquelas que se espalharam para o cérebro. 

A pesquisa foi feita com 504 mulheres com câncer de mama HER2 positivo. Dessas, 263 tinham metástases cerebrais. Todas elas haviam se submetido ao menos a um tratamento antes de entrarem para o estudo. Entre as voluntárias com o tumor espalhado para o cérebro, 61% continuavam em remissão — livres da progressão da doença — após 12 meses do uso do T-DXd. Setenta e um por cento das participantes tiveram uma redução mensurável do câncer no sistema nervoso central e também fora dele. Um ano depois do início do tratamento, 90% de todas as inscritas estavam vivas. 

Evidências

"Até o momento, existia pouca evidência que demonstrasse a atividade do T-DXd em metástases cerebrais ativas", analisa Abraão Dornelas, médico-oncologista e membro do Comitê Científico do Instituto Vencer o Câncer, que acompanha o congresso em Barcelona. "Os desfechos foram surpreendentes, mostrando que T-DXd é extremamente ativo para o controle do câncer de mama HER2 positivo no corpo, mas também extremamente ativo para controle desse tipo de câncer no cérebro, trazendo um benefício importante para as pacientes com metástase cerebral", avalia. 

Segundo Nancy Lin, líder do estudo e autora sênior de um artigo publicado ontem na revista Nature Medicine, conta que tratamentos localizados, como cirurgia e radioterapia no cérebro, são usadas para tratar as metástases, mas a doença geralmente progride no sistema nervoso central entre seis meses e um ano de tratamento. Por isso, ela afirmou, em nota, que as descobertas apresentadas no congresso da Esmo "apontam para o T-DXd como uma nova opção de tratamento valiosa". "Terapias sistêmicas adicionais para pacientes com metástases cerebrais são urgentemente necessárias", observou Lin.

Os efeitos colaterais associados ao medicamento foram semelhantes aos relatados em estudos anteriores — náusea, constipação, neutropenia (baixos níveis de um tipo de glóbulo branco), fadiga e anemia. "Esses resultados apoiam o uso do medicamento daqui para frente nessa população de pacientes", escreveu Lin.

Incidência

Convidado pelo congresso a analisar os resultados, Philippe Aftimos, oncologista da Universidade Livre de Bruxelas, na Bélgica, disse, após a apresentação, que os dados são animadores. "Recebemos esses resultados com grande interesse, uma vez que a incidência de metástases cerebrais no câncer de mama metastático HER2 positivo é comum e até recentemente, a maioria dos pacientes necessitaria de radioterapia que poderia estar associada à toxicidade significativa." 

Para Aftimos, o estudo comprova que a molécula consegue ultrapassar a barreira hematoencefálica, uma estrutura que evita a entrada de substâncias estranhas ao cérebro. Embora seja importante para impedir que microrganismos entrem no órgão, ela também dificulta a chegada de medicamentos até ele. O oncologista sugeriu que o tratamento poderá, inclusive, dispensar a necessidade de terapias locais, como a radioterapia.

 


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Estratégia consolidada

Aproximadamente 50% das pacientes com câncer de mama HER2 positivo intercorrem com metástase cerebral e esse é um cenário desafiador na oncologia clínica, com desfechos desfavoráveis. As medicações disponíveis atualmente não apresentam boa penetração através da barreira hematoencefálica, dificultando que os remédios atinjam as lesões intracranianas. O manejo atual das metástases cerebrais consiste em terapias locais, como radioterapia ou cirurgia e tratamento sistêmico com quimioterapia. O Trastuzumabe deruxtecan (TDxd) já é, atualmente, utilizado no tratamento do câncer de mama metastático. No entanto, os dados de atividade da medicação em metástases cerebrais eram frágeis. Com a apresentação do novo estudo, o T-DXd se consolida como uma estratégia eficaz no controle de metástases cerebrais nessa população de pacientes.

Elisa Cançado Porto Mascarenhas, oncologista clínica da Oncoclínicas Brasília 

Amamentação não apresenta riscos a pacientes

A amamentação após o câncer de mama é segura, mostraram dois estudos internacionais apresentados ontem no congresso da Sociedade Europeia de Oncologia Médica (Esmo) em Barcelona, na Espanha. Os resultados indicam que não houve aumento na recorrência ou surgimento de novos tumores em mulheres que alimentaram naturalmente seus bebês, após serem tratadas da doença. Devido à natureza hormonal desse tipo de tumor, havia preocupações anteriores sobre gravidez e amamentação. 

Os estudos incluíram pacientes com a mutação BRCA, que aumenta significativamente o risco de câncer de mama. "Nosso estudo fornece a primeira evidência sobre a segurança da amamentação após o câncer de mama em mulheres jovens portadoras de uma mutação BRCA", disse, em nota, Eva Blondeaux, oncologista do Hospital Policlínico San Martino, em Gênova, Itália, que apresentou uma das pesquisas, com 5 mil pacientes.

Na mesma sessão do congresso, médicos do Hospital Gustave Roussy, na França, também apresentaram dados de um estudo com 518 mulheres que interromperam temporariamente o tratamento para amamentar. Em dois anos, a recorrência do câncer ou o desenvolvimento de um novo foi estatisticamente igual, comparado às que não pararam com a terapia: 3,6% e 3,1% respectivamente. "É um estudo importante, porque mostra que a interrupção da terapia hormonal para a gravidez e a amamentação não resultou em efeitos adversos. Dois terços das mulheres que tiveram filhos conseguiram amamentar por mais de quatro meses", afirma o oncologista Fernando Maluf, cofundador do Instituto Vencer o Câncer. (P.O.)