Embriões excedentários são aqueles gerados pelos métodos de fertilização in vitro, mas que não serão implementados no útero de uma mulher e, consequentemente, não gerarão uma criança. Há um extenso debate ético de o que deve ser feito com relação a eles: devem permanecer congelados para sempre? Podem ser usados para pesquisas científicas? Essas e outras questões são levantadas pela doutora em Bioética pela Universidade de Medicina do Porto (Portugal), pediatra, médica perita e advogada Gilvana Campos no livro Embriões excedentários: uma proposta de estatuto sob o escopo da bioética, lançado na terça-feira (3/9).
Ao Correio, a especialista afirmou que a reflexão sobre o tema é um convite para explorar a intersecção entre ciência, moralidade e responsabilidade social. Leia a entrevista na íntegra a seguir:
Você acredita que o Brasil está preparado para atualizar a legislação sobre embriões excedentários? Quais seriam os principais obstáculos?
O Brasil tem uma comunidade científica robusta que pode contribuir com dados e estudos sobre a utilização e destino dos embriões excedentários. No entanto, a ciência está avançando rapidamente e a legislação precisa acompanhar essas mudanças.
A sociedade brasileira tem visões diversas sobre questões de bioética. A aceitação ou resistência a mudanças legislativas muitas vezes reflete essas visões. O debate público e o engajamento com a população são cruciais para o sucesso de uma nova legislação. A legislação existente, como a Lei de Biossegurança, estabelece algumas diretrizes sobre a pesquisa com células-tronco e embriões. Qualquer atualização precisaria considerar essas leis e como elas se integram com as novas propostas.
O Brasil tem uma base sólida para discutir e possivelmente atualizar sua legislação sobre embriões excedentários, mas os desafios são significativos. Superar esses obstáculos exigirá um diálogo abrangente, considerações éticas cuidadosas e um compromisso com o equilíbrio entre os avanços científicos e os valores sociais.
Na sua opinião, quais seriam as implicações éticas de permitir um uso mais amplo desses embriões em pesquisas científicas?
Uma das questões centrais é a definição de quando a vida começa e o status moral dos embriões. Para muitos, os embriões têm um valor moral significativo e o uso desses embriões em pesquisas pode ser visto como uma violação dos seus direitos.
A ética das pesquisas com embriões é frequentemente debatida em termos de como equilibrar o potencial benefício científico com o respeito pela vida. O uso de embriões em pesquisas pode levar a descobertas significativas em áreas como a medicina regenerativa e a terapia com células-tronco. Esses avanços têm o potencial de tratar ou curar doenças graves, o que pode beneficiar significativamente a saúde humana e melhorar a qualidade de vida. A ética aqui envolve a ponderação dos benefícios científicos contra as preocupações morais sobre o uso dos embriões.
Há um risco de que a permissão para o uso mais amplo de embriões possa levar a abusos, como o uso impróprio de embriões para fins não autorizados ou eticamente questionáveis. É essencial implementar controles rigorosos para garantir que os embriões sejam usados de forma ética e que a pesquisa esteja em conformidade com as normas e diretrizes estabelecidas.
Permitir o uso mais amplo de embriões excedentários em pesquisas científicas envolve um complexo balanço entre o potencial para avanços médicos e as preocupações éticas sobre o status e o tratamento dos embriões. A tomada de decisão ética deve levar em conta tanto os benefícios potenciais quanto as implicações morais e sociais e deve ser acompanhada de regulamentos e controles apropriados para garantir que a pesquisa seja conduzida de forma ética e responsável.
Quais seriam as consequências sociais e científicas de manter os embriões congelados indefinidamente sem uma destinação clara?
Pode ter várias consequências sociais e científicas. A manutenção indefinida de embriões congelados pode levantar dilemas éticos sobre o status moral dos embriões e a responsabilidade dos pais e das instituições. Para alguns, pode parecer que esses embriões estão sendo negligenciados ou que sua potencialidade está sendo desconsiderada. Embriões congelados indefinidamente podem representar uma oportunidade perdida para pesquisas científicas, especialmente em áreas como a medicina regenerativa e a terapia com células-tronco. Sem uma destinação clara, esses embriões não são utilizados para fins que poderiam beneficiar a ciência e a saúde humana.
Qual mensagem você gostaria que os leitores levassem ao terminar de ler o seu livro?
A reflexão ética sobre embriões excedentários é um convite para explorar a interseção entre ciência, moralidade e responsabilidade social. Ao considerar o destino desses embriões, devemos buscar um equilíbrio cuidadoso entre o avanço científico e o respeito pelos valores humanos fundamentais. Cada decisão deve ser guiada por um compromisso com a dignidade, a justiça e o bem-estar coletivo. Em última análise, a forma como escolhemos tratar esses embriões reflete nossa própria ética e nossa visão sobre o valor da vida e do progresso.