Uma pesquisa liderada pela Universidade de Bristol, na Inglaterra, contou com a participação de cientistas brasileiros em descobertas significativas sobre a evolução dos mamíferos. O trabalho, detalhado ontem, na revista Nature, baseou-se em fósseis de duas espécies precursoras: Brasilodon quadrangularis e Riograndia guaibensis, encontradas no Brasil. Conforme os cientistas, essas novas evidências ajudam a compreender o desenvolvimento da mandíbula e do ouvido médio dos mamíferos, desafiando concepções anteriores sobre a linha do tempo evolutiva.
Conforme o artigo, os mamíferos se distinguem entre os vertebrados por sua estrutura mandibular complexa e pela presença de três ossos no ouvido médio, uma evolução que intrigou cientistas por décadas. O novo estudo foca nos cinodontes, ancestrais dos mamíferos, e como essas características se desenvolveram ao longo do tempo.
Utilizando tomografia computadorizada, a equipe de pesquisadores conseguiu, pela primeira vez, reconstruir digitalmente a articulação mandibular dos cinodontes. As análises revelaram um contato "ao estilo mamífero" entre o crânio e a mandíbula inferior em Riograndia guaibensis, que viveu 17 milhões de anos antes do registro conhecido mais antigo dessa estrutura. No entanto, a mesma articulação não foi observada em Brasilodon quadrangularis, uma espécie mais próxima dos mamíferos modernos.
Essas descobertas sugerem que a característica distintiva da mandíbula dos mamíferos pode ter evoluído de forma independente em diferentes grupos de cinodontes, e não em um único momento como se pensava anteriormente.
James Rawson, autor principal do estudo e pesquisador da Escola de Ciências da Terra de Bristol, frisou que a "aquisição do contato mandibular típico dos mamíferos foi um marco na evolução do grupo". Ele destacou ainda que os novos fósseis brasileiros mostram que diferentes linhagens de cinodontes estavam explorando uma variedade de articulações mandibulares, indicando que certas características, antes atribuídas exclusivamente aos mamíferos, podem ter surgido de forma repetida em várias linhagens.
Conforme Marina Soares, cientista do Museu Nacional do Rio de Janeiro e coautora do estudo, em nenhum lugar do mundo há cinodontes tão avançados quanto os que foram localizados no Rio Grande do Sul. "Nada supera o registro brasileiro, são animais muito pequenos, com crânios de 4 centímetros que mostram várias novidades evolutivas. Estudar a anatomia desses pequenos fósseis nos dá uma série de dados anatômicos bastante importantes", detalhou ao Correio. Coautor do estudo, Cesar Leandro Schultz, professor titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, segue com entusiasmo nos resultados da pesquisa.
Para os cientistas, as implicações dos resultados do estudo são profundas, sugerindo que a evolução inicial dos mamíferos foi muito mais complexa do que se acreditava. Agustín Martinelli, cientista do Museu Argentino de Ciências Naturais, acrescentou a relevância dos pequenos fósseis brasileiros. "[Eles] têm trazido informações valiosas que enriquecem nosso entendimento sobre a origem e evolução das características mamíferas. Estamos apenas começando, e nossas colaborações internacionais prometem trazer mais novidades em breve."
Professor e pesquisador de biologia do Centro Universitário Ceub, em Brasília, Fabrício Escarlate elogiou a descoberta. "É extraordinária. Esse é um evento que a gente precisa olhar com muito entusiasmo, porque ele pode esclarecer muita coisa. Essa sempre foi uma incógnita e objeto de discórdia entre os paleomastozoologos, a chegada desses novos fósseis joga luz nessa questão."
A pesquisa destaca ainda o potencial do registro fóssil sul-americano, como uma rica fonte de informações sobre a evolução dos mamíferos. "[O estudo] abre novas portas para a pesquisa paleontológica, pois esses fósseis fornecem evidências inestimáveis sobre os complexos e variados experimentos evolutivos que levaram à origem dos mamíferos modernos", disse Rawson.
Lorena Ferreira Silva, professora de Morfologia Animal, no Centro Universitário Uniceplac, em Brasília, destaca que os fósseis são de extrema importância para compreensão de processos evolutivos. "A pesquisa com fósseis de cinodontes é indispensável para o estudo do desenvolvimento dos mamíferos. O trabalho com esses achados brasileiros mostra que a evolução desses animais foi diversificada, pois a articulação da mandíbula e os ossos do ouvido médio se diferenciaram de acordo com o grupo, revelando mudanças evolutivas marcantes."
Marina Soares sublinhou que um dos principais desafios enfrentados no trabalho foram as imagens de boa resolução. "Isso porque os crânios avaliados são diminutos. Não tínhamos tomógrafos com a qualidade necessária, então os materiais saíram do Brasil e foram para Bristol, com essa microtomografia de alta resolução com slices finíssimos conseguimos gerar modelos tridimensionais de altíssima qualidade para visualizar as características crânio-mandibular desses animais." Segundo ela, é fundamental ampliar as parcerias internacionais. "Podemos ver isso pela produção científica de extrema qualidade do país em paleontologia e também outras ciências", afirmou a cientista, citando o acesso à microtomografia de alta resolução, disponível em Bristol.
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