PANDEMIA

Mercado de frutos-do-mar volta a ser apontado como marco zero da covid

O mais completo banco de dados genéticos de amostras retiradas da feira de frutos-do-mar de Huanan, na China, fornece mais evidências de que o vírus Sars-CoV-2 emergiu de algum animal selvagem vendido em barracas para o público

Em 2020, a feira, que vendia animais selvagens vivos, foi interditada por autoridades de saúde pública -  (crédito:  AFP)
Em 2020, a feira, que vendia animais selvagens vivos, foi interditada por autoridades de saúde pública - (crédito: AFP)

Amostras do mercado de frutos-do-mar de Huanan fornecem mais evidências de que a cidade chinesa é o marco zero da pandemia de covid-19. Embora desde o início da pandemia a principal suspeita da origem da doença seja animais selvagens vendidos ilegalmente nesta feira, ainda não existem provas suficientes para determinar o berço do Sars-CoV-2, vírus responsável pela doença.

Agora, um novo estudo internacional baseado em dados genéticos divulgados pelo Centro Chinês de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) apresenta uma lista de espécies selvagens presentes no mercado, reforçando a origem da covid-19. Publicado na revista Cell, o artigo baseia-se em informações extraídas de mais de 800 amostras coletadas dentro e ao redor da feira livre de Wuhan, desde 1º de janeiro de 2020. O genoma viral dos primeiros pacientes também foi analisado. 

"Esse pode ser o último grande conjunto de dados retirados diretamente do mercado e, de certa forma, é como terminar a última peça de um quebra-cabeça mostrando uma imagem que já estava bem clara", disse Michael Worobey, um dos três coautores correspondentes do artigo e chefe do Departamento de Ecologia e Biologia Evolutiva da Universidade do Arizona, nos Estados Unidos. "Apresentamos uma análise completa e rigorosa dos dados e como eles se encaixam no restante do enorme conjunto de evidências que temos sobre como a pandemia começou."

Coletas

Em 1º de janeiro de 2020, poucas horas após o fechamento do mercado, investigadores do CDC chinês foram ao local para coletar amostras. Embora tenham encontrado poucos animais selvagens vivos na ocasião, eles coletaram amostras do chão, das paredes e de outras superfícies de muitas barracas. Os funcionários voltaram dias depois para se concentrar nas vendas que exibiam gaiolas e carrinhos usados para mover animais. Também pesquisaram em ralos e esgotos. 

Os cientistas realizaram sequenciamento metatranscriptômico das amostras, uma técnica usada para obter sequências de RNA (e que também pode coletar DNA) de todos os organismos presentes nas coletas. A equipe do CDC chinês, liderada por Liu Jun, publicou os resultados em 2023 na revista Nature. No entanto, o artigo deixou sem solução as identidades exatas das espécies animais encontradas.

De acordo com a análise mais recente dos dados, o Sars-CoV-2 estava presente em algumas das mesmas barracas onde a vida selvagem era vendida no mercado. Entre os animais, havia cães-guaxinins — pequenos mamíferos semelhantes a raposas — e gatos-civeta — carnívoros relacionados a mangustos e hienas. Em alguns casos, o material genético do vírus foi o mesmo encontrado nos animais. 

"Muitas das principais espécies foram eliminadas antes da chegada das equipes do CDC chinês, então não podemos ter prova direta de que os animais estavam infectados", disse a coautora correspondente Florence Débarre do Centro Nacional Francês de Pesquisa Científica. "Estamos vendo os fantasmas de DNA e RNA desses animais nas amostras ambientais, e alguns estão em barracas onde o Sars-CoV-2 também foi encontrado. Isso é o que você esperaria em um cenário em que havia animais infectados no mercado."

"Pólvora"

Colocar animais selvagens com vírus em contato com humanos no coração das grandes cidades, onde as densidades populacionais facilitam a disseminação desses microrganismos, é uma das coisas mais arriscadas que os humanos podem fazer, disse Worobey. "Nem todos esses vírus têm o potencial de iniciar uma pandemia, mas quando você os traz, é como uma faísca em um barril de pólvora", disse ele.

Os pesquisadores também realizaram análises evolutivas dos primeiros genomas virais relatados na pandemia. Os resultados implicam que havia muito poucos, se algum, humanos infectados antes do surto do mercado.

O estudo também apresenta o registro mais completo de espécies animais e populações específicas dentro dessas espécies que poderiam ter atuado como hospedeiros intermediários no mercado. "Ele nos dá pistas sobre as populações que estavam representadas lá para cada espécie", disse Worobey. "Onde no Sudeste Asiático eles viviam? De onde eles podem ter vindo? Quantos foram criados em fazendas versus capturados na natureza e então movidos para as redes de transporte de animais selvagens ilegais?"

Embora tenha havido um foco maior na segurança do laboratório desde que a pandemia começou há mais de quatro anos, Worobey diz que "surpreendentemente pouco foi feito para diminuir o risco de um vírus saltar da vida selvagem para os humanos novamente." "Precisamos começar a colocar as evidências de como essa pandemia começou em ação, tomando medidas sérias e concretas para impedir a prática perigosa de trazer animais vivos com potenciais patógenos pandêmicos para áreas urbanas densamente povoadas", disse.

 


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postado em 21/09/2024 04:00
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