Infância

Covid longa em crianças deixa sequelas diferentes e perigosas

Pesquisa com mais de 5,3 mil pessoas de até 17 anos classifica os principais sintomas prolongados da infecção pelo coronavírus e constata que paciente pediátricos, que sofreram com a doença, são mais propensos a sentir dor de cabeça e ter problemas de memória

No início da pandemia de Sars-CoV-2, surgiu um mito de que crianças e jovens desenvolviam apenas formas brandas da doença. Com o tempo, não só se percebeu que pacientes pediátricos poderiam apresentar quadros graves, como que estavam sujeitos a sofrer dos sintomas por muito tempo depois da infecção. Agora, no maior estudo sobre o impacto da enfermidade em pessoas com menos de 18 anos, pesquisadores norte-americanos descobriram que a chamada covid longa as afeta de forma diferente, comparado aos adultos. 

Estima-se que 65 milhões de pessoas em todo o mundo vivam com covid longa, caracterizada por condições como fadiga, perda de memória e dores persistentes por mais de um mês após a infecção. Até recentemente, a maioria das pesquisas sobre os efeitos crônicos da doença, porém, se concentrava em adultos.

Para quantificar o impacto das sequelas em pacientes mais jovens de caracterizar os principais sintomas, mais de 140 pesquisadores analisaram dados do estudo Recover, dos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos. O resultado foi publicado no Journal of the American Medical Association (Jama). 

Cuidadores de 5.367 crianças (898 em idade escolar e 4.469 adolescentes) responderam a pesquisas on-line sobre a saúde das meninas e dos meninos. Aproximadamente 86% da amostra já havia sido infectada com covid, enquanto 14% — o grupo de controle — não. O estudo avaliou 74 sintomas conhecidos e potenciais do Sars-CoV-2 em nove domínios: olhos, ouvidos, nariz e garganta; coração e pulmões; gastrointestinal; dermatológico; musculoesquelético; neurológico; comportamental e psicológico; menstrual; e geral.

Associação 

Os pesquisadores descobriram que 45% das crianças em idade escolar (6 anos a 11 anos) infectadas com covid-19 idades relataram pelo menos um sintoma prolongado após a recuperação inicial, em comparação com 33% das que não tiveram a doença. Entre os adolescentes (12 anos a 17 anos), os percentuais foram, respectivamente, 39% (infectados) e 27% (não infectados). Segundo os autores, as diferenças são robustas o suficiente para sugerir uma associação entre as condições informadas pelos pacientes e o coronavírus. 

Os sintomas de covid longa em crianças também foram agrupados em padrões distintos dos adultos e entre si. O mais comum em adolescentes foi a perda do olfato e do paladar, enquanto enxaqueca, problemas de memória e foco estavam no topo da lista das crianças em idade pré-escolar. 

De forma detalhada, os pesquisadores descobriram que crianças de 6 anos a 11 anos com sintomas prolongados eram mais propensas do que as não infectadas a sentir dores de cabeça (57%); problemas de memória, foco e sono (44%); e dor abdominal (43%) pelo menos quatro semanas após a covid. Adolescentes que tiveram a doença tinham mais frequentemente fadiga diurna, sonolência e baixa energia (80%); dor no corpo, músculos ou articulações (55%); e problemas de memória e foco (47%) do que aqueles que não foram contaminados com o Sars-CoV-2. 

Multissistêmico

Os autores escreveram, no artigo, que "as crianças apresentaram sintomas prolongados após a infecção pela covid-19 em quase todos os sistemas orgânicos, com a grande maioria tendo envolvimento multissistêmico." Lawrence C. Kleinman, professor de pediatria na Universidade de Rutgers e coautor do artigo, enfatiza que não é raro os pacientes pediátricos desenvolverem a forma crônica da infecção.  "Algumas crianças são gravemente afetadas; elas não estão fingindo ou inventando." Em comparação, os adultos infectados pelo Sars-CoV-2 relataram 37 condições com mais frequência do que os que não tiveram a doença. Entre eles, mal-estar pós-esforço, confusão mental e problemas gastrointestinais e cardíacos, entre outros.

"Nossa pesquisa é um primeiro passo em direção a uma ferramenta que pode um dia ser usada para identificar covid longa em crianças e adolescentes — um grupo amplamente pouco estudado — mas provavelmente mudará e se expandirá à medida que aprendermos mais", disse, em nota, a autora correspondente do estudo, Rachel Gross, da Universidade de Nova York Langone. Para Kleinman, "essa é uma nova doença crônica em crianças com todas as incógnitas que isso traz". O pesquisador de Rutgers destaca a necessidade de os sistemas de saúde estarem preparados para lidar com o problema por, pelo menos, uma geração.

"Em conjunto, os resultados destacam a importância de avaliar as condições crônicas pós-covid em todo o espectro da vida, porque houve diferenças claras nas apresentações entre crianças, adolescentes e adultos", comenta Suchitra Rao, do Departamento de Medicina da Universidade do Colorado, em Aurora, que não participou do estudo. "Quatro anos após os relatos iniciais de covid longa, ainda há muito a ser descoberto sobre a trajetória e as estratégias de prevenção e tratamento, especialmente em crianças", afirma a pediatra. 

 

Mais Lidas

Três perguntas para Lara Maia, pediatra do Hospital Edmundo Vasconcelos (SP)

Por que os sintomas da covid longa diferem entre crianças, adolescentes e adultos?

Uma hipótese para isso pode ser devido ao funcionamento do corpo ser um pouco diferente conforme a idade, mas nos estudos ainda não foi provada a razão exata da diferença de sintomas entre as faixas etárias. Alguns daqueles que podem estar relacionados com a covid longa incluem problemas de memória, dor de cabeça, dor no estômago, dores nas articulações, mudanças no paladar ou olfato.

Devido à complexidade dos sintomas, ainda é um desafio diagnosticar a covid longa?

Sim, permanece um desafio pela dificuldade de se diferenciar se o sintoma está sendo provocado por uma sequela do covid longo ou se existiria por outros fatores da vida do paciente ou outras predisposições.

Uma categorização mais detalhada dos sintomas pediátricos poderia ajudar no diagnóstico e tratamento?

Sim, poderia ajudar para guiar melhor o diagnóstico. Os tratamentos na maioria das vezes são para alívio dos sintomas. Mais estudos poderiam ajudar também a descobrir tratamentos mais específicos ou se existirão ou não tratamentos profiláticos.