Parentalidade

Estudo avalia benefícios da parentalidade gentil na educação de crianças

Sem uma receita pronta para educar, pesquisadores afirmam que o caminho é o da parentalidade gentil, baseada no diálogo e na sensibilidade, estimulando o autocontrole e a empatia, diferentemente das abordagens autoritária e permissiva

Nos últimos anos, a abordagem da parentalidade gentil e o uso do bom humor têm ganhado destaque como respostas eficazes aos desafios contemporâneos da criação de filhos. Estudos recentes exploram as características e benefícios dessas formas de educar, revelando questões valiosas sobre como os pais podem criar um ambiente mais saudável e acolhedor para seus filhos.

Um artigo liderado pelo Macalester College, nos Estados Unidos, focou na parentalidade gentil. Para o trabalho, os cientistas avaliaram 100 pais de crianças com idades entre 2 e 7 anos. O estudo buscou  compreender como os responsáveis percebem e aplicam práticas associadas a essa abordagem, especialmente em um contexto marcado pelos desafios impostos pela pandemia.

Os resultados revelaram que os pais que adotam a educação gentil valorizam profundamente a regulação emocional e a empatia. Aproximadamente 59,2% dos participantes mencionaram a importância de gerenciar suas próprias emoções para serem modelos positivos para seus filhos. 

Essa abordagem se diferencia dos estilos parentais tradicionais, como o autoritário e o permissivo, por sua flexibilidade e foco na comunicação aberta e no entendimento das emoções das crianças. Pais que praticam a parentalidade gentil relataram uma maior satisfação em suas funções parentais e uma experiência mais gratificante, refletindo um ambiente familiar mais seguro e acolhedor, apesar do cansaço em alguns momentos.

Para Tanize Viçosa, psicóloga educacional do Instituto Hortense, em Goiás, a parentalidade gentil é um método de educação que remete muito à comunicação não violenta. "É uma forma de educar crianças tendo por base o respeito e a consciência do agir. Ela busca evitar traumas infantis gerados pela violência e pelas ações impulsivas."

Segundo a profissional, o maior benefício dessa abordagem é a própria educação socioemocional. "Na qual ensina-se às crianças como regular suas emoções, validando o que sentem e enfatizando o comportamento saudável para lidar com os sentimentos."

Para especialistas, a regulação emocional é vista como essencial para lidar com comportamentos desafiadores das crianças, permitindo respostas mais calmas e compreensivas durante conflitos. Enquanto a educação gentil se concentra no equilíbrio emocional e na construção de vínculos afetivos, o humor pode ajudar a tornar a educação mais leve. 

Aline Araújo, psicóloga especialista em análise do comportamento aplicada, da clínica Neurodesenvolvendo, em Brasília, detalha que entre os maiores desafios para educação está a dificuldade das famílias chegarem em um ponto de equilíbrio entre as cobranças externas e autocobranças quanto ao que seria a maternidade e paternidade ideal. "O que gera incertezas e uma espécie de esgotamento emocional parental frente a tantas informações, modelos e sugestões de como se deve criar e educar uma criança ou adolescente para o mundo."

Humor 

Um estudo liderado pela Penn State College of Medicine, nos EUA, explorou de que forma o humor pode servir como uma ferramenta para os pais. O estudo, realizado com 312 participantes, investigou as experiências dos responsáveis com o humor durante a infância e sua percepção sobre o uso na criação dos filhos.

Os dados coletados revelaram que 70% dos participantes acreditam que o humor pode aliviar tensões e criar um ambiente familiar mais positivo. O uso do humor foi associado à melhor capacidade de lidar com situações desafiadoras, funcionando como um mecanismo de enfrentamento. 

A pesquisa também mostrou que a presença do humor na infância influenciou positivamente a abordagem parental, contribuindo para interações mais leves e agradáveis com os filhos. Os pesquisadores destacaram a necessidade de mais estudos para explorar como essa ferramenta pode ser melhor aproveitada. 

Conforme as pesquisas, a criação gentil promove um ambiente emocionalmente seguro e acolhedor, enquanto o humor pode proporcionar alívio e fortalecer as relações familiares. As duas abordagens enfatizam a importância do bem-estar emocional dos pais e das crianças. 

Mais segurança

A fotógrafa Paula Leon de Abreu e o marido, o contator Janio de Abreu Filho, ambos com 35 anos, optaram por educar o filho Mateus Leon de Abreu, 3 anos, de forma gentil. Para o casal, não fazia sentido usar a violência, seja a física, seja a verbal. "Pelo contrário, isso gera traumas, insegurança e uma autoestima muito prejudicada. Não digo por mera teoria, mas por tantas conversas com amigos e conhecidos que expuseram suas dores pelo contato com a educação tradicional".

Fotos: Arquivo pessoal -

Paula e Janio afirmam que a vantagem em optar pela "forma gentil" é criar um ser humano seguro de si cuja base se sustenta no amor e respeito. "Infelizmente, muitos confundem educação positiva com 'a criança pode fazer tudo', mas há regras e limites, e eles são comunicados com carinho e paciência, além do respeito."

Apesar do sucesso da abordagem, Paula ressalta que há desafios quando se opta por essa abordagem.  "Justamente não ir para o 'caminho mais fácil' da educação tradicional. Todo dia temos que pegar o caminho contrário do que, infelizmente, foi ensinado por toda uma geração", diz a fotógrafa. "Em vez de ignorar um choro, acolhemos. No lugar da violência, a escuta. Temos que curar nossas próprias dores e traumas para não passar adiante para o nosso filho o que nos foi ensinado." 

Para Aline Araújo, o humor pode ser uma ferramenta parental eficaz e se relaciona diretamente com a educação gentil. "É capaz de promover um melhor relacionamento intrafamiliar, aumentando as chances desse estilo parental se propagar para as próximas gerações de forma muito natural."

 


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Quebrar ciclos

"Na minha experiência com famílias, percebo que muitas apenas replicam os modelos parentais vivenciados enquanto filhos. A cultura familiar é difícil de ser mudada, porém com a mudança da própria sociedade, essa estrutura vai gradualmente se readaptando e inovando a cada geração. Para aqueles que querem aderir à prática da parentalidade gentil, o primeiro passo é identificar o estilo de parentalidade praticado atualmente. A segunda etapa é identificar suas práticas educativas. Com essa informação, você poderá adaptar seu modelo parental aos poucos e construir uma relação saudável com seu filho. O importante é ter paciência e consciência de que criar uma criança nunca será um trabalho simples. Tudo bem errar, tudo bem não dar conta às vezes, afinal, você também é uma pessoa que tem necessidades e limites. Seja gentil com você também."

Heloí Fernandes,
psicóloga Infantil e jurídica

Mães empáticas, filhos atenciosos

Um trabalho conduzido pela Universidade da Virgínia apresenta evidências sobre a transmissão de cuidado empático ao longo de três gerações. A pesquisa, considerada a primeira a fornecer diversas informações de longo prazo sobre o fenômeno, revela que a empatia demonstrada pelas mães aos filhos adolescentes pode influenciar a capacidade deles de oferecer cuidado e atenção em suas relações, futuramente, para seus próprios filhos.

As descobertas do estudo, detalhado na revista Child Development, indicam que as interações com amigos próximos durante a adolescência funcionam como um "campo de treinamento" para a prática da empatia. Esse ambiente permite que os adolescentes retribuam a empatia que recebem de suas mães, aprimorando assim suas habilidades para futuros papeis parentais.

O estudo sugere que as amizades de suporte e solidárias são cruciais para o desenvolvimento dessas habilidades. Para o trabalho, que começou em 1998, a equipe de cientistas acompanhou 184 adolescentes por mais de 20 anos. Os resultados demonstraram que a empatia das mães para com os jovens previu a empatia deles em suas amizades e, posteriormente, suas práticas parentais.

A principal autora do estudo, Jessica Stern, pesquisadora do departamento de psicologia da Universidade da Virgínia, destacou a relevância da pesquisa ao analisar padrões intergeracionais de empatia. Em nota, ele diz que "ao observar como a empatia se desenvolve e é transmitida por três gerações, o estudo oferece uma visão mais clara sobre a importância das experiências de apoio e compreensão na formação das habilidades sociais.

Para especialistas, apoiar uma geração de pais sob o modelo da empatia gera impactos duradouros nas relações na adolescência e na vida adulta. As famílias podem promover a importância das amizades próximas e solidárias, incentivando os filhos na busca por vínculos de apoio, beneficiando a habilidade em transformar as próximas gerações com pessoas mais empáticas. (I.A.)