Em uma colaboração internacional, pesquisadores de diferentes instituições utilizaram o cenário da fome durante o Holodomor ucraniano, entre 1932 e 1933, para examinar a relação entre a fome pré-natal e o diabetes mellitus tipo 2 (DM2) em adultos. O estudo analisou 128.225 casos DM2 diagnosticados de 2000 a 2008 em mais de 10 milhões de homens e mulheres ucranianos nascidos entre 1930 e 1938. Os resultados do estudo, publicados na revista Science, indicam que indivíduos expostos à fome no início da gestação têm mais do que o dobro de chances de desenvolver diabetes tipo 2 mais tarde na vida.
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Segundo o líder da pesquisa, LH Lumey, professor de epidemiologia na Universidade Columbia Public Health, nos Estados Unidos, a concentração da fome em um período de seis meses no início de 1933 permitiu identificar claramente o momento da exposição e suas variações de intensidade entre diferentes províncias do país.
O Holodomor, uma fome induzida por práticas políticas, resultou em 4 milhões de mortes em um curto período. A expectativa de vida ao nascer, em 1933, era drasticamente baixa: apenas 7,2 anos para mulheres e 4,3, para homens. A situação, provocada pelo confisco de alimentos e restrições de viagens, deixou milhares de famílias rurais ucranianas sem comida, culminando em uma mortalidade diária de 28 mil pessoas no auge da crise.
A pesquisa destacou a necessidade de políticas de saúde pública que considerem os efeitos de longo prazo de problemas que acontecem ainda na vida intrauterina. Embora fatores de risco, como obesidade, também estivessem presentes entre os diagnosticados com DM2, a exposição à fome antes do nascimento se destacou como fator dominante.
Paula Fábrega, endocrinologista do hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, detalha que situações que provocam desnutrição ou privação calórica no feto criam um ambiente de resistência à insulina intrauterino. "Essa resistência é uma estratégia de sobrevivência do organismo. No entanto, na vida adulta, essa condição aumenta a probabilidade de a pessoa desenvolver diabetes tipo 2, especialmente quando associada a uma alimentação hipercalórica, sedentarismo e sobrepeso."
Segundo a especialista, entidades médicas advertem para os riscos da desnutrição materna e na primeira infância, tanto em termos de mortalidade, quanto no aumento de doenças associadas. "A gestante deve ser bem acompanhada no pré-natal, incluída em programas sociais que visem garantir uma boa alimentação durante a gravidez. A identificação de mães em risco de desnutrição é fundamental para prevenir doenças no futuro. A interação entre entidades médicas, gestores públicos e a comunidade deve ser fortalecida, sendo essa uma das bases do Sistema Único de Saúde (SUS)."
Para os pesquisadores, é necessário compreender melhor os efeitos duradouros das adversidades no início da vida para motivar a criação de uma abordagem proativa na formulação de políticas de saúde pública.
"Essa conscientização deve estimular uma abordagem proativa entre formuladores de políticas e autoridades de saúde pública para antecipar as crescentes necessidades de assistência médica entre populações afetadas por desastres nacionais. Ela também destaca a importância de aumentar a conscientização sobre os potenciais efeitos de longo prazo na saúde das adversidades no início da vida", destacou, em nota, Lumey.
Márcio Krakauer, endocrinologista da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia Regional de São Paulo (SBEM-SP) destaca que as descobertas do estudo podem influenciar de várias formas a prática clínica. "Como uma abordagem mais personalizada, entender a história pré-natal dos pacientes pode permitir um tratamento mais individualizado e que melhora a gama de estratégias para intervir na sensibilidade à insulina. Prevenção e diagnóstico precoce são muito importantes."
"Devemos ficar de olho em pacientes com histórico de desnutrição pré-natal porque elas têm risco de desenvolver uma nova gestação e as intervenções nutricionais que podem e devem ser feitas são muito importantes", reforçou Krakauer.