Um dos desafios no tratamento da doença de Parkinson é que as drogas e os dispositivos para estimular a produção de dopamina — escassa, nos pacientes — também pode causar movimentos descontrolados, chamados discinesia. Passado o efeito, volta-se ao estado de tremor e rigidez. Um tratamento individualizado, que reduz as oscilações extremas nos sintomas, mostrou-se possível por pesquisadores da Universidade da Califórnia, em San Francisco (UCSF), nos Estados Unidos.
- Humanos têm 'salto' de envelhecimento aos 44 e 60 anos, sugere estudo
- Cientistas buscam métodos de identificar transtornos psiquiátricos com exames de laboratório
Os cientistas descreveram, em dois estudos publicados ontem, um tipo de estimulação cerebral profunda (ECP) capaz de reconhecer sinais cerebrais que acompanham os diferentes sintomas. Assim, o sistema autorregula a produção de dopamina, evitando que a substância seja fabricada em excesso ou de forma deficiente. Os artigos foram divulgados na revista Nature Medicine.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 10 milhões de pessoas sofrem da doença de Parkinson em todo o mundo. No Brasil, estimam-se 200 mil pacientes. O mal é caracterizado pela perda progressiva dos neurônios produtores da dopamina em regiões profundas do cérebro, responsáveis pelo controle do movimento. A escassez dessas células também pode causar sintomas não-motores, como transtorno de humor e insônia.
Levodopa
Geralmente, o tratamento começa com o medicamento levodopa, e alguns pacientes têm indicação também para o implante, no cérebro, de um dispositivo de ECP. O aparelho fornece um nível constante de estimulação dos produtores de dopamina. Um dos problemas é que o equipamento pode compensar demais ou de menos, fazendo com que os sintomas oscilem de um extremo ao outro durante o dia.
Os pesquisadores da UCSF trabalharam na melhoria da abordagem, e chegaram à tecnologia de estimulação cerebral profunda adaptativa (aECP), que usa inteligência artificial (IA) para monitorar a atividade cerebral de um paciente em busca de mudanças nos sintomas. Quando os detecta, ele intervém, com pulsos elétricos calibrados com precisão. Segundo os autores do estudo, a terapia complementa a ação dos medicamentos para Parkinson: quando a substância está ativa, há menos atividade; conforme o efeito da droga passa, os estímulos aumentam.
Em um teste com quatro pacientes, os cientistas constataram que a aECP melhorou em 50% as oscilações dos sintomas. De acordo com eles, essa é a primeira vez que uma tecnologia de implante cerebral de circuito fechado — que se ajusta com base na resposta do próprio cérebro — funciona adequadamente. O dispositivo permite também que o usuário saia do modo adaptativo ou mesmo desligue a estimulação.
Padrões
"Esse é o futuro da estimulação cerebral profunda para a doença de Parkinson", disse Philip Starr, pesquisador da Clínica de Distúrbios do Movimento e Neuromodulação da UCSF e um dos autores sêniores do estudo. Em uma apresentação on-line à imprensa, ele contou que há mais de 10 anos busca as bases para a tecnologia. Em 2013, Starr descobriu como detectar e registrar os ritmos cerebrais anormais associados ao Parkinson. Há três anos, a equipe do neurologista identificou padrões específicos nessas frequências que correspondem aos sintomas motores.
Segundo Starr, embora há muito tempo pesquisadores busquem o aperfeiçoamento da ECP, só recentemente as ferramentas e técnicas corretas permitiram o desenvolvimento de dispositivos para uso de longo prazo. No início deste ano, outra equipe da UCSF, liderada pelo neurocientista Simon Little, demonstrou na revista Nature Communications o potencial da ECP adaptativa em aliviar a insônia, um sintoma comum no Parkinson.
"A grande mudança que fizemos é que conseguimos detectar, em tempo real, onde um paciente está no espectro de sintomas e combiná-lo com a quantidade exata de estimulação de que ele precisa", disse Little. O cientista é coautor sênior dos dois estudos publicados ontem.
Esse nível de personalização do ECP é possível porque o dispositivo reconhece os sinais cerebrais que acompanham os diferentes sintomas do Parkinson. Pesquisas anteriores identificaram padrões de atividade cerebral relacionados às diferentes alterações motoras em uma região profunda do cérebro que coordena o movimento, chamada núcleo subtalâmico (NST).
A área é a mesma estimulada pelo dispositivo convencional, e Starr suspeitou que a ativação estava, na verdade, silenciando os sinais que era necessário captar. O neurocientista, então, buscou sinalizações alternativas em outra região do cérebro, o córtex motor, que não seriam enfraquecidas pela ECP. O desafio seguinte foi desenvolver um sistema adequado para uso fora do ambiente laboratorial.
Desafio é ampliar o acesso à abordagem
Embora a descoberta de um dispositivo capaz de regular a produção de dopamina no cérebro seja promissora, os pesquisadores da Universidade da Califórnia, em San Francisco (UFSC), destacam que há desafios significativos para que a terapia para a doença de Parkinson esteja amplamente disponível. A configuração inicial do dispositivo descrito pelos cientistas na revista Nature Medicine, por exemplo, requer médicos altamente treinados. Também são necessárias muitas visitas clínicas para ajustes, algo que, no futuro, poderá ser feito pela própria estimulação cerebral profunda (ECP).
"Um dos grandes problemas enfrentados pela ECP, mesmo em indicações aprovadas como Parkinson, é o acesso, tanto para os pacientes em termos de onde eles podem obtê-la quanto para os médicos, que precisam de treinamento especial para programar esses dispositivos", disse, em nota, Megan Frankowski, diretora do programa Brain Iniciative, dos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA, que financiaram o projeto. "Se houver uma maneira de um sistema encontrar as configurações mais ideais com o toque de um botão, isso realmente aumentará a disponibilidade desse tratamento para mais pessoas."
Para Craig van Horne, do Neurorestoration Center, do Instituto de Neurociências da Universidade de Kentucky, nos Estados Unidos, com aprimoramentos, a EPC tem potencial não só de controlar os sintomas, mas de frear a progressão do Parkinson. "Você pode dar medicamentos, pode até fazer estimulação cerebral profunda e tratar alguns dos sintomas, mas ainda não interrompe a progressão", diz Van Horne, que não participou do estudo californiano.
Atualmente, o neurocientista trabalha em um procedimento experimental que combina a DBS com um enxerto nervoso, abordagem chamada DBS-Plus. "Nenhum desses avanços tem um modelo único. A personalização será a chave para alcançarmos os resultados que desejamos." (PO)
Saiba Mais
Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores pelo e-mail sredat.df@dabr.com.br