Segurança Hospitalar

Cientistas desenvolvem medicamento para eliminar bactérias resistentes

Cientistas desenvolveram, a partir de micro-organismos, um novo medicamento capaz de eliminar infecções que podem levar à morte. Testado com sucesso em camundongos, a ideia é criar uma nova classe de antibióticos

Micróbios saudáveis (verde à esquerda) e, após o tratamento, bactérias mortas (vermelho à direita) -  (crédito: Zongsen Zou, Ph.D, Universidade de Washington em St Louis)
Micróbios saudáveis (verde à esquerda) e, após o tratamento, bactérias mortas (vermelho à direita) - (crédito: Zongsen Zou, Ph.D, Universidade de Washington em St Louis)

Pesquisadores liderados pela Escola de Medicina da Universidade de Washington, nos Estados Unidos, desenvolveram um novo composto eficaz para eliminar infecções resistentes e potencialmente fatais como as causadas por bactérias 'comedoras de carne'. Segundo o artigo publicado na revista Science Advances,  essa droga, testada em camundongos, pode ser pioneira na criação de uma nova classe de antibióticos.

A droga foi desenvolvida com foco em bactérias gram-positivas, responsáveis por algumas infecções resistentes, síndrome do choque tóxico e outras condições graves.

"Todas as bactérias gram-positivas que testamos foram suscetíveis a esse composto. Isso inclui enterococos, estafilococos, estreptococos, e C. difficile, os principais tipos de bactérias patogênicas," afirmou, em comunicado, Michael Caparon, professor de microbiologia molecular e coautor do estudo. "Os compostos têm atividade de amplo espectro contra inúmeras bactérias."

A base do composto é uma molécula chamada 2-piridona fundida em anel. Inicialmente, a equipe buscava uma substância para impedir que películas bacterianas se fixassem em cateteres uretrais, causa comum de infecções urinárias em ambientes hospitalares. A descoberta de que a droga era capaz de combater diferentes microrganismos foi inesperada.

Em estudos anteriores, os pesquisadores mostraram que os compostos, nomeados GmPcides (gram-positivo-icida) conseguiam eliminar cepas de bactérias cultivadas em placas. No estudo mais recente, eles testaram o material em infecções necrosantes de tecidos moles, como a fascite necrosante, conhecida como 'doença devoradora de carne'. A condição pode causar danos graves, exigindo, muitas vezes, amputações para controlar sua disseminação e tem uma taxa de mortalidade média de 20%.

Camundongos infectados por Streptococcus pyogenes, responsável por 500 mil mortes anuais no mundo,  e tratados com GmPcide apresentaram uma melhor e mais rápida recuperação. Os animais apresentaram menos perda de peso, úlceras menores.

De acordo com o artigo, os GmPcides pareceram a virulência das bactérias e acelerar a cicatrização das áreas danificadas após a infecção. Embora o mecanismo exato ainda não esteja claro, observações microscópicas indicam que o tratamento afeta as membranas celulares bacterianas, fazendo com que elas se tornem permeáveis.

"Uma das funções de uma membrana é excluir material do exterior. Dentro de cinco a dez minutos de tratamento com GmPcide, as membranas tornam-se permeáveis e permitem a entrada de substâncias que normalmente seriam excluídas, sugerindo danos às membranas, detalhou Caparon. Além da eficácia contra as infecções, os GmPcides têm menor probabilidade de gerar resistência antimicrobiana.

Segundo Hemerson Luz, membro da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital Municipal Ronaldo Gazolla, no Rio de Janeiro, o mais interessante é que essa possível nova classe de antibiótico tem ação em um alvo diferente, as proteínas regulatórias das bactérias. "Isso vai inibir o metabolismo fazendo alterações na resistência desses microrganismos, podendo levar até mesmo a morte da bactéria ou diminuindo a sua virulência. Essas proteínas ainda não são alvo de nenhum tipo de antibiótico já desenvolvido."

Embora promissores, os GmPcides estão longe de serem disponibilizados como tratamento na prática clínica. O composto foi patenteado pela equipe, que o licenciou para a empresa QureTech Bio, que os cientistas esperam colaborar no desenvolvimento farmacêutico e ensaios clínicos necessários.

Werciley Vieira Júnior, infectologista do hospital Santa Lúcia, em Brasília, considera que, diante do cenário mundial de resistência microbiana, um possível novo remédio que supere esse problema é um alento. "Com essa nova medicação, a gente vai conseguir ter mais uma arma no arsenal de combate às infecções causadas por bactérias, principalmente as Gram positivas. Mas, lógico, precisamos de mais estudos para reforçar esse resultado."

Scott Hultgren, cientista e coautor do trabalho, destacou a importância da ciência colaborativa para enfrentar a resistência antimicrobiana. "Infecções bacterianas são um problema de saúde significativo, e a resistência a múltiplos medicamentos as torna mais difíceis de tratar. A ciência interdisciplinar facilita a integração de diferentes campos de estudo, potencializando novas ideias que podem ajudar os pacientes", afirmou, em nota.

 


Duas perguntas para

Hugo Costa Paes, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília, atuando na área de Doenças Infecciosas e Parasitárias

Quais as implicações clínicas do desenvolvimento de um novo composto antibacteriano para o tratamento de infecções multirresistentes?

Os GmPcidas parecem representar um novo mecanismo de ação. Classes de fármacos antimicrobianos com mecanismos novos são sempre bem-vindas, pois há poucas chances da resistência prévia a medicamentos convencionais conferir alguma resistência aos novos. Nos últimos anos, vimos sinais decrescentes na pesquisa de antibióticos, de modo que a descoberta de uma nova classe é alentadora. Porém, no caso específico dos GmPcidas, os organismos alvos são os Gram-positivos, na clínica os microrganismos mais desafiadores são Gram-negativos.

Como os GmPcidas se comparam aos antibióticos tradicionais em termos de eficácia?

É difícil dizer porque o estudo não comparou a eficácia deles com um antibiótico convencional, como a penicilina. Porém, demonstrou a capacidade dos GmPcidas de eliminar bactérias em biofilmes maduros e em fase estacionária de crescimento, o que pode — embora não seja possível afirmar de antemão — representar um desempenho superior aos antibióticos atualmente em uso clínico, que frequentemente são incapazes de eliminar bactérias nesse cenário.

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postado em 03/08/2024 06:00
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