A indústria da construção civil, reconhecida pela grande emissão de poluentes e gases de efeito estufa, vivencia um período de revolução tecnológica com o objetivo de mitigar seus impactos ambientais. Novas pesquisas apontam para o desenvolvimento de concretos sustentáveis e reciclados que podem transformar a maneira de construir e contribuir para a saúde do planeta. Além disso, cientistas estão criando novos materiais inspirados na natureza.
Recentemente, um estudo publicado na revista Nature Cities revelou que adicionar nitrogênio ao concreto pode reduzir significativamente os níveis globais de óxidos de nitrogênio (NOx), um dos poluentes atmosféricos mais nocivos. Os pesquisadores estimam que a abordagem pode reduzir as emissões de NOx entre 3,4 e 6,9 megatoneladas (Mt) anualmente, o que representa até 13% dos gases liberados relacionados à indústria da construção, em 2021.
Segundo a pesquisa, realizada por uma equipe multidisciplinar de cientistas de diversos países, o processo pode mitigar até 384 Mt de NOx, até 2050. Essa medida poderá poupar entre 75 e 260 anos de vida, potencialmente perdidos, devido à morte prematura e redução da qualidade de vida.
Poluentes reativos
Os óxidos de nitrogênio são poluentes altamente reativos, contribuem para a chuva ácida, a destruição da camada de ozônio e diversas doenças respiratórias. A comercialização da nitrogenação do concreto apresenta melhores perspectivas econômicas e ambientais comparadas aos processos de sequestro de dióxido de carbono (CO2), especialmente em regiões em rápida urbanização e industrialização, como a China, Europa e Estados Unidos.
Ning Zhang, pesquisadora do Instituto Leibniz de Desenvolvimento Ecológico e Urbano, na Alemanha, e coautora do ensaio, reforçou que os benefícios ambientais da tecnologia são duplos. "Em primeiro lugar, reduz as emissões de NOx na atmosfera, diminuindo a poluição do ar relacionada e os impactos na saúde. Em segundo, os benefícios econômicos potenciais são significativos. Uma estimativa da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA) aponta que controlar cada tonelada de NOx pode custar até 7.400 dólares, enquanto o custo da tecnologia de nitrogenação poderia ser gerenciado abaixo de 26 dólares por tonelada", detalhou a cientista ao Correio.
Em outra frente, a Universidade RMIT, da Austrália, desenvolveu um concreto baixo em carbono que pode ser fabricado reciclando o dobro da quantidade de cinzas de carvão, em comparação aos padrões atuais. Além disso, o novo material reduz pela metade a quantidade de cimento necessária na mistura.
De acordo com o artigo, detalhado na revista Cement and Concrete Research, esse concreto de baixo carbono é capaz de coletar e reutilizar "cinzas de lagoa", um subproduto da combustão de carvão em usinas termoelétricas, com pré-processamento mínimo. A abordagem inovadora, que utiliza nanoaditivos para modificar o material quimicamente, permite substituir até 80% do cimento por cinzas, enquanto abordagens tradicionais alcançam apenas 40%.
Testes comerciais
Conforme Yuguo Yu, cientista da RMIT e coautor do artigo, a tecnologia desenvolvida está pronta para testes comerciais. A próxima fase envolverá a avaliação de desempenho a curto e longo prazo nas proporções da nova mistura de concreto. "Atualmente, estamos colaborando com cerca de 10 conselhos locais em toda a Austrália e com empresas de concreto pronto, para implementar nossa inovação. Ela pode ser integrada em uma variedade de projetos de construção, como calçadas, elementos estruturais em edifícios residenciais, e estender-se à infraestrutura crítica, como pontes rurais e estradas."
Flávio Queiroz, professor de engenharia do Centro Universitário Ceub, em Brasília, destaca que o uso de cinzas de carvão e outras adições de subprodutos industriais, em substituição ao cimento tradicional, tem possibilitado o surgimento de uma nova geração de concretos, que além da baixa emissão de carbono, são conhecidos pelo desempenho tecnológico. "Os concretos denominados verdes ou de baixo carbono têm demonstrado um aumento de resistência à compressão, menor porosidade, maior resistência a ambientes agressivos, entre outras propriedades que conferem uma maior durabilidade nas estruturas de concreto."
No mesmo caminho, uma equipe da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, desenvolveu um método para produzir concreto de pouca emissão de gases. Para reciclar o cimento, a equipe utilizou um tipo de forno elétrico usado na reutilização de aço. O processo inovador, denominado Cambridge Electric Cement, não aumenta os custos da produção de forma significativa e reduz drasticamente a liberação de CO2.
Para os pesquisadores, a criação representa um avanço na transição para zerar emissões líquidas vindas dessa fonte. O cimento reciclado também contém níveis mais altos de óxido de ferro e tem um desempenho comparável ao convencional.
Com o método, é possível produzir 1 bilhão de toneladas de cimento, por ano, até 2050, o que corresponde a um quarto da atual fabricação anual desse produto. A inovação tem o potencial de reduzir significativamente a quantidade de concreto utilizado, sem comprometer a segurança.
Para o engenheiro civil e coordenador dos cursos de engenharia civil e arquitetura e urbanismo do Centro Universitário Uniceplac, em Brasília, Thiago Primo, são numerosos os desafios da implementação de materiais mais sustentáveis, que vão, desde a reestruturação da produção, à compreensão a médio e longo prazo do comportamento de edifícios que utilizam os produtos.
"É comum ver edificações cada vez mais robustas. Com isso, a busca por desempenhos melhores em relação à resistência do concreto é uma realidade. Entretanto, é bom ressaltar que a utilização de qualquer material deve ser muito estudada e ter controle rigoroso, para um desempenho satisfatório."
Saiba Mais
Produção alternativa é sustentável
Quais são os principais impactos ambientais da produção convencional de cimento e concreto?
A produção de cimento está associada à mineração, pois há a necessidade de exploração de jazidas de calcário para extração de matéria-prima. Isso, por si só, gera impacto ambiental significativo. Ademais, na fabricação do clínquer, principal componente do cimento, há liberação de gases que contribuem para o efeito estufa. A produção do concreto está associada também à exploração de jazidas para obtenção de rochas utilizadas como agregados, como a brita, e de rios para a coleta de areia.
Como as engenharias civil e de materiais têm inovado para tornar as obras mais resilientes e menos poluidoras?
As engenharias têm diversas frentes de inovação, como materiais e processos produtivos mais eficientes, o caso de concretos com adições que consomem menos cimento e, portanto, geram menos poluentes. Há ainda compósitos cimentícios que são substituídos parcialmente por materiais reciclados; impressão 3D de artefatos e estruturas. Também há a adição de materiais capazes de reagir com os gases da atmosfera, capturando moléculas poluentes, comov nanopartículas de titânia (TiO2) para remoção de NOx.
Cézar Augusto Casagrande, professor doutor da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR-CT), doutor em engenharia civil e mestre em engenharia de materiais
Inspiração na natureza
Inspirados em conchas de ostras e abalones, engenheiros da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, criaram um novo composto de cimento que é 17 vezes mais resistente a rachaduras do que o produto padrão e 19 vezes mais capaz de se esticar e deformar sem quebrar. A invenção poderá aumentar a tenacidade de diversos materiais cerâmicos quebradiços, como concreto e porcelana.
No artigo publicado, recentemente, na revista Advanced Functional Materials, a equipe de pesquisa liderada pelo professor Reza Moini relatou que a criação de camadas alternadas de pasta de cimento tabulada e polímero fino pode aumentar significativamente a tenacidade e a capacidade de deformação do material. "Essa estrutura permite que as pastilhas duras deslizem por meio da camada elastomérica macia, assim evitando falhas frágeis e melhorando a resistência às rachaduras", detalhou Moini, ao Correio.
Os tabletes de aragonita do nácar contribuem para sua resistência, enquanto o biopolímero adiciona flexibilidade e resistência a rachaduras. O mecanismo de endurecimento envolve os tabletes de aragonita deslizando sob estresse, dissipando energia e permitindo que o nácar suporte estresse mecânico substancial sem perder sua integridade estrutural. A equipe de Princeton desenvolveu compósitos inovadores inspirados no nácar, utilizando pasta de cimento Portland combinada com polímero, alternando camadas de folhas de pasta de cimento com polivinil siloxano.
Nos experimentos, foram produzidos três tipos de vigas: com camadas alternadas de pasta de cimento e polímero fino; com ranhuras hexagonais gravadas nas folhas de pasta de cimento e polímero; e com tabletes hexagonais separados conectados por polímero, semelhantes ao nácar.
As vigas com tabletes hexagonais separados mostraram 19 vezes mais ductilidade (capacidade de deformar sob tensão) e 17 vezes mais tenacidade (resistência) à fratura, mantendo quase a mesma resistência das vigas de referência de pasta de cimento sólido. Moini disse que os próximos passos envolvem "investigar designs alternativos, polímeros e técnicas de fabricação mais amplas." (I.A.)
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