Cientistas mapearam como as regiões da Amazônia reagem à seca de maneiras distintas, em decorrência variedade de ambientes florestais locais e às múltiplas propriedades das árvores. Segundo a equipe internacional de pesquisadores, o estudo vai além dos fatores climáticos e inclui características da própria mata, como profundidade dos lençóis freáticos e tamanho das raízes. O trabalho foi detalhado na revista Nature.
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No fim dos anos 2000, Scott Saleska, professor da Universidade do Arizona, nos Estados Unidos, estranhou alguns acontecimentos na floresta amazônica. Em 2005, uma seca enorme atingiu a região. Em 2007, o pesquisador publicou uma investigação, a partir de imagens de satélite, para descobrir que a seca resultou em um maior crescimento verde em grandes áreas da Floresta. Mas a equipe que estava em campo observou plantas ficarem escuras e algumas morrerem em resposta à falta d'água.
Para avaliar esse cenário, Saleska e a principal autora do artigo, Shuli Chen, doutoranda em ecologia e biologia evolutiva na da Universidade do Arizona, e Antônio Nobre, brasileiro, cientista brasileiro do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) coordenaram uma investigação. A equipe usou dados de 20 anos, coletados entre 2000 a 2020, que incluíam informações sobre as secas de 2005, 2010 e outra mais generalizada em 2015 e 2016.
O foco do estudo era identificar como a falta d'água impacta a floresta com maior biodiversidade da Terra, que abrange uma área duas vezes maior que a Índia, e é um dos maiores sumidouros de carbono do globo. Os cientistas descobriram que as distintas regiões da floresta amazônica respondem de forma diferente à seca, sobretudo em razão das propriedades da flora em cada área.
Impactos
Na região sul da floresta, principalmente em cima de formações rochosas que os geólogos chamam de Escudo Brasileiro, que tem um solo relativamente fértil e árvores mais baixas, a reação à escassez hídrica foi controlada pelo acesso às águas subterrâneas. As plantas com acesso a lençóis freáticos rasos "ficaram verdes" no período sem chuva, no entanto, as árvores que estavam acima de lençóis freáticos mais profundos ficaram escuras e tiveram maior risco de morrer.
Na contramão, o norte da Amazônia, dominado pelo Escudo das Guianas — lar de árvores altas com raízes profundas e solo menos fértil — mostrou-se mais resistente à seca, independentemente da profundidade do lençol freático.
Conforme Shuli Chen, essa nova compreensão das diferenças regionais auxilia na tomada de decisões sobre conservação e previsões das respostas das florestas às futuras mudanças climáticas. "Observamos que a distribuição geográfica dessas florestas mais vulneráveis traz importantes advertências para sustentar a integridade dos ecossistemas críticos tanto na bacia quanto além dela. Primeiramente, essas florestas vulneráveis estão em alto risco de desmatamento", reforçou Chen, ao Correio.
O artigo alerta também que as partes mais produtivas da Amazônia correm maior risco. Mais importante ainda, por estarem predominantemente localizadas sob ventos que levam o ar amazônico úmido para o sul, cruciais para manter a evapotranspiração que alimenta (os "rios atmosféricos" que transportam água precipitável para sustentar o celeiro da América do Sul nas regiões agrícolas do Brasil.
A equipe usou informações de um satélite de sensoriamento remoto que informava a saúde da copa da floresta por meio da medição do verde e da atividade fotossintética —para acompanhar como as variações em fatores não climáticos, incluindo a profundidade do lençol freático, a fertilidade do solo e a altura geral da floresta, afetam a resiliência das plantas diante da seca.
"Também foram feitas medições em terra de árvores em parcelas para compreender a saúde das florestas e a resposta às secas. Os satélites registraram diferentes medidas de fotossíntese. Isso é útil porque quanto mais fotossíntese as florestas conseguem fazer durante a seca, mais recursos elas têm para lidar com o estresse causado pela condição", frisou Saleska ao Correio.
Marcello Brito, secretário-executivo do Consórcio da Amazônia Legal, reforça que a ciência já comprovou a importância da Amazônia nos ciclos de chuva da América do Sul e dos rios voadores também para o agronegócio brasileiro. "Temos pouco mais de 6% da agricultura brasileira irrigada profissionalmente, e menos de 10% em qualquer tipo de irrigação, o que nos faz extremamente dependente desses ciclos de chuva. Não é cabível que a expansão e abertura diária na Amazônia brasileira continue."
Segundo o especialista, esse processo precisa ser repensado à luz da lei. "Isso para desenvolver a região com menor impacto possível e a maior disponibilidade possível de florestas, inclusive de recuperação de áreas degradadas, que são mais de 60 milhões de hectares."
Mudanças
"Essa região do maior desmatamento da Amazônia também é uma área mais seca do que a região noroeste, que é mais úmida, por exemplo, onde chove mais tempo. É claro que com um evento climático das proporções que tivemos ano passado, com altas temperaturas da Terra, tivemos uma mudança nesse padrão de seca da Amazônia e acabou que essa área mais úmida ficou muito mais seca, o que teve impactos importantes para espalhamento do fogo. Tivemos mais incêndios florestais em 2023 e mais incêndios florestais nessa região norte da Amazônia que normalmente não queima muito."
Ane Alencar, coordenadora do MapBiomas Fogo e diretora de Ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM)