A malária é uma doença infecciosa causada por parasitas transmitidos pela picada de mosquitos Anopheles contaminados. A frequência é maior nos países tropicais e subtropicais. Apesar da busca pelo controle e erradicação, quase metade da população mundial vive em regiões de risco. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que a condição acometa quase 250 milhões de pessoas e mate mais de 600 mil todos os anos.
Da pré-história até os dias atuais, a malária faz parte do cotidiano das sociedades gerando uma série de efeitos, como mostra uma grande pesquisa coordenada pelo Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva, na Alemanha. Para compreender a doença, a equipe de cientistas de 80 instituições de 21 países reconstruiu dados antigos do DNA do Plasmodium de 36 indivíduos infectados, abrangendo os últimos 5.500 anos de história em cinco continentes.
Megan Michel, pesquisadora de doutorado no instituto e principal autora do trabalho, publicado na revista Nature, afirma que o legado da malária está escrito nos genomas humanos. "Pensa-se que variantes genéticas responsáveis por doenças sanguíneas devastadoras, como a doença falciforme, persistem nas populações humanas porque conferem resistência parcial à infecção pela malária", frisou, em comunicado. "Há apenas um século a distribuição do patógeno cobria metade da superfície terrestre do mundo, incluindo partes do norte dos Estados Unidos, sul do Canadá, Escandinávia e Sibéria", afirmou a cientista.
Américas
Cientistas discutem há anos se o P. vivax, uma malária adaptada para climas temperados, pode ter chegado através do Estreito de Bering, junto ao povoamento do continente ou viajado na sequência da colonização europeia.
Para entender a chegada dos parasitas até as Américas, os cientistas estudaram o DNA de um indivíduo infectado com a doença na Laguna de los Cóndores, região alta de floresta nos Andes peruanos. A análise revelou uma grande semelhança entre a cepa desse local e o antigo P. vivax europeu, sugerindo que os colonizadores a espalharam cerca de um século após o contato.
"Amplificadas pelos efeitos da guerra, da escravização e do deslocamento populacional, as doenças infecciosas, incluindo a malária, devastaram os povos indígenas das Américas durante o período colonial, com taxas de mortalidade que chegaram a 90% em alguns lugares", detalhou a coautora Evelyn Guevara, da Universidade de Helsinki, na Finlândia.
A equipe também verificou relações genéticas entre a cepa andina e as populações modernas de P. vivax peruanas, 400 a 500 anos depois. "Além de mostrar que ela se espalhou rapidamente para uma região que hoje é relativamente remota, nossos dados sugerem que o patógeno prosperou ali, estabelecendo um foco endêmico e dando origem a parasitas que infectam ainda hoje pessoas no Peru", frisou Eirini Skourtanioti, pesquisadora de pós-doutorado do instituto e coautora do ensaio.
Em 2022, foram registrados 481.788 casos de malária nas Américas, apenas o Paraguai, a Argentina, El Salvador e Belize foram classificados como países livres da infecção, pela Organização Mundial de Saúde (OMS) — cada um deles em distintos períodos: em 2018, 2019, 2021 e 2023, respectivamente.
Na Europa
Os pesquisadores descobriram atividades militares que participaram da propagação regional da doença do outro lado do Atlântico. O cemitério da catedral gótica de St. Rombout, na Bélgica, estava localizado ao lado do primeiro hospital militar permanente no início da Europa moderna. O antigo DNA humano e de patógenos mostrou casos locais de P. vivax entre a população enterrada antes da construção do hospital, enquanto os indivíduos enterrados após sua edificação foram acometidos de maneira mais severa pela P. falciparum.
Esses casos mais agressivos foram vistos em pessoas do sexo masculino, que não eram do local e vinham de diversas origens mediterrâneas, provavelmente soldados recrutados no norte da Itália, da Espanha e de outras regiões do Mediterrâneo.
"Descobrimos que os movimentos de tropas em grande escala desempenharam um papel importante na propagação da malária durante este período, semelhante aos casos da chamada malária aeroportuária na Europa temperada de hoje", ressaltou Alexander Herbig, líder do Grupo de Patogenética Computacional do instituto.
Infecção nas alturas
A equipe identificou inesperadamente o primeiro caso conhecido de malária por P. falciparum em Chokhopani, no Nepal. A 2.800 metros acima do nível do mar, o local fica muito fora do habitat do parasita da malária e do mosquito Anopheles.
"Nem o parasita, nem os mosquitos capazes de transmitir a malária conseguem sobreviver nesta altitude. Para nós, isto levantou uma questão fundamental: como o indivíduo Chokhopani adquiriu a infecção por malária que pode ter levado à sua morte?", questiona Christina Warinner, professora associada na Universidade de Harvard e líder do grupo.
A análise revelou que o indivíduo infectado era um homem local com adaptações genéticas para a vida em grandes altitudes. No entanto, evidências arqueológicas e outros locais próximos sugerem que essas populações do Himalaia estavam ativamente envolvidas no comércio de longa distância.
"Essas regiões são remotas e inacessíveis, mas, na verdade, o vale do rio Kali Gandaki serviu como uma espécie de autoestrada trans-Himalaia que liga as pessoas do planalto tibetano ao subcontinente indiano", afirma o coautor Mark Aldenderfer, professor emérito da Universidade da Califórnia.
Parasitas resistente
O avanço no controle da doença e as campanhas de saúde pública fizeram cair o número de mortes, que chegou ao nível mais baixo na década de 2010.
Todavia, o surgimento de parasitas resistentes aos medicamentos e de vetores que não morrem mesmo com o uso de inseticidas, o progresso contra a condição pode ser perdido ao passo que as mudanças climáticas tornam outras regiões vulneráveis à malária.
"Pela primeira vez, somos capazes de explorar a antiga diversidade de parasitas de regiões como a Europa, onde a malária está agora erradicada", reforçou o autor sênior Johannes Krause, diretor de Arqueogenética do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva.