Após 53 dias de missão, a sonda chinesa Chang'e-6 voltou à Terra com as primeiras amostras já obtidas do lado oculto da Lua. A conquista pioneira busca compreender a história do satélite e desvendar mistérios da face desconhecida. A viagem foi marcada por uma complexidade técnica, especialmente com relação à comunicação. Esse foi um dos projetos mais ambiciosos do país no empenho em conquistar o espaço.
"Às 14h07, 3h07 no horário de Brasília, o módulo de retorno Chang'e-6 pousou "em uma área do deserto na região da Mongólia Interior, norte de China, e "tudo funciona de maneira normal", anunciou a agência espacial chinesa CNSA, em um comunicado. "Isso marca o sucesso completo da missão e é, sobretudo, o primeiro retorno à Terra de amostras do lado oculto da Lua", comemorou.
A cápsula levou 21 dias para voltar do espaço e desceu do céu pendurada em um paraquedas vermelho e branco — cores nacionais da China. Ao pousar, foi hasteada a bandeira nacional chinesa ao seu lado, conforme imagens divulgadas pela televisão estatal chinesa, CCTV.
Salvador Nogueira, divulgador científico e autor de uma série de livros sobre astronomia,
frisa que essa é uma grande realização, não apenas por se tratar de um feito inédito, mas pela complexidade.
“Houve a necessidade de um satélite retransmissor para manter comunicação com a espaçonave no lado afastado da Lua. A arquitetura usada para a missão, com acoplagem em órbita lunar, é mais complexa que o requerido e serve como uma versão em miniatura do que será preciso para levar astronautas ao satélite, o que a China pretende fazer antes de 2030.”
Pouco conhecida
A face oculta da Lua é uma região quase inexplorada e é conhecida dessa forma porque não é possível vê-la da Terra. A área tem grande potencial para a ciência porque suas crateras estão menos cobertas pelos antigos fluxos de lava do lado visível.
A terra e as rochas coletadas pela Chang'e-6 são muito promissoras para a pesquisa. A sonda foi lançada em 3 de maio da base de Wenchang, na província de Hainan, sul da China. Depois de quase um mês, o módulo pousou na bacia do Polo Sul-Aitken, uma das maiores crateras de impacto conhecidas no sistema solar, localizada no lado oculto da Lua.
Em 4 de junho, a sonda decolou com o material recolhido rumo à Terra. Para coletar as amostras, a Chang'e-6 usou dois métodos: uma broca para extrair o que estava abaixo da superfície e um braço robótico para pegar pedra e terra disponíveis na superfície. Ela também fez fotografias da superfície lunar e fincou uma bandeira da China no lado não visível do satélite.
Naelton Araújo, astrônomo da Fundação Planetário do Rio de Janeiro, reforça que conseguir trazer materiais da área oculta da Lua é uma grande façanha, pois tudo teve que ser feito de forma automática ou indireta.
“Não temos linha de vista direta do local do pouso e, consequentemente, da decolagem. Os engenheiros precisaram usar outro veículo na órbita para retransmitir dados e comandos. Do ponto de vista científico é um passo novo em um terreno que só era conhecido de longe, por fotos e sensores remotos. A análise em laboratório deve completar nosso conhecimento sobre a geologia lunar.”
Baseados nas características geológicas do local de alunissagem da sonda, cientistas do Instituto de Geologia e Geofísica da Academia Chinesa de Ciências, avaliam que o material trazido para a Terra consiste em rocha vulcânica com 2,5 milhões de anos combinada com pequenas quantidades de material gerado por quedas de meteoritos próximos.
De acordo com a revista The Innovation, há possibilidade de que sejam encontradas evidências de impactos distantes nas amostras.
“Existem diferenças significativas entre o lado oculto e o o visível da Lua em termos de espessura da crosta lunar, atividade vulcânica, composição, entre outras questões, especialmente considerando que o CE-6 pousou na bacia do Polo Sul-Aitkin, o terreno especial da Lua”, afirmou o primeiro autor Zongyu Yue, geólogo da Academia Chinesa de Ciências. “As amostras CE-6, sendo as primeiras obtidas do lado oculto da Lua, deverão responder a uma das questões científicas mais fundamentais na investigação científica lunar: que atividade geológica é responsável pelas diferenças entre os dois lados?.”
Corrida espacial
Nos últimos 30 anos, a China aprimorou de forma considerável seus programas espaciais. O país investiu bilhões de dólares no setor para alcançar Estados Unidos, Rússia e Europa, grandes potências no ramo.
Enquanto isso, os Estados Unidos acirram a rivalidade aberta com a China nos programas lunares. Os norte-americanos visam levar astronautas à Lua até 2026, com a missão Ártemis 3.
Conforme Helio J. Rocha-Pinto, presidente da Sociedade Astronômica Brasileira, os Estados Unidos podem reproduzir esse feito, mas a nação está “ao menos um lustre de anos atrás em tecnologia”. De acordo com o especialista, o financiamento governamental para missões espaciais foi muito reduzido no país, contudo há um programa que busca explorar o Polo Sul da Lua, mesma região visada pela China.
“Esse interesse pelo Polo Sul se deve à descoberta de que algumas crateras fundas dessa região são como depósitos de gelo, recurso fundamental para sustentar uma colônia lunar futura. Além dos EUA, a Rússia também seria capaz de reproduzir o feito, em alguns anos, se conseguir se desvencilhar da guerra”, ressaltou Rocha-Pinto.
A nação asiática chegou a alunissar um dispositivo no lado oculto, em 2019, o que na época foi algo inédito, no entanto, não coletou nenhum tipo de material. Em 2020, o programa espacial chinês trouxe amostras da região visível e completou o seu sistema de navegação por meio do satélite Beidou. Em 2021, Pequim também enviou um pequeno robô a Marte.
O governo do presidente Xi Jinping não tem medido esforços para conquistar o espaço. A China espera, agora, mandar a primeira missão tripulada à Lua até 2030 e pretende construir uma base no satélite natural.
Investimento galáctico
"Considerando que a conquista da Lua ocorreu em 1969 e apenas agora um feito como esse foi possível, podemos ter uma ideia da dificuldade envolvida. Missões robotizadas precisam prever processos e ações que terão de ser realizados de modo remoto, o que exige muito mais planejamento do que missões tripuladas. O lado da Lua que já conhecemos tem rochas mais jovens. O lado oculto, ao contrário, corresponde a um relevo mais antigo e craterizado. Esperamos que haja rochas mais interessantes lá e que elas contenham detalhes sobre a formação do Sistema Solar. O feito da China deve ser celebrado e mostra o bom uso de financiamento público para pesquisas. Ao contrário do Brasil, onde os recursos voltados para ciência e pesquisa são pequenos e sofrem com as oscilações da política, na China há uma noção clara de que ciência e pesquisa é investimento de longo prazo, que dá retorno de diversas formas."
Helio J. Rocha-Pinto, presidente da Sociedade Astronômica Brasileira
Investimento galáctico
"Considerando que a conquista da Lua ocorreu em 1969 e apenas agora um feito como esse foi possível, podemos ter uma ideia da dificuldade envolvida. Missões robotizadas precisam prever processos e ações que terão de ser realizados de modo remoto, o que exige muito mais planejamento do que missões tripuladas. O lado da Lua que já conhecemos tem rochas mais jovens. O lado oculto, ao contrário, corresponde a um relevo mais antigo e craterizado. Esperamos que haja rochas mais interessantes lá e que elas contenham detalhes sobre a formação do Sistema Solar. O feito da China deve ser celebrado e mostra o bom uso de financiamento público para pesquisas. Ao contrário do Brasil, onde os recursos voltados para ciência e pesquisa são pequenos e sofrem com as oscilações da política, na China há uma noção clara de que ciência e pesquisa é investimento de longo prazo, que dá retorno de diversas formas."
Helio J. Rocha-Pinto, presidente da Sociedade Astronômica Brasileira
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