Mudanças climáticas

2023, o ano dos extremos na América Latina e no Caribe

Relatório da OMM mostra que a região sofreu com eventos como secas e inundações. O El Niño colaborou, mas as mudanças climáticas induzidas pelo homem agravaram o cenário, que deve continuar

Mudanças climáticas de longo prazo associadas aos fenômenos La Niña e El Niño provocaram fenômenos extremos na América Latina e no Caribe em 2023, o ano mais quente já registrado, afirma um relatório da Organização Meteorológica Mundial (OMM). O documento destaca, entre outros eventos, inundações em cidades brasileiras em fevereiro: somente em São Sebastião (SP), 683mm de chuva acumularam-se em 15 horas, provocando um deslizamento de terra que causou pelo menos 65 mortes, lembrou o organismo das Nações Unidas. 

Outro relatório divulgado nesta quarta-feira (8/5), do Serviço Meteorológico Copernicus, da União Europeia, indica que o cenário não será tão diferente em 2024: apesar de o El Niño começar a enfraquecer, o mês passado foi o 11º mais quente consecutivo, com temperaturas acima de 1,5ºC em relação ao século 19. Tufões, secas e inundações seguem causando tragédias, como no Rio Grande do Sul, onde o número de mortes já ultrapassou 100. Em junho do ano passado, um ciclone devastou mais de 40 cidades do estado e, em setembro, enchentes fizeram 50 vítimas, especialmente no Vale do Taquari. 

"Infelizmente, 2023 foi um ano de riscos climáticos recordes na América Latina e no Caribe", disse a secretária-geral da OMM, a meteorologista argentina Celeste Saulo. "As condições do El Niño durante o segundo semestre de 2023 contribuíram para um ano de calor recorde e exacerbaram muitos eventos extremos. Isso, combinado com alterações climáticas induzidas pelo homem, tornaram os extremos mais frequentes e graves."

Mar

O relatório Estado do Clima na América Latina e no Caribe confirma que o nível do mar continuou a subir em relação à média global na maioria da porção atlântica da região, ameaçando as zonas costeiras e os pequenos Estados insulares em desenvolvimento. Saulo citou o Brasil para destacar outro fenômeno extremo em 2023: as longas temporadas de estiagem. "A seca intensa reduziu o Rio Negro, em Manaus, na Amazônia brasileira, ao seu nível mais baixo em mais de 120 anos de observações, e interrompeu gravemente a navegação através do Canal do Panamá", disse. 

Para Gabriela Savian, diretora adjunta de Políticas Públicas do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), as catástrofes ambientais devem se intensificar. "Infelizmente, eventos extremos como esses (enchentes do Rio Grande do Sul) serão cada vez mais recorrentes e exigem medidas urgentes de combate ao aquecimento global", afirma Savian, que participou de uma audiência da Frente Parlamentar Mista Ambientalista, na Câmara dos Deputados. "O desmatamento deve ser controlado e a ciência deve ser levada em consideração para a tomada de decisão nos planos de ação emergenciais."

A pesquisadora ressalta que o Rio Grande do Sul tem, hoje, 255 mil hectares que deveriam estar preservados em áreas de reserva legal, mas que estão desprotegidos. Os dados são do Termômetro do Código Federal, do Ipam. 

Segurança

O relatório destaca a necessidade de mais investimento nos Serviços Meteorológicos e Hidrológicos Nacionais para reforçar as previsões e os alertas precoces que podem salvar vidas. O documento reconhece avanços na integração de dados sobre o clima e a vigilância em saúde, mas diz que "ainda há muito espaço para melhorias, tendo em conta os crescentes riscos para a saúde relacionados com o clima". Entre eles, cita ondas de calor, poluição do ar, insegurança alimentar e doenças transmitidas por mosquitos, como a dengue, de acordo com um capítulo especial do trabalho. 

Segundo o documento, as catástrofes e alterações climáticas afetaram a segurança alimentar de mais de 13,8 milhões na região. Além disso, a exposição às ondas do calor pode ser associada a aumento de 140% na mortalidade entre 2000-2009 e 2013-2022. O relatório afirma que, entre 2000 e 2019, ocorreram cerca de 36.695 mortes anuais devido à alta temperatura, uma estimativa que, segundo a OMM, pode estar subestimada. 

A poluição atmosférica, muitas vezes agravada pelas alterações climáticas, também é um problema grave, menciona o relatório. Na região, mais de 150 milhões de pessoas vivem em áreas que excedem as diretrizes de qualidade do ar da Organização Mundial da Saúde (OMS). A esses riscos se adicionam a fumaça de incêndios florestais, associadas a doenças cardiovasculares e respiratórias.  

 

Doze meses de temperaturas recorde

Outro alerta climático vem do observatório europeu Copernicus. Mesmo com o enfraquecimento do fenômeno natural El Niño, as temperaturas da atmosfera e do mar continuam mais altas do que a média para essa época do ano. São 11 meses de quebra de recordes, com abril registrando 1,58ºC acima dos níveis pré-industriais. "Cada grau adicional de aquecimento climático é acompanhado por eventos climáticos extremos, tanto mais intensos quanto mais prováveis", disse, em entrevista à agência France Presse, Julien Nicolas, climatologista do Serviço de Mudanças Climáticas do Copernicus (C3S). 

Nos últimos 12 meses, a temperatura global tem sido 1,61°C mais alta do que na Era Pré-Industrial, ultrapassando o limite de 1,5°C estabelecido pelo Acordo de Paris. No entanto, essa anomalia precisa ser observada em média por várias décadas para considerar que o clima atingiu esse limite crítico.

Segundo o C3S, o El Niño continuou enfraquecendo em abril, caminhando para condições neutras. "O El Niño atingiu seu pico no início do ano", observa Julien Nicolas, o que pode explicar uma diminuição em certos valores: em abril, a anomalia da temperatura do ar é menos pronunciada do que em março, em comparação com a Era Pré-Industrial, e a da superfície do oceano é menos quente do que em março. "Os modelos de projeção indicam uma possível transição para a La Niña na segunda metade do ano, mas as condições ainda são bastante incertas", alerta o climatologista. 

 

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