Ganhadora do prêmio Nobel de química há quatro anos, a técnica de edição genética Crispr melhorou a visão de 11 dos 14 participantes de um estudo para tratamento de distúrbios hereditários da retina. Em um artigo publicado na revista The New England Journal of Medicine, cientistas do Mass. General Brigham, nos Estados Unidos, relataram que o ensaio clínico de fase 1 e 2 demonstrou segurança.
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"Embora sejam necessárias mais pesquisas para determinar quem pode se beneficiar mais, consideramos os primeiros resultados promissores", disse, em nota, o pesquisador principal, Eric Pierce, diretor do Instituto de Genômica Ocular da Universidade de Harvard. "A pesquisa demonstra que a terapia genética Crispr para perda de visão hereditária vale a pena ser continuada em mais estudos e ensaios clínicos", acredita.
Todos os 14 participantes, incluindo 12 adultos e duas crianças, nasceram com uma forma de amaurose congênita de Leber (ACL) causada por mutações no gene da CEP290. Os pacientes foram submetidos a uma única injeção de um medicamento de edição de genoma em um olho, por meio de um procedimento cirúrgico especializado.
Segurança
O ensaio, que incluiu o primeiro paciente a receber um medicamento experimental baseado em Crispr diretamente no corpo, tinha como objetivo checar a segurança. Uma análise secundária da eficácia também foi realizada. "Ouvir de vários participantes o quanto ficaram entusiasmados por, finalmente, poderem ver a comida nos seus pratos é algo muito importante", relata Pierce. "Eram pessoas que não conseguiam ler nenhuma linha num gráfico oftalmológico e que não tinham opções de tratamento, o que é a triste realidade para a maioria das pessoas com doenças hereditárias da retina."
Nenhum tratamento grave ou eventos adversos relacionados ao procedimento foram relatados, nem houve toxicidade da dose. Para eficácia, os pesquisadores analisaram quatro medidas: melhor acuidade visual corrigida, teste de estímulo de campo completo adaptado ao escuro, navegação de função visual e qualidade de vida relacionada à visão.
Mutações no gene CEP290 são a principal causa de cegueira hereditária que ocorre durante a primeira década de vida. As alterações fazem com que as células foto-receptoras de bastonetes e cones na retina do olho funcionem de forma inadequada, o que, depois de algum tempo, levará à perda irreversível da visão.
Três perguntas para // Ramon Barreto, oftalmologista especialista em retina, do Visão Hospital de Olhos
Como é tratada, hoje, a degeneração da retina de origem genética?
Atualmente, as distrofias retinianas de origem genética têm tratamento bastante limitado. Mas existem diversos estudos, seja com terapia genética, seja com células-tronco sendo estudadas.
O que se faz atualmente, na grande maioria dessas doenças, é o acompanhamento, aconselhamento genético e tratamento de algumas complicações que essas possam acarretar.
Quais doenças oftalmológicas têm potencial de se beneficiar da edição de genes?
Atualmente, existem diversos estudos buscando o tratamento dessas distrofias, visando a correção das deficiências que determinadas mutações genéticas causam no organismo.
Na oftalmologia, já se encontra disponível o tratamento para uma distrofia chamada amaurose congênita de Leber. Essa doença, que leva à cegueira desde a primeira infância, pode se manifestar com alguns tipos de mutação, mas quem tem mutação nas duas cópias do gene RPE65, pode se beneficiar com um tratamento que já é realizado no Brasil, chamado Luxturna (Voretigeno Neparvoveque). Existem estudos de tratamento também com outras mutações, como a CEP290. Como são relativamente recentes, não se sabe ainda os efeitos a longo prazo dessa forma de tratamento.
Quanto à segurança da técnica de Crispr para doenças oftalmológicas, o que mais é preciso saber antes de se avançar para estudos maiores?
Os estudos demonstrados até aqui com o Luxturna indicam que é um tratamento seguro, mas que os riscos existem, principalmente por exigir um procedimento cirúrgico intraocular, sub-retiniano, para a administração desse medicamento. Mas os benefícios superam os potenciais riscos nesses pacientes com amaurose congênita de Leber. Para o estudo de novas formas de tratamento, é sempre importante seguir os protocolos éticos, técnicos e científicos. Por isso que existem estudos de fase 1, 2 e 3 antes de se disponibilizar o tratamento para o público-alvo geral. Atualmente, há estudos para retinose pigmentar, doença de Stargardt, doença de Best e para várias outras distrofias. O futuro é promissor. (Paloma Oliveto)
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