Inspirada na tecnologia das vacinas para covid-19, uma das terapias mais promissoras para o câncer começa a ser testada no Reino Unido, em um ensaio de fase III, o último antes da submissão às agências regulatórias. A Fundação Hospitals NHS Trust da University College London (UCLH) anunciou o início da pesquisa, voltada a pacientes com melanoma, mas o tratamento tem potencial para outros tumores, como pulmão, bexiga e rins.
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O estudo é global e será conduzido em vários países, incluindo o Brasil. Por enquanto, os testes da vacina das companhias Moderna e MSD, chamada mRNA-4157, estão sendo realizados nos Estados Unidos, na Austrália e no Reino Unido. O objetivo é avaliar se a combinação da terapia com o anticorpo monoclonal pembrolizumabe é superior ao tratamento padrão, que inclui apenas o segundo. Os resultados de fase II foram apresentados no congresso da Sociedade Norte-Americana de Oncologia Clínica, no ano passado, e publicados em janeiro na revista The Lancet, e foram recebidos com entusiasmo pela comunidade científica.
O melanoma é raro e corresponde a 1% dos casos de câncer de pele, com 325 mil pessoas afetadas, anualmente, no mundo. Porém, é a principal causa de morte por esse tipo de tumor. No Brasil, o Instituto Nacional do Câncer (Inca) estima 8,4 mil novos diagnósticos por ano, mas a ferramenta de rastreamento Cancer Tomorrow, da Organização Mundial da Saúde (OMS), prevê um aumento de 80% na incidência em 2040.
Nova fase
As vacinas de mRNA para tratamento de câncer são consideradas a nova fase da terapia gênica, com potencial de cura, dependendo do tipo de tumor. Diferentemente dos imunizantes que ensinam o sistema imunológico a reconhecer vírus e bactérias para evitar uma infecção, elas usam proteínas de identificação produzidas pelas células cancerígenas, chamadas antígenos, para provocar uma resposta de defesa robusta nos tumores existentes. As substâncias são feitas com material genético do próprio paciente.
No estudo de fase 2 da mRNA-4157, pacientes com melanoma ressecado de estágio IIIB a IV que receberam a combinação da vacina e do pembrolizumabe tiveram quase 50% de redução de risco de recorrência do câncer ou morte, em três anos, comparado com aqueles que fizeram uso apenas do anticorpo monoclonal. Enquanto a primeira ataca as células doentes, o segundo bloqueia uma espécie de freio do sistema imunológico, possibilitando à defesa do organismo reconhecer e lutar contra a doença.
"A ideia por trás desta imunoterapia é que, ao estimular o corpo a produzir essas proteínas", explicou, em um comunicado de imprensa, a oncologista Heather Shaw, que coordena, no Reino Unido, o novo ensaio. "O tratamento pode preparar o sistema imunológico para identificar e atacar rapidamente quaisquer células cancerígenas que as contenham, com o objetivo de prevenir a recorrência do melanoma."
Promissora
As expectativas para o ensaio clínico final são altas. "Este é um dos desenvolvimentos mais emocionantes na terapia moderna do câncer", considera Lawrence Young, professor de oncologia molecular da Universidade de Warwick, no Reino Unido, que não participou do estudo. "A combinação de uma vacina personalizada contra o câncer para aumentar uma resposta imunológica específica ao tumor do paciente, juntamente com a utilização de um anticorpo para libertar o freio da resposta imunológico, já se mostrou muito promissora", observa Young.
Para o oncologista, a esperança é que a terapia mostre efeito semelhante em outros tipos de câncer. "O interesse nas vacinas contra o câncer foi reaceso nos últimos anos por uma compreensão mais profunda de como o corpo controla as respostas imunológicas e pelo advento das vacinas de mRNA, o que torna muito mais simples o desenvolvimento de uma vacina baseada no perfil imunológico do tumor do próprio paciente. A esperança é que a abordagem possa ser estendida a outros cânceres como os do pulmão e do cólon."
Em nota, um dos primeiros pacientes a se inscrever no estudo do Reino Unido mostrou-se otimista. O músico Steve Young, 52 anos, foi diagnosticado com um melanoma em estágio II que foi removido. "Sinto-me sortudo por fazer parte deste ensaio clínico. É claro que não me senti tão sortudo quando fui diagnosticado com câncer de pele; na verdade, foi um grande choque, mas agora que fiz o tratamento, estou ansioso para garantir que a doença não volte. Essa é minha melhor chance."
Fotoexposição
Assim como o tipo mais comum de câncer de pele, o melanoma tem como fator de risco a exposição prolongada à radiação, sem uso de protetor. "Essa fotoexposição, ao longo dos anos, pode gerar lesões novas ou modificar aquelas que já existiam previamente na pele de qualquer pessoa", explica Paola Pomerantzeff, membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) e da Sociedade Brasileira de Cirurgia Dermatológica (SBCD). "O fotoprotetor deve ser usado diariamente independentemente da estação do ano e se está num dia nublado, chuvoso ou encoberto; as nuvens absorvem por volta de 10% da radiação ultravioleta, ou seja, apesar do dia não estar ensolarado, ele tem praticamente a mesma intensidade de radiação ultravioleta que um dia megaensolarado", alerta.