O caso de um norte-americano infectado com a cepa H5N1 da gripe aviária levanta "enorme preocupação" da Organização Mundial da Saúde (OMS), quatro anos depois do início da pandemia de covid-19, também de origem animal. Em uma entrevista coletiva em Genebra, Jeremy Farrar, diretor científico da agência das Nações Unidas, destacou a crescente propagação desse subtipo do vírus para espécies mamíferas, incluindo o homem.
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Recentemente, a cepa H5N1 foi detectad em animais como raposas, pumas, gambás e ursos pretos, na América do Norte. Também infectou, pela primeira vez, mamíferos da região subantártica, matando centenas de leões-marinhos, o que colocou em alerta a Sociedade de Conservação da Vida Selvagem. Agora, em abril, os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDCs) dos Estados Unidos informaram que um paciente testou positivo para a versão altamente patogênica da H5N1. A provável fonte de contágio foi uma criação de gado leiteiro no Texas.
Infecções em pessoas ainda são extremamente raras: entre o início de 2003 e 1º de abril de 2024, a OMS registrou 889 casos em seres humanos em 23 países — nunca houve no Brasil. O microbiólogo Jansen de Araújo, coordenador de pesquisas do Laboratório de Vírus Emergentes da Universidade de São Paulo (USP), esclarece que jamais foi observada uma adaptação eficiente na transmissão entre humanos.
Letalidade
Porém, Araújo explica que o grupo de vírus da influenza A, do qual a H5N1 faz parte, são altamente adaptáveis.
"Seu código genético relativamente simples não apenas muda aleatoriamente por meio de mutação, da mesma forma que ocorre nos organismos vivos", diz. "Ele também muda por meio de rearranjo, que acontece quando vírus intimamente relacionados infectam a mesma célula hospedeira e trocam material genético para produzir genomas novos." Esses novos microrganismos, esclarece, podem levar a uma maior adaptação, sobrevivência e replicação dentro do hospedeiro.
Segundo Jeremy Farrar, da OMS, a principal inquietação da agência é a taxa de mortalidade "extraordinariamente elevada" entre pessoas infectadas: 52% (dos 889 casos registrados até hoje, 463 resultaram em óbito). "A H5N1 virou uma pandemia zoonótica animal global", disse ontem, na coletiva de imprensa.
Farrar destaca que o vírus, por já contaminar mamíferos, "está se adaptando para a transmissão entre humanos". "A grande preocupação é que, ao infectar patos e galinhas, e cada vez mais mamíferos, esse vírus evolua e depois desenvolva a capacidade de passar de humano para humano. Quando chega à população de mamíferos, está se aproximando dos humanos, é realmente preocupante", reitera.
O diretor da divisão científica da ONU pediu o reforço da vigilância e dos registros. Ele ressaltou a importância de saber quantas infecções acontecem entre humanos, pois é nessa janela que pode acontecer uma adaptação. "É uma coisa trágica de se dizer, mas se eu for infectado com H5N1 e morrer, esse é o fim do caso. Se eu circular pela comunidade e infectar outra pessoa, então começa o ciclo", destacou. Farrar também afirmou que há esforços para desenvolver vacinas e tratamentos contra o vírus.
Vírus em adaptação
O vírus da gripe aviária circula de forma silenciosa entre as aves aquáticas, principalmente patos e gaivotas, e são considerados de baixa patogenicidade. Apenas os subtipos H5 e H7, quando introduzidos entre animais de criação, podem se converter em versões muito mais agressivas, alastrando-se em cadeia e causando alta letalidade. Essas mudanças são produzidas por pequenos erros na replicação viral — as mutações. Ou, então, devido a trocas de segmentos genéticos com outros microrganismos da gripe aviária, quando, por exemplo, dois diferentes subtipos infectam um indivíduo simultaneamente. Isso se deve ao fato de que os genes desses vírus consistem em dois segmentos intercambiados com facilidade, quando entram em uma mesma célula.
"No cenário histórico, era extremamente raro o vírus infectar uma pessoa, já que o microrganismo é adaptado ao crescimento nas células do trato respiratório ou digestivo das aves e, em princípio, carecem da capacidade de adesão e entrada nos tecidos humanos", afirma Ursula Hofle, professora do Grupo SaBio do Instituto de Investigação em Recursos Cinegéticos, na Espanha. Porém, com o aparecimento de um novo genótipo de vírus H5N1 em Guangdong, na China, em 1997, houve uma mudança fundamental: esse subtipo específico tornou-se letal também para muitas espécies de aves silvestres. Além disso, infectava seres humanos que viviam perto de suas criações. Os primeiros casos do tipo aconteceram em Hong Kong, em 2023. "O vírus H5N1 que circula globalmente e está causando uma epidemia sem precedentes entre as aves silvestres e domésticas contém fragmentos desse ancestral H5N1. Porém, também carrega pedaços de muitos outros subtipos, além de inúmeras mutações", esclarece Holfe.
Tensão crescente
"No último ano, observamos um aumento significativo nos casos de disseminação do vírus H5N1, que geralmente infecta gravemente as aves, para os mamíferos. Foram registradas infecções de leões-marinhos no Peru, visons na Espanha, raposas no Reino Unido... e agora o vírus está se propagando entre várias espécies de mamíferos, incluindo o gado. A situação tem gerado tensão entre os pesquisadores e também na Organização Mundial da Saúde. Como o vírus está se adaptando tão bem em outros mamíferos, há o temor de que ele possa sofrer mutações que afetem a nossa própria espécie, já que também fazemos parte do grupo dos mamíferos e somos biologicamente similares. Atualmente, é incomum a transmissão do H5N1 de humano para humano, como acontecia com o coronavírus na pandemia que vivenciamos nos últimos anos. Por enquanto, ele costuma ser transmitido de outros animais para humanos. A maior preocupação é justamente sobre a possibilidade de o vírus adquirir essa capacidade de passar de pessoa para pessoa. Outro grande motivo de preocupação é que a taxa de mortalidade associada a essa doença em humanos é alarmante, pois é de mais de 50%."
Biólogo Paulo Jubilut, mestre em ciência e tecnologia ambiental e professor na plataforma Aprova Total
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