Quanto mais o cérebro é estimulado no trabalho, menor a probabilidade de problemas de memória, é o que aponta um estudo detalhado na revista Neurology. Embora a pesquisa, publicada ontem, não demonstre uma relação direta de causa e efeito entre uma atividade estimulante e a prevenção do comprometimento cognitivo leve, destaca a associação entre eles.
"Examinamos as demandas de vários empregos e descobrimos que a estimulação cognitiva ao longo da vida está associada a um menor risco de comprometimento cognitivo leve após os 70 anos", afirmou a autora principal do trabalho, Trine Holt Edwin, cientista do Hospital Universitário de Oslo, na Noruega. Para Edwin, isso enfatiza a importância de pesquisas que exigem uma avaliação complexa para preservar a memória e o pensamento na velhice.
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Para o ensaio, os cientistas analisaram 7 mil pessoas e 305 profissões na Noruega, medindo o grau de estimulação cognitiva durante o trabalho. As tarefas foram categorizadas em manuais rotineiros, cognitivas habituais, analíticas e interpessoais não rotineiras.
Após completarem 70 anos, os voluntários realizaram testes de memória e pensamento para avaliar se apresentavam comprometimento cognitivo leve. Daqueles com as exigências cognitivas mais baixas, 42% foram diagnosticados com a condição. Entre os participantes que esforçavam mais o cérebro essa taxa foi de 27%.
Análise
Otavio Castello, geriatra e professor de psiquiatria na Universidade de Brasília (UnB), frisa a existência da teoria da reserva cognitiva, "significa dizer que quanto mais uma pessoa estimulou o cérebro, maior é a reserva que ela tem de funcionamento cerebral". Segundo ele, um paciente com essa característica pode demorar mais a desenvolver um quadro demencial.
O médico sublinha que é preciso focar no bem-estar integral. "Não adianta a pessoa não cuidar da saúde, não tratar a pressão alta, diabetes, colesterol, depressão e ficar fazendo palavra cruzada achando que vai estar livre dos problemas cognitivos", ressaltou.
Para Castello, os resultados do ensaio vão de encontro com a teoria. "Encontraram essa associação muito interessante. Quanto maior a cognição relacionada ao trabalho, menor a chance dessa pessoa desenvolver a doença."
Conforme o artigo, mesmo após ajustes para idade, sexo, escolaridade, renda e estilo de vida, o grupo com menores demandas cognitivas no trabalho mostrou um risco significativamente maior de comprometimento cognitivo leve em comparação com os outros voluntários.
Apesar da associação encontrada no trabalho, Edwin pontua a necessidade de mais pesquisas para identificar tarefas que são mais benéficas para manter as habilidades de pensamento e memória. Uma limitação apontada pelos autores — variação das demandas cognitivas mesmo em cargos idênticos.
Vanessa Gil, neurologista e professora da Unigranrio, no Rio de Janeiro, destaca que o cérebro pode tentar reverter a perda cognitiva. "Isso por meio de processos como neuroplasticidade, reserva cognitiva e recrutamento neuronal. Ele pode se adaptar, compensar danos e reorganizar suas conexões para manter as funções cognitivas. A reabilitação cognitiva também pode ajudar a restaurar habilidades comprometidas."
Leandro Gama Cerqueira, neurologista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo, pondera que não necessariamente um paciente com maior reserva cognitiva tem risco menor de apresentar demência. "O conhecimento não vai diminuir a incidência, mas o paciente com uma reserva cognitiva maior vai sentir menos os efeitos clínicos da doença. Talvez demore mais a perceber o quadro. Ele terá mais substrato para estratégias que compensam o declínio cognitivo que surge gradualmente."
Múltiplas alternativas
"Essas estratégias não são exclusivas do ambiente de trabalho e vão desde a capacidade de realizar exercícios físicos diários, controle do estresse e ansiedade, regulação do sono e da alimentação até a capacidade de desfrutar de tempo de qualidade com parentes e amigos. Essas táticas também podem ser praticadas por estimulação cognitiva ativa, como aprender uma língua estrangeira nova, ou jogar xadrez diariamente. Isso pode ter um efeito cascata que aumenta a eficiência no trabalho, permite alcançar postos mais complexos e, por tabela, eleva a reserva cognitiva. Contanto que haja um equilíbrio da quantidade e qualidade do trabalho é muito provável que ele desempenhe um fator relevante na construção da reserva cognitiva."
Vitor Caldas, neurologista e doutor em ciências do Hospital Sírio Libanês e do Instituto Ranvier, em Brasília.
Memória desvendada
Cientistas do Centro Cedars-Sinai, nos Estados Unidos, desvendaram como as células cerebrais encarregadas da memória de trabalho — necessária para reter dados importantes, como um número de telefone — coordenam o foco intencional e o armazenamento de informações a curto prazo. O estudo, que detalha as descobertas, foi publicado, ontem, na revista científica Nature.
"Pela primeira vez, identificamos um grupo de neurônios, influenciados por dois tipos de ondas cerebrais, que coordenam o controle cognitivo e o armazenamento de informações sensoriais na memória de trabalho. Esses neurônios são cruciais para o armazenamento de memórias de curto prazo, embora não contenham nem armazenem informações", detalhou, em nota, Jonathan Daume, pesquisador de pós-doutorado do Cedars-Sinai e primeiro autor do estudo.
A memória de trabalho, que guarda informações por apenas alguns segundos, é delicada e requer concentração contínua para sua manutenção. Para investigar seu funcionamento, a equipe registrou a atividade cerebral de 36 pacientes hospitalizados que tinham eletrodos implantados em seus cérebros como parte de um procedimento para diagnosticar epilepsia. Durante uma tarefa que exigia o uso da habilidade investigada, os pesquisadores observaram a atividade de células cerebrais individuais e ondas cerebrais.
Os resultados mostraram que, quando os pacientes fizeram a tarefa de memória com rapidez e precisão, dois grupos de neurônios eram ativados: os de 'categoria', que respondem a estímulos específicos, e os de 'acoplamento de fase-amplitude' (PAC). Estes últimos, recém-identificados pelo trabalho, desempenham um papel crucial no foco e armazenamento das informações.
Esses neurônios de acoplamento se coordenam com os outros chamados de "categoria" e disparam em sincronia com as ondas cerebrais associadas ao foco e processamento de informações, contribuindo para melhorar a capacidade dos pacientes de recordar dados armazenados na memória de trabalho.
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Múltiplas alternativas
"Essas estratégias não são exclusivas do ambiente de trabalho e vão desde a capacidade de realizar exercícios físicos diários, controle do estresse e ansiedade, regulação do sono e da alimentação até a capacidade de desfrutar de tempo de qualidade com parentes e amigos. Essas táticas também podem ser praticadas por estimulação cognitiva ativa, como aprender uma língua estrangeira nova, ou jogar xadrez diariamente. Isso pode ter um efeito cascata que aumenta a eficiência no trabalho, permite alcançar postos mais complexos e, por tabela, eleva a reserva cognitiva. Contanto que haja um equilíbrio da quantidade e qualidade do trabalho é muito provável que ele desempenhe um fator relevante na construção da reserva cognitiva."
Vitor Caldas, neurologista e doutor em ciências do Hospital Sírio Libanês e do Instituto Ranvier, em Brasília.
Memória desvendada
Cientistas do Centro Cedars-Sinai, nos Estados Unidos, desvendaram como as células cerebrais encarregadas da memória de trabalho — necessária para reter dados importantes, como um número de telefone — coordenam o foco intencional e o armazenamento de informações a curto prazo. O estudo, que detalha as descobertas, foi publicado, ontem, na revista científica Nature.
"Pela primeira vez, identificamos um grupo de neurônios, influenciados por dois tipos de ondas cerebrais, que coordenam o controle cognitivo e o armazenamento de informações sensoriais na memória de trabalho. Esses neurônios são cruciais para o armazenamento de memórias de curto prazo, embora não contenham nem armazenem informações", detalhou, em nota, Jonathan Daume, pesquisador de pós-doutorado do Cedars-Sinai e primeiro autor do estudo.
A memória de trabalho, que guarda informações por apenas alguns segundos, é delicada e requer concentração contínua para sua manutenção. Para investigar seu funcionamento, a equipe registrou a atividade cerebral de 36 pacientes hospitalizados que tinham eletrodos implantados em seus cérebros como parte de um procedimento para diagnosticar epilepsia. Durante uma tarefa que exigia o uso da habilidade investigada, os pesquisadores observaram a atividade de células cerebrais individuais e ondas cerebrais.
Os resultados mostraram que, quando os pacientes fizeram a tarefa de memória com rapidez e precisão, dois grupos de neurônios eram ativados: os de 'categoria', que respondem a estímulos específicos, e os de 'acoplamento de fase-amplitude' (PAC). Estes últimos, recém-identificados pelo trabalho, desempenham um papel crucial no foco e armazenamento das informações.
Esses neurônios de acoplamento se coordenam com os outros chamados de "categoria" e disparam em sincronia com as ondas cerebrais associadas ao foco e processamento de informações, contribuindo para melhorar a capacidade dos pacientes de recordar dados armazenados na memória de trabalho. (IA)
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