Um novo estudo revelou que uma técnica de imagem pode ser crucial na identificação de pacientes que necessitam de procedimentos de revascularização devido a obstruções ou estreitamentos das artérias coronárias. As descobertas foram divulgadas, ontem, em um relatório especial na revista Radiology: Cardiothoracic Imaging, publicado pela Sociedade Radiológica da América do Norte (RSNA). Conforme o trabalho, incluir uma nova abordagem, chamada CT-FFR reduziu em cerca de 50% a necessidade de procedimentos mais incisivos.
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A angiografia coronária (CTA) é uma ferramenta que os médicos utilizam para diagnosticar bloqueios ou estreitamentos em artérias do coração. Os resultados do procedimento são classificados em níveis: leves, de 0 a 1; moderados, de 2 a 3; e graves, de 4 a 5. Pacientes com pontuações acima de 3 geralmente requerem tratamento e podem ser submetidos à colocação de stents a cirurgias de revascularização, para restaurar o fluxo sanguíneo ao órgão que bombeia o sangue.
"Embora a CTA forneça informações sobre o grau de obstrução de uma artéria,esse grau nem sempre reflete com precisão a quantidade de fluxo sanguíneo na artéria", explicou, em nota, Mangun Kaur Randhawa, pesquisador do Departamento de Radiologia do Massachusetts General Hospital (MGH), nos Estados Unidos.
Historicamente, os profissionais da saúde recorrem à angiografia coronária invasiva para obter imagens das artérias e, mais recentemente, adicionaram outros testes também incisivos, como a reserva de fluxo fracionada (FFR), para identificar e avaliar os problemas vasculares.
A CT-FFR, uma técnica nova, utiliza imagens de CTA do coração, algoritmos de inteligência artificial e a dinâmica de fluidos computacional para modelar o fluxo sanguíneo coronário de forma não invasiva, evitando um desgaste maior do paciente.
O estudo
Para examinar o impacto do CT-FFR nos resultados clínicos, a equipe de pesquisa liderada por Randhawa realizou uma análise retrospectiva com pacientes submetidos à angiografia coronária durante um ano a partir de agosto de 2020.
Durante o período do estudo, 3.098 pacientes passaram pelo procedimento. Desses, 113 submetidos à cirurgia de revascularização miocárdica foram excluídos. Dos 2.985 restantes, 292 (9,7%) foram encaminhados para análise de CT-FFR, e oito desses casos foram desconsiderados, resultando em um grupo final de 284 pessoas.
A maioria dos pacientes encaminhados para o CT-FFR apresentou pontuações de CTA de 3 ou superior, indicando obstrução ou estreitamento moderado. O CT-FFR foi solicitado para a 73,5% dos pacientes com índice 3.
"Quando há incerteza sobre a necessidade de procedimentos invasivos em pacientes com estreitamento ou bloqueio arterial moderado, o CT-FFR nos ajuda a identificar quem se beneficiaria mais", explicou o Dr. Randhawa.
Dos 284 voluntários analisados, 56,3% apresentaram resultados negativos 30,9% receberam diagnósticos positivos, constatando anormalidades, e os 12,6% restantes não obtiveram clareza na avaliação.
Melhor triagem
Conforme o artigo, pacientes com estreitamento ou bloqueio arterial significativo submetidos ao CT-FFR tiveram taxas mais baixas de angiografia coronária invasiva, 25,5% comparado a 74,5% do outro grupo. A necessidade de intervenção coronária percutânea também foi menor, 21,1% contra 78,9% em relação às pessoas que não foram encaminhadas para aCT-FFR.
"O CT-FFR nos ajuda a selecionar os pacientes que realmente precisam de procedimentos invasivos, adiando tratamentos desnecessários em outros casos", frisou, em nota, o autor sênior Brian B. Ghoshhajra, do MGH ."Essa técnica aprimora a eficácia da CTA, e descobrimos que seus benefícios são maximizados quando aplicados seletivamente."
Carlos Rassi, cardiologista, coordenador do Centro de Cardiologia do hospital Sírio-Libanês, ressalta que a avaliação do fluxo ser feita ao mesmo tempo que a verificação da anatomia apenas traz benefícios para o paciente. "Às vezes em uma lesão duvidosa, em que o paciente poderia ganhar um stent ou ser submetido a outra intervenção, é possível que não haja a necessidade dessas abordagens e isso diminui a necessidade de fazer angioplastia e cirurgia."
"Também penso no lado oposto, pode haver uma lesão que consideramos ser moderada, que não tem importância, mas tem restrição de fluxo, com a abordagem posso tratar o paciente mais adequadamente e prevenir infarto e morte súbita. Acredito que sim, no momento que esse tipo de exame estiver mais disponível, ele pode mudar a rotina clínica", completou o especialista.
Thomas Osterne, cardiologista do Hospital Santa Marta, em Brasília, considera que a associação da tomografia com a avaliação de fluxo teria vantagens em relação a outros métodos não invasivos. "Avaliaria o aspecto anatômico da lesão, sugerindo o grau de obstrução, assim como o aspecto funcional, se aquela obstrução traz de alguma forma sofrimento ao coração."
Para o especialista, a angiografia coronariana é um método invasivo, pois é necessário acessar as artérias do coração para realizá-lo. "Pode ainda ser utilizada em conjunto com métodos funcionais, como o FFR, que seria o método padrão ouro para avaliação funcional. A proposta do CT-FFR não é substituir a angiografia coronária, mas sim melhorar a triagem dos pacientes que realmente têm maior risco de ter uma obstrução grave."
Os pesquisadores destacaram que a ferramenta teve sucesso com a maioria dos pacientes, mesmo em situações desafiadoras, como batimentos acelerados, irregularidades cardíacas e obesidade. "Ao medir objetivamente o fluxo sanguíneo coronário com o CT-FFR, conseguimos evitar investigações e tratamentos excessivos, baseando-nos não apenas na aparência visual, mas na fisiologia real", concluiu Ghoshhajra.
Os resultados do estudo demonstram a utilidade do CT-FFR na prática clínica quando aplicado de forma seletiva, mostrando seu potencial para reduzir a necessidade de procedimentos invasivos em pacientes com estreitamento ou bloqueio arterial significativo, sem comprometer a segurança do tratamento.
Ricardo Cals, cardiologista do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, detalha que, apesar de mais precisa, a angiografia é de difícil acesso em alguns locais. "É preciso um aparelho de tomografia bom. Nem todos os hospitais têm esse aparelho bem moderno. Outra questão é o preparo do paciente, ele tem que estar com a frequência cardíaca mais controlada, para a imagem ficar boa."
Cals cita também as vantagens do procedimento. "Tem um custo mais baixo e menos risco de complicação em relação ao cateterismo. Com esse FFR você poderia indicar o cateterismo apenas a partir da confirmação de lesões que provoquem isquemia —alta de oxigênio para músculo cardíaco. Poupa-se muito dinheiro para o serviço de saúde, incluindo o sistema público."
Novas diretrizes
"É sempre bom quando as tecnologias avançam no diagnóstico não invasivo das doenças cardiovasculares. Isso é ótimo para nossos pacientes. No estudo, o uso da CT-FFR reduziu a necessidade de realização de cateterismo cardíaco e de angioplastia coronariana. Essa prática é invasiva, a novidade é a observação da CT-FFR. Nas próximas diretrizes, possivelmente, teremos a recomendação do uso da técnica CT-FFR para avaliação funcional de isquemia. Em estudos anteriores, ela se mostrou tão eficaz quanto a ressonância magnética cardíaca e a cintilografia miocárdica."
Fausto Stauffer, membro do Conselho Consultivo da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC)
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Novas diretrizes
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Fausto Stauffer, membro do Conselho Consultivo da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC)
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