Uma equipe internacional composta por mais de 900 cientistas, de 70 centros de pesquisa, divulgou o resultado do mais complexo mapeamento tridimensional já realizado do Universo. A principal meta do projeto é entender a energia escura, uma força que impulsiona a expansão do cosmos. Para o estudo, os pesquisadores usaram um telescópio especialmente desenvolvido, chamado Dark Energy Spectroscopy Instrument (Desi), localizado nos Estados Unidos. Com sua tecnologia de ponta, Desi conseguiu mapear com 99% de precisão a posição de galáxias e quasares, os núcleos extremamente brilhantes de galáxias visíveis a distâncias enormes.
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Michael Levi, diretor do projeto internacional Desi, afirmou que "Até agora vemos que os dados correspondem ao nosso melhor modelo do Universo, mas também vemos algumas diferenças potencialmente interessantes, que podem indicar que esta energia escura evoluiu ao longo do tempo." Em outras palavras, "os dados do Desi parecem mostrar que a constante cosmológica Lambda não seria realmente uma constante", afirmou Arnaud de Mattia.
Isso pode sugerir que, após acelerar 6 bilhões de anos após o Big Bang, esta velocidade pode ter "desacelerado nos últimos tempos", segundo Christophe Yeche, físico do Comissariado de Energia Atômica (CEA) francês.
Galáxias e quasares são fundamentais para o mapeamento do Universo em 3D, pois a luz que emitem é absorvida por nuvens de gás intergaláctico ao longo de sua jornada. O padrão de luz captado pelo telescópio revela a distribuição de matéria ao longo do espaço. Algumas das 450 mil fontes que o Desi mapeou estão tão distantes que a luz emitida levou cerca de 11 bilhões de anos para alcançar a Terra.
O tempo é crucial, pois permite que os cientistas reconstruam uma parte relevante da história do cosmos, desde o Big Bang, que ocorreu há 13,8 bilhões de anos. Os resultados do mapeamento estão detalhados em uma série de artigos no portal Arxiv. Os trabalhos, no entanto, ainda não passaram por revisão independente, e a ideia é submeter os resultados à avaliação da comunidade científica especializada.
O que foi encontrado no mapeamento colabora com a teoria predominante atualmente para explicar a expansão do universo, conhecida como Lambda CDM. Essa linha de pesquisa considera duas forças principais que influenciam a evolução do cosmos. Uma delas é a gravidade, que atua de forma atrativa. Além dessa força exercida pelas estrelas e galáxias visíveis, uma grande quantidade de matéria escura fria também contribui, representando mais de 95% da matéria existente no universo.
O outro elemento essencial é a energia escura. Ao contrário da gravidade, ela é uma força repulsiva que acelera a expansão do universo. Uma questão relevante do trabalho é que ele ajuda a entender os estágios iniciais do universo, antes mesmo dos últimos 11 bilhões de anos. O que colabora na compreensão de como as oscilações bariônicas — variações na distribuição de matéria no universo primordial—, no cosmos criaram as estruturas observadas hoje, como estrelas, galáxias e aglomerados de galáxias.
Naelton Araújo, astrônomo da Fundação Planetário do Rio de Janeiro, detalha que o instrumento criado para a pesquisa não 'enxerga' a energia escura. "Essa energia foi criada teoricamente para explicar o comportamento do Universo que está em expansão há muito tempo. Ao se expandir as galáxias se distanciam umas das outras. Isso pode ser medido pelo deslocamento para o vermelho que a luz destes objetos sofre ao se afastar. O aparelho que começou a dar resultados agora mede uma quantidade grande de galáxias se deslocando.
Segundo o especialista, os dados obtidos a partir dos diversos objetos analisados indicam que a expansão do Universo poderia estar desacelerando. "Mas esse campo é relativamente novo, vamos aguardar mais dados experimentais."
Salvador Nogueira, divulgador científico e autor de uma série de livros sobre astronomia, frisa que ao combinar os dados do primeiro ano de observação do Desi com outros estudos, os cientistas encontraram novidades, algumas diferenças sutis com relação ao modelo padrão.
"Isso pode sugerir que a energia escura não é constante no tempo, mas sim varia. É como se ela pudesse fazer mais ou menos efeito com o passar do tempo." Para ele, resta saber se esse é apenas um suave desalinhamento de precisão ou se é algo real. "Só será possível determinar isso com mais dados, mas os cientistas estão empolgados. Afinal, a missão do Desi terá duração de cinco anos, o que deve melhorar a quantidade de dados e a precisão das conclusões."
Mesmo com os resultados obtidos pelo Desi bastante precisos, o projeto continua, pois mais dados são necessários para uma compreensão completa da energia escura e sua evolução ao longo do tempo.
Quanto mais antiga, mais rápida
"Edwin Hubble descobriu que as galáxias mais distantes se afastavam de nós com velocidades progressivamente maiores. É o que chamamos de Lei de Hubble. Em termos claros: quanto mais distante a galáxia, mais veloz é seu afastamento. A interpretação desse fenômeno leva a crer que, no passado remoto, as galáxias estiveram juntas em um volume diminuto de espaço, a partir do qual se expandiram. Esse é o modelo do Big Bang. A relação entre a velocidade das galáxias e sua idade decorre de a velocidade da luz ser finita. Como as galáxias mais velozes são as mais distantes, pela Lei de Hubble, a luz delas também demora mais tempo para chegar até nós. Por isso o que estamos observando em distâncias muito grandes são galáxias mais antigas."
Helio J. Rocha-Pinto,
presidente da Sociedade Astronômica Brasileira
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Helio J. Rocha-Pinto,
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