CHILE

Urina humana é alternativa para criar fertilizantes no Chile

Diante desse cenário, Dafne Crutchik trabalha em uma alternativa simples para extrair o fósforo da urina, uma prática já adotada em vários países

Amparo Henriquez, estudante de Engenharia Civil Industrial da Faculdade de Meio Ambiente da Universidade Adolfo Ibanez, verifica tubos de amostras de urina usados ??para criar fertilizante à base de urina e água do mar em Santiago  -  (crédito: RAUL BRAVO / AFP)
Amparo Henriquez, estudante de Engenharia Civil Industrial da Faculdade de Meio Ambiente da Universidade Adolfo Ibanez, verifica tubos de amostras de urina usados ??para criar fertilizante à base de urina e água do mar em Santiago - (crédito: RAUL BRAVO / AFP)

Duas vezes por ano, os colaboradores da cientista chilena Dafne Crutchik fazem um pedido incomum aos amigos e familiares: doação de urina. O fluido é essencial para a extração do fósforo, um mineral escasso e ingrediente fundamental para criação de fertilizantes.

Aumentar o rendimento das safras com o fósforo, obtido tradicionalmente dos depósitos minerais, tem sido uma prática cada vez mais popular. Sua produção mundial está concentrada em poucos países, entre eles Marrocos, China, Estados Unidos e Rússia.

No entanto, as reservas mundiais estão diminuindo e a guerra na Ucrânia aumentou o valor dos fertilizantes e seus componentes, incluindo o fósforo, cujo preço por tonelada subiu de US$ 276 (R$ 1.568, na cotação da época) em 2021 para US$ 938 (R$ 5.331) no ano seguinte, segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO).

Diante desse cenário, Crutchik trabalha em uma alternativa simples para extrair o fósforo da urina, uma prática já adotada em vários países.

"O fertilizante é usado para o cultivo, depois (nós) o consumimos nos alimentos. Apenas parte do fósforo é absorvido, o restante acaba na urina e, posteriormente, se perde nas águas residuais", explica Crutchik, doutora em engenharia química e ambiental e professora da Universidade Adolfo Ibáñez.

- Fabricação -

Agricultores dos Estados Unidos, França, Nepal e Ucrânia recorrem à urina como fertilizante para os campos. Os astronautas na Estação Espacial Internacional (EEI) reciclam o líquido para cultivar tomates.

Mas para criar o fertilizante, o experimento chileno combina água do mar - que fornece o magnésio necessário - com a urina dos familiares, amigos e dos cinco membros da equipe de pesquisa.

"Muitos não querem doar ou sentem vergonha. Eles não estão informados e isso os faz recuar. (...) Isso é algo útil e que ajudará a todos no futuro", afirma uma das colaboradoras, Amparo Henríquez. Além da Dra. Crutchik, o experimento conta com dois estudantes de graduação e dois de pós-graduação.

Depois de alguns dias de repouso, a combinação da água do mar com a urina desencadeia o que a equipe chama de "precipitação de fósforo", que é a solidificação desse mineral em cristais brancos, do tamanho de um grão de areia, prontos para serem usados como fertilizante.

A quantidade de cristais formados depende da qualidade do líquido ou dos nutrientes que contém. É diferente se a urina é "fresca" ou se é a primeira do dia.

Em um dos experimentos, foram usados quatro litros e meio de urina e 250 mililitros de água do mar para produzir cerca de 80 gramas de cristais, detalha a cientista chilena.

- Relutância -

A técnica é promissora, já que um humano produz, em média, um litro e meio de urina por dia. Crutchik estimou que se a urina humana do mundo fosse reciclada, 20% dos fertilizantes sintéticos poderiam ser substituídos por esses cristais.

Embora espere calcular o custo de produção apenas no final do ano, ela acredita que seria muito mais "econômico" que os fertilizantes artificiais, devido à grande quantidade de matéria-prima disponível.

No entanto, a ampliação dos fertilizantes à base de urina enfrenta obstáculos, como legislações locais e relutância das pessoas.

No Chile, a urina não está na lista dos 679 fertilizantes autorizados pelas autoridades, portanto, "não pode ser usada", diz a cientista.

Pela urina não ser um vetor importante de doenças, o líquido não requer um processamento pesado para uso na agricultura. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda deixá-la em repouso por alguns dias.

A proposta poderia contribuir também para redução dos efeitos devastadores que o excesso de fósforo gera nos lagos, rios e oceanos, onde as águas são despejadas.

De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, a poluição por fósforo "é uma das principais causas da perda de biodiversidade e contribui para a degradação dos ecossistemas, dos quais a humanidade depende".

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postado em 04/04/2024 17:18
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