Cientistas do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) criaram um sensor capaz de identificar traços de substâncias perfluoroalquílicas e polifluoroalquílicas (PFAS) — elementos encontrados em embalagens de alimentos, utensílios de cozinha antiaderentes e uma variedade de outros produtos. Conforme a pesquisa, detalhada na revista Proceedings of the National Academy of Sciences esses compostos, conhecidos como "produtos químicos eternos" devido à sua persistência no meio ambiente, têm sido associados a uma gama de efeitos adversos para a saúde, como câncer, distúrbios reprodutivos e interferências nos sistemas imunológico e endócrino.
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Por intermédio de uma tecnologia de sensores, os pesquisadores demonstraram a capacidade de detectar quantidades ínfimas de PFAS. O dispositivo oferece aos consumidores uma maneira acessível de avaliar a qualidade do líquido que está ingerindo. Timothy Swager, professor de química no MIT e autor principal do estudo, enfatiza a importância urgente dessas tecnologias de detecção. "Estamos há muito tempo presos a esses produtos químicos e precisamos ser capazes de detectá-los e nos livrar deles".
Os revestimentos que contêm PFAS são empregados em inúmeros produtos. No entanto, utilizados em larga escala desde a década de 1950, podem infiltrar-se no ar e no solo, provenientes de fontes industriais e de tratamento de resíduos, sendo detectados em fontes de água potável. Para avaliar a presença dessas substâncias na água, é preciso enviar uma amostra para laboratórios que realizam testes específicos, processo que leva várias semanas e custa caro.
Tecnologia
Para desenvolver uma alternativa mais acessível e rápida capaz de testar a presença de químicos, a equipe do MIT projetou um sensor baseado numa tecnologia chamada fluxo lateral, similar aos testes de covid-19 e gravidez. A invenção incorpora um polímero especial, a polianilina.
Os cientistas colocaram esses polímeros em uma tira de papel especial e a cobriram com uma substância que ajuda a extrair PFAS da água. Quando um químico é retirado da solução aquosa e entra em contato com a fita, ele interage com o polímero, fazendo com que ele se torne condutor de eletricidade.
O processo muda a resistência elétrica da tira. Essa alteração pode ser medida com eletrodos e enviada para um dispositivo como um celular, permitindo saber a quantidade de PFAS presente na água.
Facilidade
A versão atual da criação pode detectar concentrações tão baixas quanto 200 partes por trilhão para ácido perfluorobutanóico e 400 partes por trilhão para PFOA. Isso não é baixo o suficiente para atender às recomendações, mas o sensor usa apenas uma fração de mililitro de água. Os investigadores agora estão trabalhando em um dispositivo de maior escala que seria capaz de filtrar cerca de um litro de água por meio de uma membrana feita de polianilina, e acreditam que essa abordagem deverá aumentar a sensibilidade em mais de cem vezes.
"Prevemos um sistema doméstico fácil de usar. Você pode imaginar colocar um litro de água, deixá-la passar pela membrana, e você tem um aparelho que mede a mudança na resistência da membrana", afirma Timothy Swager.
Marianna Brandão, professora de química do Colégio Everest, em Brasília, aponta que a principal vantagem do método desenvolvido pelo MIT é a facilidade de uso. "Esses filmes poliméricos vêm sendo implementados desde a descoberta do grafeno. Existem muitos desses dispositivos que são feitos com filmes de grafeno alternado com outras substâncias de acordo com o que quer ser detectado. São conhecidos como narizes e línguas eletrônicas. Nariz porque detecta o cheiro e língua porque (identifica) concentrações em líquidos."
A especialista detalha que o uso do sensor se dá a partir de uma corrente elétrica. É como se eu criasse um filme específico que vai grudar aquela substância que tem aquele componente específico. Então a simplicidade de construção e de uso desse dispositivo é o que faz a diferença em relação às outras opções. Se há um teste rápido, consigo ter algo mais prático para saber se a amostra está contaminada."
Se forem detectados PFAS na água potável, é possível comprar filtros para reduzir as quantidades desses químicos. A nova abordagem de teste também pode ser útil para fábricas que produzem materiais com PFAS, para testarem se a água utilizada no processo de fabricação é segura para ser liberada no ambiente.
Ramon Andrade, professor de química do Colégio Objetivo, no Distrito Federal, reitera que esse tipo de tecnologia é utilizado na detecção de diversos materiais. "Não só poluentes, mas drogas, detecção de doenças como o câncer de próstata, por meio da análise da urina no paciente, de substâncias tóxicas em meios aquosos e gasosos. Enfim, a aplicação dessa abordagem é infinita e muito promissora."
O especialista que atualmente trabalha em um projeto similar, de doutorado, testa o nariz eletrônico para detecção de psicodélicos e psicotrópicos em ambientes. "Entre os principais desafios, temos baixa sensibilidade e, em alguns casos, pouca especificidade. É um processo complexo que, apesar de ter baixo custo operacional, exige pessoas capacitadas."
Ronaldo Fernandes, professor de química da Blue Global School, em Brasília, sublinha que, segundo a Agência Europeia para o Ambiente, a água potável e os alimentos são considerados as principais vias de contaminação para a maioria da população. "Com a criação do MIT, com uma sensibilidade fantástica e altíssimo poder de detecção, poderemos implementar regulamentações mais rigorosas em vários países e fazer com que sejam adotadas medidas para limitar ou proibir o uso de PFAS em certos produtos e estabelecer padrões de qualidade da água para proteger a saúde pública."
Gatilhos
"Estamos muito expostos a uma quantidade muito grande de substâncias químicas denominadas disruptores endócrinos (DE). Nesse grupo, estão incluídos os compostos perfluoroalquil e polifluoroalquil. A exposição a essas substâncias muito presentes no dia a dia dura por toda a vida. Assim, quando os seres humanos são testados para a presença de DEs no sangue, na gordura, na urina e em outros tecidos, os resultados demonstram consistentemente a presença dos disruptores em todos os indivíduos, refletindo a contaminação por meio de alimentos, água, pele e da atmosfera. Os compostos são danosos para a saúde e estão relacionados a alterações na fertilidade, na tireoide, no sistema nervoso central e até mesmo a alguns tipos de câncer."
Vivian Ellinger, membro da Comissão de Endocrinologia Ambiental (CEA) da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem)