Meio ambiente

Exposição curta a partículas tóxicas também prejudica; entenda

Estudo mostra que respirar partículas tóxicas por dias ou mesmo horas também impacta negativamente a saúde, com mais de 1 milhão de mortes precoces atribuídas à poluição aguda do ar, como ocorre em incêndios

A poluição do ar já foi associada a doenças físicas e transtornos mentais, mas um estudo publicado, na revista The Lancet Planetary Health, revela que a má qualidade atmosférica é mais prejudicial do que se imagina. Segundo os autores, da Universidade de Monash, na Austrália, mesmo poucas horas de exposição a partículas suspensas podem aumentar o risco de mortalidade prematura.

Até então, a maioria dos estudos se concentrou nos impactos de viver em cidades onde os níveis de poluição são elevados. "Assim, têm sido ignorados os frequentes picos de poluição que podem afetar áreas urbanas menores. Por exemplo, quando há incêndios próximos, levantamento de poeira e outras fontes de emissões atmosféricas intermitentes", afirma Yuming Guo, principal autor do artigo.

O pesquisador do Instituto de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Monash afirma que este é o primeiro trabalho a analisar, em nível global, a exposição a poluentes atmosféricos a curto prazo, em vez de se concentrar nos impactos do contato persistente. Os cientistas avaliaram os níveis de mortalidade e poluição associados a partículas tóxicas em mais de 13 mil cidades no mundo, entre 1999 e 2019. Do Brasil, foram usados dados de 21 estações de controle da qualidade do ar, todas no estado de São Paulo.

PM2,5

Segundo Yuming Guo, todos os anos, mais de 1 milhão de mortes precoces em todo o mundo ocorrem devido apenas à exposição de curto prazo — horas ou dias — ao material particulado PM2,5. Trata-se de partículas sólidas ou líquidas que ficam suspensas no ar, e têm diâmetro inferior a 2,5 mícrons. Elas são resultantes da fumaça emitida por incêndios, queima de combustível fóssil e produtos usados na agricultura, entre outras fontes. No total, a poluição atmosférica decorrente das PM2,5 está associada a 4,2 milhões de óbitos anuais globais.

A Ásia e a África são as mais afetadas: 65,2% e 17% dos óbitos por exposição de curto prazo à poluição ocorreram, respectivamente, nos dois continentes. Europa (12,1%), Américas (5,6%) e Oceania (0,1%) vêm em seguida. No recorte regional, a Ásia Oriental, onde estão China, Japão, Coreia do Sul, Coreia do Norte, Taiwan, Hong Kong, Macau, Singapura e Mongolia, reportam mais de 50% das mortes atribuídas à exposição a curto prazo às PM2,5.

"Devido às elevadas densidades populacionais nas áreas urbanas, juntamente com os elevados níveis de poluição atmosférica, compreender a carga de mortalidade associada à exposição de curto prazo às PM2,5 nessas áreas é crucial para mitigar os efeitos negativos da poluição atmosférica na população urbana", defende Guo.

O pesquisador destaca que o impacto de curto prazo tem sido bem documentado, como os megaincêndios na Austrália no chamado Verão Negro de 2019-2020. Estima-se que foram provocadas 430 mortes prematuras e 3.230 internações hospitalares como resultado do contato agudo e persistente a taxas extremamente altas de material tóxico no ar. Porém, ele destaca a necessidade de um monitoramento contínuo e global, como fez, agora, a Universidade de Monash.

Em um estudo publicado no fim do ano passado na revista BMJ por pesquisadores da China, os autores observaram que a exposição de curto prazo aos poluentes pode causar efeitos como doenças respiratórias e cardiovasculares. Também notaram que o grupo etário mais afetado é o das crianças. "Elas apresentam desenvolvimento respiratório imaturo, brônquios estreitos, taxas de ventilação pulmonar mais altas e menor capacidade imunológica", observaram. Os cientistas citam outra pesquisa prévia, que encontrou uma associação entre o contato agudo com as PM2,5 e a hospitalização por pneumonia e bronquite nos Estados Unidos.

Estratégias

"Já está claro que a poluição do ar é um fator de risco para muitas condições de saúde, incluindo acidente vascular cerebral, asma, diabetes, do pulmão, doenças cardíacas e demência", observa Richard Francis, pesquisador da Stroke Association, no Reino Unido. "Instamos os governos a delinear estratégias apropriadas que possam reduzir a poluição atmosférica e também para melhorar a consciencialização pública sobre a questão, para que as pessoas possam gerir a sua própria exposição."

Para Yuming Guo, é essencial que, nas localidades onde a saúde é mais afetada pela poluição aguda, sejam implementadas intervenções como sistemas de alerta de má qualidade do ar e planos de evacuação comunitária. "Evitar a exposição transitória a elevadas concentrações de PM2,5 poderia mitigar os seus danos agudos à saúde", defende.

Mais Lidas