Um ensaio revela que a demência pode ser até três vezes mais frequente entre pacientes diagnosticados com tremor essencial, que em pessoas sem a condição. O estudo, que será apresentado na íntegra durante a 76ª Reunião Anual da Academia Americana de Neurologia, nos Estados Unidos, no próximo mês. Nele, será exposto que o tremor essencial, mais comum do que a doença de Parkinson, pode além dos tremores nos braços e mãos, atingindo a cabeça, a mandíbula e a voz.
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Elan D. Louis, autor principal do trabalho e membro da Academia Americana de Neurologia, enfatiza que embora muitos pacientes com tremor essencial possam experimentar tremores leves, alguns convivem com formas mais graves da condição. "Os tremores não afetam apenas a capacidade de uma pessoa de completar tarefas diárias, como escrever e comer, nosso estudo sugere que as pessoas com tremor essencial também têm um risco aumentado de desenvolver demência", frisou, em nota, o cientista.
Para a pesquisa, foram acompanhados 222 participantes com tremor essencial — cuja idade inicial, média, era de 79 anos. Os cientistas avaliaram suas habilidades cognitivas ao longo de um período de aproximadamente cinco anos, realizando testes de pensamento e memória. Em um primeiro momento, 168 pessoas tinham habilidades cognitivas normais, 35 apresentavam comprometimento cognitivo leve e 19 já tinham demência. Durante o acompanhamento, 59 desenvolveram comprometimento cognitivo leve e 41 desenvolveram demência.
Os pesquisadores verificaram que 19% dos participantes tiveram ou desenvolveram demência durante o estudo. A cada ano, uma média de 12% das pessoas diagnosticadas com comprometimento cognitivo leve desenvolveram demência. As taxas encontradas foram três vezes maiores do que o observado na população em geral. As taxas foram inferiores às observadas em pacientes com Parkinson.
A equipe também descobriu que 27% dos participantes tiveram ou desenvolveram comprometimento cognitivo leve durante o estudo, quase o dobro de 14,5% visto na população geral.
Cuidados
Amauri Godinho Júnior, neurocirurgião do hospital Santa Lúcia, em Brasília, pondera que, apesar dos resultados, ainda não é possível cravar a relação descrita pelos estudiosos. "A população que eles estudaram tem em média 79 anos. Essa faixa etária está muito mais suscetível a ter quadros demenciais por outras etiologias. Às vezes você está falando de um paciente que tem tremor essencial e desenvolveu um quadro demencial por aterosclerose, por doença cerebrovascular. Essa associação livre é questionável."
O principal autor do estudo sublinha que, embora a maioria dos pacientes com tremor essencial não desenvolva demência, é essencial saber que há chances elevadas. "Nossas descobertas fornecem a base para os médicos educarem as pessoas com tremor essencial e as suas famílias sobre o risco aumentado e quaisquer alterações potenciais na vida que possam acompanhar este diagnóstico."
Francisco de Assis Gondim, neurologista e membro da Sociedade Brasileira de Neurologia, reitera a necessidade de pesquisas mais abrangentes e reforça que, apesar do estudo selecionado para apresentação no Congresso da Academia Americana de Neurologia, explorar um tema controverso e ter um pequeno número de pacientes, "pode nos trazer evidências sobre a presença de comprometimento cognitivo mais frequente nesses pacientes."
Segundo o especialista, a demonstração de disfunção cognitiva em pacientes com tremor essencial já foi objeto de estudos anteriores, havendo controvérsia devido à heterogeneidade da patologia, incluindo idade de início, sintomas associados e padrão familiar. "Por se tratar de doença neurodegenerativa com envolvimento dos circuitos cerebelares, não é surpreendente que parte dos pacientes desenvolvam sintomas de disfunção cognitiva, principalmente em relação ao processamento de informações e função motora."
Godinho Júnior, ressalta que quando há um fator predisponente para um quadro demencial, o que mais pode influenciar na qualidade de vida é o convívio social. "Pessoas que têm bons relacionamentos, que cultivam amizades, participam de grupos, desenvolvem trabalhos assistenciais, voluntários, então têm menos chances de desenvolver quadros demenciais precoces ou mais graves."
Movimentos involuntários
É uma condição caracterizada pela alta frequência. A mão não faz movimentos grosseiros, é um tremor fino. Geralmente acomete os dois lados do corpo. É diferente do Parkinson, de baixa frequência, mais lento e de alta amplitude, com movimentos mais grosseiros e amplos. O tremor do Parkinson se instala inicialmente de forma unilateral e antes dele há uma fase de rigidez. Corriqueiramente o tremor essencial tem evolução benigna, acomete apenas nos membros superiores. Trata-se de um tremor de intenção, na hora que o paciente vai realizar alguma ação, treme, não acontece em repouso. Existem formas graves de tremor essencial, que afetam a cabeça, outros segmentos do corpo, esses são os mais difíceis de tratar e controlar.
Envelhecimento e esquizofrenia
Pesquisadores do Broad Institute do MIT, de Harvard, e do McLean Hospital, nos Estados Unidos, conduziram um estudo que revelou semelhanças na atividade genética entre pessoas com esquizofrenia e adultos mais velhos. Detalhado, ontem, na revista Nature, o trabalho sugere uma base biológica comum para o comprometimento cognitivo observado nos dois cenários.
A análise da expressão genética em mais de um milhão de células cerebrais de tecido post-mortem de 191 indivíduos mostrou uma redução na expressão de genes relacionados às sinapses em neurônios e astrócitos — células gliais do sistema nervoso central —, indicando mudanças coordenadas entre essas células nas duas condições.
Essas descobertas levaram à identificação de um conjunto coordenado de mudanças genéticas denominado Programa de Neurônios e Astrócitos Sinápticos (SNAP), que está associado à regulação das sinapses. Mesmo em indivíduos jovens saudáveis, a expressão dos genes do SNAP mostrou-se coordenada entre neurônios e astrócitos. Essas mudanças sugerem uma interdependência entre as células no funcionamento cerebral, revelando um sistema mais amplo do que o inicialmente considerado.
Conforme os pesquisadores, a expectativa é desenvolver terapêuticas para os problemas desencadeados pela esquizofrenia e também pelo envelhecimento. "Não existem tratamentos médicos que abordem os deficits cognitivos nesses dois cenários, em grande parte porque a base biológica para esses deficits é desconhecida. Nossa esperança é que seja possível desenvolver tratamentos que promovam o SNAP."
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