História

Alexandre, O Grande, era gay? Entenda discussão que movimentou a web

Série documental que fala sobre a história de Alexandre foi muito comentada nas redes sociais após uma cena dele beijando um homem viralizar

Debate sobre série da Netflix dominou as redes sociais na última semana -  (crédito: Divulgação/Netflix; Wiki Media Communs/Reprodução)
Debate sobre série da Netflix dominou as redes sociais na última semana - (crédito: Divulgação/Netflix; Wiki Media Communs/Reprodução)
postado em 09/02/2024 22:16

Na última semana, um debate sobre a sexualidade do rei Alexandre III, também conhecido como Alexandre, o Grande, da Macedônia, tomou as redes sociais após a estreia da série documental da Netflix, Alexandre: O Nascimento de um Deus. Uma das cenas que viralizou o mostrava beijando um homem logo no começo da produção, o que levantou o debate sobre a sexualidade do líder e o conceito de homens beijando homens na Grécia Antiga.

Para entender ao certo se existem evidências de relacionamentos ou "casos" do rei com outros homens, o Correio conversou com José Otávio Nogueira Guimarães, professor Departamento de História da Universidade de Brasília (UnB) e doutor em história e civilizações pela Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris.

José Otávio explicou, primeiramente, que não há como afirmar a sexualidade de Alexandre, ou ao menos dizer que seria um homossexual, porque esse conceito não existia na época em que ele viveu, conhecido com período helenístico, e que, portanto, termos como comunidade LGBTQIA+ ou homossexualidade são inaplicáveis àquela população.

Contudo, isso não significa que não existe a possibilidade de que Alexandre tenha tido "casos" com amigos próximos.

O termo usado na época era 'pederastia', a principal palavra utilizada no mundo grego para falar da relação sexual. De acordo com o professor, a palavra era normalmente associada a relações de pessoas mais velhas com mais novas e muitos confundem o significado da palavra com a pedofilia.

Em conceito, 'pederastia' vem do grego e trata-se da 'prática sexual entre um homem e um rapaz mais jovem'. No sentido da época, é relacionada à homossexualidade masculina. Já a pedofilia vem também do grego, das palavras ped + filia, que tem como significado a 'perversão que leva um indivíduo adulto a se sentir sexualmente atraído por crianças'.

Outros conceitos no tempo de Alexandre

É preciso considerar ainda que, em famílias mais elitizadas, os jovens tinham mestres ou preceptores pedago e que parte da iniciação sexual desses jovens ocorria com eles. No caso de Alexandre, seu preceptor foi Aristóteles.

Além disso, as relações com outros homens também faziam parte de rituais de iniciação militar. "É preciso entender que isso ocorre em um mundo em que as mulheres participavam muito menos do mundo público, no mundo político, no mundo militar, era um mundo masculino, em que você se relacionava com outros homens, e não com as mulheres", explica o professor.

O especialista ressalta também que a cultura naquela civilização tinha um outro olhar e outras concepções e que em várias descrições existem relatos de momentos de intimidade entre homens que eram casados. "Havia um espaço moral para relações masculinas que na nossa transformação de padrões morais na história passou a ver na pederastia uma coisa perversa", salienta.

Há também um outro detalhe a ser considerado nas relações masculinas naquela época. Elas envolviam, normalmente, algum tipo de hierarquia e algum tipo de dominação.

Isso se torna importante na história de Alexandre justamente porque muitas fontes que analisam as relações naquela época indicam que homens com muito poder tinham dificuldade de terem amigos, mas o rei tinha dois muito próximos: Heféstio e Crateron. Há relatos também de uma amizade entre o rei e Ptolomeu.

"Existem sugestões de que os dois tinham uma intimidade com Alexandre que iam além dessas relações e que iam além para as reações do rei com o mundo público", frisa José Otávio.

Textos e biografias não são tão claros

Segundo o professor, os textos que relatam a vida de Alexandre, o Grande, são limitados e, por isso, é difícil saber de fato tudo o que ocorreu naquela época. Uma das biografias dele, de autoria de Plutarco, foi escrita 400 anos após a morte dele.

"Então, tudo isso faz com  que a figura do Alexandre esteja muito mais associada a essa dimensão da vida particular, a ser um mito, do que ser uma personagem histórica com fontes e evidências concretas. Por isso que ele é um objeto interessante para filmes, porque as pessoas constróem as visões mais imaginadas dele", afirma o especialista.

José Otávio avalia que existe, sim, a possibilidade de que Alexandre tenha tido relacionamentos com outros homens, porque o que era uma relação homossexual no mundo grego era completamente diferente do que é hoje. "Então é possível sim ter havido a 'pederastia'. Ele teve vários preceptores e pedagogos, pode ter tido uma relação 'pederastra'", pontua.

 

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