Para muitas mulheres, o início da gestação é um momento de incertezas e ansiedade. Com objetivo de aliviar o estresse, algumas recebem a prescrição de substâncias da classe dos benzodiazepínicos, como alprazolam e lorazepam. No cérebro, esses medicamentos reduzem a atividade de neurotransmissores, levando a uma sensação de relaxamento. Um estudo publicado na revista Jama Psychiatry, porém, levanta a discussão sobre o uso desses remédios por grávidas. A pesquisa, que inclui dados de quase 2 milhões de mulheres e 3 milhões de gestações, encontrou um risco de 70% de aborto espontâneo antes da 20ª semana por usuárias de drogas do tipo.
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Segundo Fei-Yuan Sharon Hsiao, pesquisador da Universidade Nacional de Taiwan, na China, e coautor do estudo, os resultados destacam a necessidade de se balancear os custos e os benefícios do uso de benzodiazepínicos por gestantes. "A decisão de prescrever esses medicamentos deve envolver uma avaliação completa dos riscos potenciais para o feto e dos benefícios para a mãe e seus filhos", afirma.
Os pesquisadores utilizaram dois bancos de dados com informações sobre saúde e nascimento de boa parte da população de Taiwan. A ideia era investigar se os ansiolíticos teriam associação com um risco maior de aborto espontâneo. Todos os fatores que poderiam aumentar essa probabilidade, como idade e estilo de vida, foram ajustados para se chegar a um resultado mais fiel à realidade.
No total, foram incluídas 3 milhões de gestações de 1.957.601 mulheres, com 136.134 dos casos (4,4%) resultando em aborto espontâneo. Os pesquisadores concentraram-se nas gravidezes antes da 20ª semana, comparando os resultados entre usuárias e não usuárias de benzodiazepínicos. Segundo Zhuk, estudos anteriores sugeriam essa associação, mas, até agora, havia uma dúvida se a perda do feto estaria relacionada ao medicamento ou à condição mental — ansiedade/depressão —, que também contribuem para o problema.
Dose
Os cientistas também pesquisaram a associação de cada tipo de droga prescrita para ansiedade e o risco de aborto. Os resultados apontaram para um aumento de probabilidade de 42% no caso de lorazepam; 39% para alprazolam; 69% para diazepam, e 54% para oxazolam. O fludiazepam elevou o risco em 252%. Este último não é aprovado pela agência regulatória norte-americana (FDA) mas, em Taiwan e no Brasil, é vendido sob prescrição médica.
Zhuk destaca que as descobertas vão ao encontro de um estudo canadense de 2019, também publicado na Jama Psychiatry, que pesquisou 400 mil gestações e encontrou um risco aumentado de aborto espontâneo em mulheres que tomam benzodiazepínicos. No trabalho atual, os cientistas da Universidade Nacional de Taiwan também constataram uma relação com a dose: quanto mais elevadas no início da gravidez, maior a probabilidade de se perder o feto.
O coautor do estudo ressalta que, como, no geral, esses medicamentos, especialmente o lorazepam, estão entre os mais seguros para se tomar na gestação, quando necessário, não está claro se o resultado da pesquisa mudará a prática clínica. Porém, ele recomenda que os médicos pesem os benefícios e considerem outras estratégias, como psicoterapia ou medicamentos antidepressivos que agem na recaptação da serotonina, para lidar com a ansiedade e o distúrbio do sono, inclusive para pacientes que pensam em engravidar.
Para o psiquiatra Christiaan Vinkers, presidente do Centro de Estresse e Resiliência do Centro Médico da Universidade de Amsterdã, na Holanda, não é o caso de mudar a prática atual. Apesar de reconhecer que o trabalho publicado na Jama traz um grande conjunto de dados, ele acredita que é preciso investigar melhor um possível mecanismo que explicaria o risco aumentado de aborto espontâneo em usuárias dos benzodiazepínicos. "Claro que devemos sempre ser prudentes durante a gravidez com qualquer uso de medicamentos. No entanto, a ansiedade e a insônia grave também têm, sem dúvida, efeitos prejudiciais para a mãe e para o feto."