Bem-estar

Alzheimer: exame de sangue consegue diagnosticar doença com precisão

Teste pronto para comercialização diagnostica a doença com maior precisão do que avaliações por imagem, sendo uma ferramente menos invasiva e mais barata. Quando regulamentado, poderá ajudar médicos na identificação do mal

Proteínas beta-amiloide e tau no cérebro que são biomarcadores que informam sobre a presença das alterações neurológicas no organismo  -  (crédito: National Institute on Aging, NIH / Divulgação)
Proteínas beta-amiloide e tau no cérebro que são biomarcadores que informam sobre a presença das alterações neurológicas no organismo - (crédito: National Institute on Aging, NIH / Divulgação)

Até duas décadas antes de se manifestar clinicamente, a doença de Alzheimer se instala no cérebro, provocando a destruição progressiva dos neurônios. Identificar os sintomas no início pode retardar o avanço, que, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), deverá afetar 78 milhões de pessoas até 2030. Um estudo sueco publicado na revista Jama Neurology demonstrou que um exame de sangue pronto para comercialização consegue detectar a patologia em pessoas com ou sem diagnóstico fechado.

O artigo traz os resultados de três testes que, juntos, incluíram 786 indivíduos, sendo que um terço deles apresentava comprometimento cognitivo no momento da pesquisa. Conforme o primeiroautor, Nicholas Ashton, da Universidade de Gotemburgo, os resultados indicaram que 80% dos participantes já tinham a doença.

Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores testaram se um biomarcador da patologia, chamado p-tau217, poderia ser identificado em um exame de sangue e, em caso positivo, se o teste seria preciso o suficiente para oferecer um diagnóstico seguro. A comparação foi feita com os exames considerados, hoje, o padrão ouro da detecção da patologia: ressonância magnética associada à retirada do líquido cefalorraquidiano.

Busca

O geriatra Otávio Castello, ex-presidente e fundador da Sociedade Brasileira de Alzheimer no Distrito Federal, explica que, no exame de liquor, é inserida uma agulha na medula espinhal do paciente para retirada de um fluido que circula pelo cérebro. O material é, então, testado para três substâncias: beta 42, proteína tau e proteína tau fosforilada. "Quando a primeira está baixa e as duas últimas mostram-se elevadas, tem-se o diagnóstico de que o cérebro sofre os fenômenos de degradação característicos da enfermidade", descreve.

O problema, destaca o médico, é que se trata de um exame invasivo, complexo e caro. Por isso, há cerca de uma década a ciência busca um método diagnóstico que dependa apenas de algumas gotas de sangue. No estudo descrito na Jama Neurology, o teste, desenvolvido pela companhia norte-americana ALZpath, demonstrou a mesma precisão que a pesquisa no liquor, e foi superior à ressonância magnética.

"Essa é uma descoberta fundamental em biomarcadores sanguíneos para a doença de Alzheimer, abrindo caminho para o uso clínico do teste", afirma Henrik Zetterberg, cientista da Universidade de Gotemburgo e coautor do artigo. Segundo ele, o exame de sangue já está pronto para ser comercializado, caso aprovado por agências regulatórias.

Drogas

A ferramenta diagnóstica servirá para identificar os casos iniciais e a expectativa da equipe é de que, no futuro, detecte as alterações cerebrais na fase pré-clínica, quando não há nenhum sinal da doença. Os autores destacaram, no artigo, que ele poderá ser útil especialmente para avaliar se o paciente é elegível para receber as novas drogas disponíveis para tratar o Alzheimer, pois elas foram desenvolvidas para pessoas ainda nos estágios iniciais.

"O resultado desses testes variam porque são feitos em bases populacionais, então, para ser usado no Brasil, terá de ser validado na população brasileira", explica Otávio Castello. O médico está otimista com o estudo publicado na Jama Neurology. "É uma ótima notícia porque é um teste promissor para ajudar no arsenal de diagnóstico", avalia.

Para Mark Dallas, professor de neurociência celular da Universidade de Reading, no Reino Unido, os biomarcadores da doença de Alzheimer mudarão a abordagem do diagnóstico e do tratamento da demência. "Os resultados indicam que o p-tau217 pode rastrear a doença subjacente com precisão e superou outros marcadores usados rotineiramente", diz.

O professor afirma que, em breve, um novo sistema deverá ser estabelecido. "À medida que surgem novas terapias, será necessário encontrar marcadores apropriados para selecionar os indivíduos que vivem com demência e que se beneficiarão mais do acesso aos medicamentos. Esse estudo começa a fornecer informações sobre como podemos conseguir isso", ressalta.

Em nota, Sheona Scales, diretora de pesquisa da organização Alzheimer´s Research UK, no Reino Unido, destacou que "usar um exame de sangue dessa forma poderia reduzir a demanda por exames adicionais de acompanhamento em cerca de 80%".

Scales apontou questões que aguardam respostas. "Precisamos obter uma imagem melhor do desempenho diário desses tipos de análises de sangue nos sistemas de saúde do mundo real com pacientes mais diversos", afirmou.

Neuromodulação

A companhia norte-americana Cognito Therapeutics anunciou ontem que inscreveu o primeiro paciente em um estudo que avalia a eficácia de estimulação neuronal em pacientes com Alzheimer. A pesquisa, chamada Hope, avalia a eficácia do sistema GammaSense em pessoas com a enfermidade leve a moderada. O ensaio randomizado pretende testar a terapia em 530 pessoas com a doença durante 12 meses. Os cientistas avaliarão a eficácia a partir de exames de ressonância magnética,
líquido cefalorraquidiano e marcadores no sangue.

Avanços

"Esse é avanço é particularmente significativo, uma vez que os biomarcadores sanguíneos poderiam fornecer uma alternativa mais acessível e menos invasiva para o diagnóstico precoce e monitorização da doença de Alzheimer. A implementação desse tipo de teste poderia melhorar significativamente a avaliação clínica e o recrutamento para ensaios clínicos, bem como facilitar gerenciamento de pacientes e fornecer acesso oportuno a terapias modificadoras da doença."

Alberto Lleó, pesquisador do Grupo de Neurobiologia da Demência do Instituto de Pesquisa Sant Pau, em Barcelona

 Demência e aterosclerose

Pesquisadores do Centro Nacional de Investigações Cardiovasculares (Cnic), em Madri, na Espanha, descobriram que um dos fatores de risco genético mais determinantes para a doença de Alzheimer, o gene APOE4, também está associado a uma chance aumentada de aterosclerose subclínica na meia-idade. O estudo, publicado na revista Circulation, também demonstra que proteger contra a condição cardiovascular pode prevenir a enfermidade neurodegenerativa.

O APOE codifica uma proteína que, entre outras funções importantes, contribui para o transporte de gorduras no sangue. Existem três alelos, que dão origem a versões diferentes do gene: APOE2, APOE3 e APOE4. "Herdar um ou outro desses alelos confere um risco diferente de desenvolver doenças distintas, entre elas enfermidades cardiovasculares e doença de Alzheimer", explicou, em nota, Marta Cortés Canteli, neurocientista do Cnic e autora do estudo.

Pessoas que herdam APOE4 apresentam risco elevado de aterosclerose devido aos altos níveis de lipídios no sangue. Já aquelas com a versão APOE2 têm colesterol mais baixo e menor prevalência da condição cardiovascular, que pode levar a infarto e acidente vascular cerebral (AVC).

Colesterol

No estudo, a equipe demonstra que os portadores de APOE4 apresentam níveis elevados de colesterol LDL circulante (colesterol "ruim"), o que aumenta o risco de desenvolver aterosclerose. A descoberta, segundo eles, oferece uma janela de oportunidade para a implementação de estratégias de intervenção precoce.

O estudo também mostra que os portadores da variante APOE2 apresentam comparativamente menos aterosclerose subclínica nas artérias. "Essas descobertas sublinham, mais uma vez, a importância de um estilo de vida saudável", ressaltou Canteli.

 

Neuromodulação

A companhia norte-americana Cognito Therapeutics anunciou ontem que inscreveu o primeiro paciente em um estudo que avalia a eficácia de estimulação neuronal em pacientes com Alzheimer. A pesquisa, chamada Hope, avalia a eficácia do sistema GammaSense em pessoas com a enfermidade leve a moderada. O ensaio randomizado pretende testar a terapia em 530 pessoas com a doença durante 12 meses. Os cientistas avaliarão a eficácia a partir de exames de ressonância magnética,
líquido cefalorraquidiano e marcadores no sangue.

 

Avanço significativo

"Esse é avanço é particularmente significativo, uma vez que os biomarcadores sanguíneos poderiam fornecer uma alternativa mais acessível e menos invasiva para o diagnóstico precoce e monitorização da doença de Alzheimer. A implementação desse tipo de teste poderia melhorar significativamente a avaliação clínica e o recrutamento para ensaios clínicos, bem como facilitar gerenciamento de pacientes e fornecer acesso oportuno a terapias modificadoras da doença."

Alberto Lleó, pesquisador do Grupo de Neurobiologia da Demência do Instituto de Pesquisa Sant Pau, em Barcelona

 

Demência e aterosclerose

Pesquisadores do Centro Nacional de Investigações Cardiovasculares (Cnic), em Madri, na Espanha, descobriram que um dos fatores de risco genético mais determinantes para a doença de Alzheimer, o gene APOE4, também está associado a uma chance aumentada de aterosclerose subclínica na meia-idade. O estudo, publicado na revista Circulation, também demonstra que proteger contra a condição cardiovascular pode prevenir a enfermidade neurodegenerativa.

O APOE codifica uma proteína que, entre outras funções importantes, contribui para o transporte de gorduras no sangue. Existem três alelos, que dão origem a versões diferentes do gene: APOE2, APOE3 e APOE4. "Herdar um ou outro desses alelos confere um risco diferente de desenvolver doenças distintas, entre elas enfermidades cardiovasculares e doença de Alzheimer", explicou, em nota, Marta Cortés Canteli, neurocientista do Cnic e autora do estudo.

Pessoas que herdam APOE4 apresentam risco elevado de aterosclerose devido aos altos níveis de lipídios no sangue. Já aquelas com a versão APOE2 têm colesterol mais baixo e menor prevalência da condição cardiovascular, que pode levar a infarto e acidente vascular cerebral (AVC).

Colesterol

No estudo, a equipe demonstra que os portadores de APOE4 apresentam níveis elevados de colesterol LDL circulante (colesterol "ruim"), o que aumenta o risco de desenvolver aterosclerose. A descoberta, segundo eles, oferece uma janela de oportunidade para a implementação de estratégias de intervenção precoce.

O estudo também mostra que os portadores da variante APOE2 apresentam comparativamente menos aterosclerose subclínica nas artérias. "Essas descobertas sublinham, mais uma vez, a importância de um estilo de vida saudável", ressaltou Canteli. (PO)

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postado em 24/01/2024 06:00
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