A 28ª Conferência do Clima de Dubai (COP28), nos Emirados Árabes, aproxima-se do encerramento com uma forte pressão para que a declaração final seja mais ambiciosa no capítulo dos combustíveis fósseis do que as anteriores. Ao mesmo tempo, a Organização dos Países Produtores de Petróleo (Opep), da qual o anfitrião, Emirados Árabes, é membro, não quer ver menção aos hidrocarbonetos no texto, o que deve acirrar o debate nos próximos dias.
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No ano mais quente já registrado pela história, quase 80 mil delegados de 196 países mais a União Europeia acompanharam a divulgação de relatórios científicos ao longo da conferência. As pesquisas deixaram clara a mensagem: sem um compromisso ambicioso, em sete anos, a Terra já estará 1,5ºC mais quente que no período pré-industrial.
Marcada, nos primeiros dias, por pesquisas impactantes e pela criação, de fato, do fundo para financiar países atingidos por desastres climáticos, a COP28 deve avançar em um ponto importante: triplicar a capacidade de energia renovável até 2030. Cerca de 120 países aprovam o compromisso. Dobrar a eficiência energética em sete anos e incluir promessas sobre redução das emissões de metano também são medidas esperadas na declaração final. Se os negociadores não precisarem avançar noite adentro — um clássico nas COPs —, a expectativa é de que o texto seja aprovado na terça-feira (12/10).
Expectativa
Os parágrafos mais aguardados, porém, são os que definirão o futuro dos combustíveis fósseis — carvão, petróleo e gás natural. Responsáveis por 75% da energia gerada no planeta, esses são os principais vilões do aquecimento global, pois produzem níveis elevados de gases de efeito estufa. Embora há muito tempo se discuta a necessidade de reduzir as emissões, nunca se insistiu tão enfaticamente no fim da dependência dos hidrocarbonetos quanto agora.
No centro da discussão está a substituição gradativa, phase down, dos combustíveis fósseis e a eliminação, phase out, dessas substâncias, com data marcada. As últimas COPs não avançaram nesse sentido, mas os textos mais recentes que circulam entre os negociadores apontam para uma linguagem que favorece o fim da energia baseada em carbono. A divulgação, anteontem, de um rascunho que insiste na necessidade de por fim à produção de carvão, petróleo e gás enfureceu a Opep, que enviou uma carta aos 13 membros pedindo que não aprovem uma declaração do tipo.
Porém, muito dificilmente os países mais ameaçados pelas catástrofes climáticas poderão comemorar, nesta conferência, o compromisso da descarbonização total do setor energético em curto prazo. Também é pouco provável que uma das opções dos rascunhos publicados até agora — a de sequer citar petróleo, gás e carvão no texto — seja aprovada.
Nos últimos dias, uma frase apareceu nos rascunhos: "eliminação ordenada e justa". O "ordenado" é atribuído ao presidente da COP28, o sultão Al Jaber, e pode fazer com que o phase out vença o phase down na declaração, contra a vontade da Opep.
Ao se falar em ordem, a indicação é que os países tenham um cronograma diferenciado para eliminar as emissões de combustíveis fósseis, dependendo do grau de dependência em hidrocarbonetos e de desenvolvimento. Apesar do tom conciliatório, não será fácil obter a unanimidade necessária para a aprovação do texto. Antes mesmo da recomendação da Opep, a Arábia Saudita já declarou que não quer menção aos combustíveis fósseis, e a Rússia, importante exportador de gás e petróleo, é um tradicional opositor da referência a eles.
Para Kaisa Kosonen, chefe da delegação COP28 do Greenpeace Internacional, não há como a conferência terminar sem um posicionamento mais ambicioso sobre o futuro dos combustíveis fósseis. "Neste momento, os governos sabem que não podem sair desta cúpula sem um acordo para acabar com os combustíveis fósseis, de uma forma rápida e justa", acredita. "Agora a questão é qual é o pacote de soluções, apoio e cooperação que nos permitirá ultrapassar a linha de chegada. É claro que são os países desenvolvidos que precisam assumir a liderança nesse domínio."
Mary Friel, líder de políticas climáticas da Cruz Vermelha Internacional, que acompanha a COP em Dubai, reconhece avanços na primeira etapa da conferência, mas teme o fracasso do evento sem o comprometimento não só com o fim dos combustíveis fósseis, mas com financiamento de ações de adaptação.
"O progresso histórico no tema perdas e danos, no início desta COP, foi um sucesso notável", diz Friel, referindo-se ao fundo para compensar países vítimas de desastres climáticos. "O progresso limitado e a lentidão na ação para concretizar a duplicação do financiamento da adaptação, tal como acordado em Glasgow (Escócia) há dois anos, são profundamente preocupantes. Isso coloca em dúvida o sucesso desta COP."
O QUE CADA UM QUER
Estados Unidos
Combustíveis fósseis: Maior produtor mundial de petróleo, defendem o fim de novas licenças de energia a carvão, mas têm um posicionamento diferente quanto aos demais combustíveis fósseis. A exemplo da China, assinaram o documento sobre a "eliminação progressiva de combustíveis fósseis cujas emissões não são capturadas antes de atingir a atmosfera", concedendo carta verde às petrolíferas que, porém, teriam de se adaptar, investindo em tecnologias de captura e sequestro de carbono (CCS). O problema é que essas técnicas não retiram totalmente o CO2 da atmosfera e ainda são pouco eficientes do ponto de vista energético.
Financiamento: Concordaram com o fundo de perdas e danos, mas são contra a obrigatoriedade de as nações desenvolvidas contribuírem. Doaram US$ 17 milhões para o fundo recém-criado. A quantia é considerada ínfima, segundo os especialistas, pois apenas a Alemanha se comprometeu com o repasse do equivalente a US$ 100 milhões.
Emirados Árabes Unidos
Combustíveis fósseis: Apoiam o aumento nos investimentos em energia renovável, mas têm planos de expandir investimentos na Abu Dhabi National Oil Company, um dos maiores produtores de petróleo no mundo, nos próximos cinco anos. O presidente da companhia e da COP28, sultão Al Jaber, porém, já declarou que o fim dos combustíveis fósseis é inevitável — não se sabe, ainda, se defenderá o phase down, a substituição gradual, ou phase out, eliminação, sendo provável que fique com o primeiro. O governo do país prometeu o repasse de US$ 100 milhões para o fundo, a exemplo da Alemanha.
Financiamento: Defenderam a criação do fundo de perdas e danos, que foi considerado pelo país uma "prioridade fundamental".
G77 +China
Combustíveis fósseis: Maior bloco nas negociações, reúne 134 países, incluindo Brasil, representa as nações em desenvolvimento e é extremamente heterogêneo. Enquanto membros como o Quênia e Maldivas querem a eliminação dos combustíveis fósseis, China, Arábia Saudita, Índia e Venezuela defendem que a medida seria prejudicial economicamente. O Brasil fala em substituição progressiva e ficou com a imagem abalada ao anunciar, em plena COP28, sua entrada para a Opep+ — que reúne os maiores produtores de petróleo do mundo, incluindo entre os membros permanentes, além dos sauditas, figuram Irã, Iraque, Nigéria, Gabão e Venezuela.
Financiamento: Há consenso no bloco que o fundo de perdas e danos beneficie todos os países em desenvolvimento e não apenas pequenas ilhas e nações mais pobres, como querem os Estados Unidos.
Aliança dos Pequenos Estados Insulares
Combustíveis fósseis: Composta por 39 membros, incluindo países como Micronésia, Fiji, Tuvalu, a aliança quer que as emissões globais atinjam o pico antes de 2025, assegurando o apoio das nações mais desenvolvidas e sob liderança das mesmas. Querem a eliminação progressiva dos subsídios aos combustíveis fósseis e apelam para o aumento de energias renováveis.
Financiamento: Altamente suscetíveis às catástrofes climáticas, defendem o cumprimento das promessas sobre o fundo de perdas e danos.
União Europeia
Combustíveis fósseis: Formada por 27 integrantes, defende triplicar a capacidade mundial de energia renovável e duplicar a eficiência energética até 2030. Quer o phase out, a eliminação gradual de petróleo, gás natural e carvão, mas defende que há setores específicos em que esses combustíveis são mais necessários.
Financiamento: No total foi responsável pela maior doação ao fundo de perdas e danos, US$ 100 milhões, mesma quantia que a Alemanha repassou isoladamente.
Rússia
Combustíveis fósseis: Entre os maiores exportadores mundiais de petróleo e gás natural, é contra a eliminação progressiva de qualquer fonte de combustível fóssil. No máximo, se compromete com a neutralidade das emissões em 2060.
Financiamento: Não participou da campanha dos países em desenvolvimento pela aprovação do fundo e dificilmente seria beneficiada pelo mecanismo.
Reino Unido
Combustíveis fósseis: No discurso da COP28, o primeiro-ministro Rishi Sunak defendeu a eliminação gradual dos combustíveis fósseis (phase out) e foi criticado porque, semanas antes, anunciou mais exploração de petróleo e gás no Mar do Norte. Sunak também disse, em Dubai, que o Reino Unido "lidera o ataque" contra as emissões de combustíveis fósseis, e destacou que o país gera 48% menos poluentes desde 1990.
Financiamento: Doou US$ 75 milhões para o fundo de perdas e danos e defende que países mais pobres e vulneráveis, como as pequenas ilhas, sejam beneficiados.
DIVERGÊNCIAS
"Nas discussões, permanecem muitas divergências, especialmente sobre a ambição de mitigação, finanças e eliminação progressiva dos combustíveis fósseis, que é um tema controverso. Há linguagem no texto sobre a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis, mas isso não é acompanhado por um cronograma claro para essa meta ou diferenciação de cronogramas entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. Também gostaríamos de ver uma linguagem sobre a triplicação das energias renováveis e a duplicação da eficiência energética, juntamente com uma eliminação progressiva e justa de todos os combustíveis fósseis para um resultado ambicioso."
Avantika Goswami, gerente do Programa de Mudanças Climáticas do Centro de Ciência e Meio Ambiente do Climate Action Network e pesquisadora na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos
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