Emirados Árabes

Presidente da COP28 garante confiança na ciência e diz ter sido mal-interpretado

Depois do vazamento de um vídeo em que nega evidências sobre necessidade de eliminar combustíveis fósseis, presidente da COP28 — e da petroleira nacional dos Emirados Árabes — afirma ter sido mal-interpretado

O sultão Jaber, na coletiva convocada ontem:
O sultão Jaber, na coletiva convocada ontem: "Tudo em que esta presidência tem trabalhado está focado e centrado na ciência"  - (crédito: AFP)
postado em 05/12/2023 03:55

A repercussão negativa de um vídeo em que aparece negando as evidências sobre combustíveis fósseis e aquecimento global obrigou o sultão Ahmed Al Jaber a convocar uma coletiva de imprensa para garantir que confia na ciência. O CEO da petrolífera nacional dos Emirados Árabes e presidente da 28ª Conferência do Clima (COP28), em Dubai, disse, ontem, que "tudo em que esta presidência tem trabalhado, e continua trabalhando, está focado e centrado na ciência".

Visto com desconfiança por organizações da sociedade civil, que estranharam o fato de a presidência da COP28 ser entregue a alguém da indústria do petróleo, Jaber foi surpreendido, no domingo, por um vídeo postado pelo jornal inglês The Guardian. Na gravação de 21 de novembro, o CEO da Abu Dhabi National Oil Company rebate a ex-primeira-ministra irlandesa Mary Robinson em um fórum on-line. "Sou factual e respeito a ciência, e não existe nenhuma ciência, ou nenhum cenário, que diga que a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis é o que vai conseguir 1,5º C", disse, na ocasião.

Todos os documentos científicos que servem de base para as discussões das COPs insistem na transição energética, com eliminação de carvão, petróleo e gás natural. "Eu recomendo fortemente que ele se informe sobre o último relatório do IPCC Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas)", rebate Joeri Rogelj, professor de política climática no Imperial College London, no Reino Unido. "Esse relatório, aprovado por unanimidade por 195 países, incluindo os Emirados Árabes Unidos, mostra uma variedade de formas de limitar o aquecimento a 1,5°C — todas elas indicando uma eliminação progressiva de fato dos combustíveis fósseis na primeira metade do século."

Rascunho 

Na semana em que os negociadores elaboram o primeiro rascunho da declaração da COP28, Jaber se apressou para minimizar a repercussão do vídeo. Durante a coletiva de imprensa transmitida on-line, o sultão fez questão de ser acompanhado pelo presidente do IPCC, Jim Skea. "A única coisa que posso dizer é que o sultão prestou atenção à ciência nos termos em que conversamos e que a compreendeu totalmente", afirmou. "Ao observar os cenários em que o aquecimento global se limita a 1,5ºC, o uso de combustíveis cai consideravelmente", completou.

Jaber disse aos jornalistas que sua fala no vídeo divulgado pelo The Guardian foi "mal-interpretada" e reiterou que confia na ciência. "Nós estamos aqui porque acreditamos e respeitamos muito a ciência. Tudo em que esta presidência tem trabalhado, e continua trabalhando, está focado e centrado na ciência", insistiu. O sultão reconheceu a necessidade de reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 43% até 2030, com objetivo de alcançar a neutralidade de carbono e limitar o aquecimento a 1,5ºC até o fim do século, comparado aos níveis pré-industriais.

Uma das questões-chave da negociação da COP28 é como mencionar os combustíveis fósseis na declaração. Há anos os debatedores se dividem entre a eliminação gradual (phase out), como defendido pelo IPCC, ou apenas a redução (phase down) desta fonte, responsável por 75% do consumo energético mundial. Na COP26, em Glasgow, houve um acordo, pela primeira vez, sobre como citar os hidrocarbonetos. A opção foi pelo "phase down".

Oficialmente, a presidência da conferência de Dubai destaca a necessidade de mencionar os combustíveis fósseis na declaração, sem, por enquanto, definir o verbo sobre o futuro dos hidrocarbonetos. Laurence Tubiana, da Fundação Europeia para o Clima e um dos arquitetos do Acordo de Paris, reforçou, ontem, a importância da eliminação, e criticou quem afirma que a estratégia de capturar e estocar o carbono (CCS) basta. "A implementação da CCS não fornece à indústria uma razão para apenas "reduzir progressivamente" os combustíveis fósseis. Nem mesmo perto. Embora possa ser útil marginalmente, a CCS não pode conseguir reduções nas emissões de gases com efeito de estufa na escala necessária para evitar o desastre climático", afirmou, citado pelo The Guardian.

Zero líquido

Poucos países que se comprometeram com a neutralidade de carbono — incluindo o Brasil — têm planos detalhados para eliminar os combustíveis fósseis, segundo um relatório divulgado ontem pela organização não-governamental Net Zero Tracker. Segundo o grupo, cerca de 150 nações estão empenhadas com o zero líquido (quando a captura equivale às emissões) até 2050, mas apenas 13% assumiram ao menos uma meta para substituir gradualmente o uso, a produção ou a exploração de carvão, petróleo e gás.

"Um plano 'zero líquido' que não diz de forma clara como eliminar gradualmente os combustíveis fósseis é como uma dieta da moda que permite comer tanta gordura quanto quiser", comentou Thomas Hale, da Universidade de Oxford, coautor do relatório. O Net Zero Tracker analisou mais de 1,5 mil países, regiões, cidades e grandes empresas que se comprometeram com a neutralidade de carbono.

A análise é mais positiva no caso das empresas: 56% das companhias ativas na produção de carvão estão empenhadas, pelo menos parcialmente, em eliminar progressivamente este combustível. As africanas e europeias ocupam um lugar de destaque nos planos de substituição gradativa, diz o documento.

 


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