aquecimento global

Superaquecimento global é o mais intenso dos último 120 mil anos

As discussões sobre o futuro sustentável do mundo começam dia 30, na COP28, em Dubai, e vão até 12 de dezembro

No ano mais quente dos últimos 1,2 mil séculos — o cálculo é do Serviço Meteorológico Europeu —, duas semanas cruciais podem definir a habitabilidade futura da Terra. Cientistas e especialistas em mudanças climáticas alertam que a janela para as metas do Acordo de Paris serem atingidas está quase fechada. Há tempo, ainda, predizem modelos matemáticos. Por isso, a 28ª Conferência do Clima (COP28), que começa na quinta-feira e vão até 12 de dezembro, em Dubai, nos Emirados Árabes, é considerada a mais importante desde 2009, quando o pacto climático foi costurado, na capital francesa.

No centro das negociações de 196 países, está a substituição dos combustíveis fósseis por energia limpa. Os hidrocarbonetos do carvão, gás natural e petróleo, são os principais geradores de gases de efeito estufa. Acumulados na atmosfera, eles impedem que parte da radiação solar escape para o espaço, um mecanismo essencial para garantir a vida no planeta. Porém, em excesso, também podem ser os responsáveis por acabar com ela.

Elaborado há 15 anos, o Acordo de Paris tem por objetivo garantir que a temperatura global não suba mais que 2ºC em comparação ao século 19 — quando a atividade industrial nos países desenvolvidos começou a despejar toneladas de CO2 e outros gases de efeito estufa na atmosfera. Preferencialmente, diz o documento internacional, o aumento deve se limitar a 1,5ºC até 2100, porque esse parece o limiar suportável para a saúde humana e os sistemas naturais.

Neutralidade

Para que a meta dos 1,5ºC seja possível, os cálculos indicam a necessidade de reduzir as emissões em 45% até 2030 em comparação a 2010, atingindo a neutralidade — quando se captura o tanto de CO2 que se lança — em 2050. O problema é que, em vez de cortar, os países aumentaram a produção dos gases de efeito estufa e, segundo a Coalização Rede Zero da Organização das Nações Unidas, no ritmo atual, em sete anos haverá 9% mais hidrocarbonetos impedindo que o calor escape da Terra.

As projeções são feitas usando as contribuições nacionalmente determinadas (NDC, sigla em inglês), metas individuais com as quais os países se comprometeram. Periodicamente, os signatários do acordo enviam relatórios para mostrar o que foi feito e, até agora, os balanços são negativos. O último, publicado em 2022 pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), levou o secretário-geral da ONU, António Guterres, a dizer que o mundo está no caminho de uma catástrofe climática.

As declarações de Guterres sobre o desempenho dos países no acordo climático costumam ser enfáticas — é dele a expressão "ebulição global", para definir o estágio atual do aquecimento do planeta. Porém, a ciência mostra que não há exageros nas falas do português. Mesmo se, numericamente, aumentos decimais na temperatura pareçam pequenos, na prática, eles significam mais mortes por calor, menos solo para a agricultura e mais eventos extremos, como os incêndios florestais, as enchentes e os ciclones observados no Brasil e no mundo em 2023.

Autodestruição

"A civilização global está no caminho da autodestruição e precisamos urgentemente de uma verdadeira liderança, e não apenas de ajustes", destaca James Renwick, professor de geografia física da Universidade Victoria, em Wellington, na Nova Zelândia. "Precisamos de compromissos mais fortes para reduzir as emissões, e a hora de reduções sérias de emissões é agora", diz. Ele reforça que os eventos climáticos de 2023 não podem ser ignorados no debate. "Levando-se em conta os recentes acontecimentos extremos e as temperaturas elevadas recorde, a pressão é realmente grande e seria útil ver declarações realmente honestas sobre a questão, à medida que os governos trabalham para suas novas NDCs para 2025."

Wilson, diretor do Instituto de Saúde Ambiental Aplicada de Maryland, nos Estados Unidos, defende que o maior emissor mundial de gases de efeito estufa tome frente no combate à intensificação das mudanças climáticas. "Já passou da hora de os Estados Unidos desempenharem o seu papel para travar uma crise que alimenta um sofrimento imenso e que afeta desproporcionalmente a maioria global. Na COP28, o presidente (Joe) Biden deve trabalhar para garantir que a ciência interseccional e a justiça climática estejam na vanguarda."

 


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Pontos-chave

* Eliminação progressiva de combustíveis fósseis: embora mencionado mais na COP27 que nos anos anteriores, a discussão sobre o fim da dependência de hidrocarbonetos não tem sido tratada nos termos que a ciência exige. Possivelmente, sob a presidência do CEO da empresa petrolífera dos Emirados Árabes, o sultão Al Jaber, o assunto não avançará.

* Balanço Global do Acordo de Paris: mecanismo estabelecido na COP21 para acompanhar os avanços da redução de emissões de gases de efeito estufa e outras metas do acordo. A síntese do primeiro balanço, divulgada em setembro, concluiu que, se nos próximos cinco anos não forem tomadas medidas urgentes, o pacto global pelo clima não será cumprido.

* Fundo de perdas e danos: estabelecido na COP27, reconhece que o mundo desenvolvido é o responsável pelos impactos das mudanças climáticas e cria um fundo para financiar, por doações e empréstimos, medidas de enfrentamento. Ponto sensível, com várias questões em aberto, especialmente definir quem pagará o preço.

* Financiamento e adaptação do mundo em desenvolvimento: o compromisso de 2009 de mobilizar US$ 100 bilhões anuais até 2020 para ações de adaptação do mundo em desenvolvimento fracassou e, até ano passado, não havia sido cumprido. Provavelmente, continuará ignorado na COP28.

* Tecnologias: a discussão sobre o papel de tecnologias-chave de descarbonização terá um lugar importante, embora fora do âmbito das negociações oficiais. 

* Futuro dos mercados de carbono: as regras que regem o assunto começaram a ser definidas na COP26, mas não avançaram. Há um rascunho de 60 páginas com diversos parênteses abertos para serem preenchidos agora.

Fonte: Fundação Oxfam Internacional

 

Brasil chega com revisão de "pedalada"

Depois de colecionar, nos últimos quatro anos, o "prêmio fóssil", uma crítica da sociedade civil aos países com piores desempenhos nas políticas climáticas, o Brasil volta à Conferência do Clima com um discurso de metas ambiciosas. O país corrigiu uma "pedalada" de 2021, quando a revisão dos compromissos assumidos perante a Organização das Nações Unidas (ONU) permitiria a emissão de 400 milhões de toneladas de gases de efeito estufa até 2030, em vez dos esperados cortes.

Com a retomada da meta de reduzir a emissões em 48% até 2030 e em 53% até 2030, comparado a 2005, o país também chega a Dubai com a promessa, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de zerar o desmatamento em todos os biomas nos próximos seis anos. Também deve livrar o país do "fóssil do ano" a nova edição do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), da rede de organizações da sociedade civil Observatório do Clima.

Segundo os cientistas, a emissão bruta caiu 8% em 2022, puxada pela redução do desmatamento na Amazônia. A líquida — que considera também a remoção de carbono por florestas secundárias, unidades de conservação e terras indígenas — registrou queda de 11%.

Observatório do Clima, porém, destaca que o país pode fazer mais. "Há muito espaço para aumento da ambição climática do Brasil. E, se o governo estiver falando sério sobre ser o grande defensor da meta do Acordo de Paris de limitar o aquecimento global a 1,5oC acima da média pré-industrial, terá de aumentar a ambição da contribuição nacionalmente determinada atual já para 2030, como todos os grandes emissores precisam fazer", acredita David Tsai, coordenador do SEEG.

Uso da terra

A meta brasileira de zerar as emissões líquidas até 2050 dependerá das políticas de recursos dos sistemas naturais, segundo um estudo de oito instituições, liderado pela Universidade de Oxford, na Inglaterra. Segundo os autores do artigo, publicado na Global Change Biology, as medidas de conservação implementadas até hoje são insuficientes para o país cumprir com o compromisso assumido com a ONU.

Com a adoção das chamadas Soluções baseadas em Natureza (SbN), focadas na gestão de recursos e processos naturais, como reflorestamento, 80% da meta de zerar as emissões poderá ser atingida, com uma redução média de 781 milhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2) por ano, pelas três próximas décadas. Segundo os autores, com a implementação do Código Florestal, mas sem ações adicionais, só seria possível diminuir o lançamento de gases de efeito estufa em 38% até 2050.

O coautor do estudo Roberto Schaeffer, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), observa que as SbNs são a abordagem que melhor aproximam o Brasil da chamada net zero carbon emissions, a neutralidade das emissões.

"A agricultura é o segundo maior setor emissor do Brasil, emissão esta considerada difícil de reduzir. O setor energético do país já possui uma parcela significativa de energias renováveis", destaca. "Soluções baseadas na natureza, principalmente o desmatamento zero e a restauração da vegetação nativa, são o caminho a percorrer neste sentido." (PO)

Perto de tombar

"A necessidade de uma aceleração dos programas de redução de emissões aumenta a cada COP que passa, e a COP28 não é exceção. Registaram-se uma série de extremos particularmente perturbadores ao nível mundial em 2023, tais como a baixa cobertura recorde de gelo marinho no inverno na Antártida, ondas de calor e um aumento maciço na extensão dos incêndios florestais. As anomalias da temperatura global registadas na segunda metade do ano são suficientemente grandes para ter empurrado temporariamente o planeta para além do limiar de aquecimento de 1,5°C. Sem reduções substanciais e rápidas de emissões em todo o mundo, enfrentamos uma probabilidade crescente de eventos climáticos extremos novos e mais severos, e vários componentes fundamentais do sistema terrestre (por exemplo, mantos de gelo polares, correntes oceânicas, florestas tropicais) chegarão cada vez mais perto de tombar.

Daniel Kingston, pesquisador de climatologia da Universidade de Otago, na Austrália