TECNOLOGIA

Plantas modificadas identificam agrotóxico e mudam de cor para dar alerta

Plantas modificadas geneticamente por pesquisadores norte-americanos são capazes de identificar agrotóxico no ambiente. Ao sinal de contaminação, as folhas adquirem uma pigmentação avermelhada como alerta

Transformar plantas em sensores naturais que identificam substâncias no solo e na água é uma ideia antiga entre os cientistas. Graças aos avanços da engenharia genética, isso se tornou possível. Pesquisadores da Universidade da Califórnia, Riverside (UCR), desenvolveram, por meio da alteração do DNA, espécies que mudam de cor para alertar sobre a contaminação por um agrotóxico da classe dos organofosforados. Esse grupo químico é amplamente utilizado como pesticida no Brasil, mas foi proibido nos Estados Unidos após estudos indicarem perigos à saúde humana.

O estudo, publicado na revista Nature Chemical Biology, indica que, apesar de "transformada" em um biossensor, a tecnologia utilizada mantém o metabolismo vegetal inalterado. Para os professores Sean Cutler e Ian Wheeldon, principais autores, a resposta visual dos detectores abre novas possibilidades de identificar agrotóxicos em hortaliças no futuro, sem interferir nas funções vitais da planta.

Ao expor as plantas do laboratório ao pesticida, os cientistas constataram que as folhagens adquiriram uma coloração vermelho/violeta. Para alcançar esse resultado, a equipe teve de solucionar uma questão-chave da biologia celular das plantas: como produzir um vegetal apropriado para detectar e reagir a uma substância química sem comprometer suas funções?

A resposta estava dentro do organismo da planta, em um hormônio chamado ácido abscísico. Essa substância vegetal é sintetizada principalmente nas folhas, e regula o crescimento do caule e das raízes, além de outras estruturas. Representado pela sigla ABA, ele é conhecido como o principal responsável por naturalmente desencadear mecanismos de adaptação nas espécies terrestres a diferentes tipos de estresse, como deficiência hídrica e ameaças provenientes de produtos químicos.

Sean Cutler/UCR/Divulgação - Ao lado, as plantas ainda sem a modificação no DNA. Depois da reengenharia do material genético, elas adquirem uma coloração avermelhada na presença de um químico (acima) 

Receptores

O hormônio provoca mudanças na constituição de proteínas receptoras que ajudam a planta a reconhecer e responder ao ABA. Isso, por sua vez, instrui as espécies vegetais a fechar os poros em suas folhas e caules para diminuir a evaporação de água. Assim, a probabilidade de murchar é reduzida.

Os cientistas da UCR haviam constatado, no ano passado, que as proteínas receptoras de ABA podem ser modificadas para se vincular a outras substâncias químicas além do hormônio. O brasileiro Elibio Rech, coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia — Biologia Sintética, explica que a alteração das proteínas se deve ao sequenciamento do DNA do ácido abscísico, o que possibilitou aos cientistas norte-americanos mapearem o ABA dentro do genoma da planta.

"Eles construíram uma sequência de DNA que codifica um determinado aminoácido. Os aminoácidos formam as proteínas receptoras do ABA, e, neste caso, colocaram um aminoácido a mais para incluir uma cor específica", assinalou Rech. O reconhecimento do aminoácido faz com que o organismo da planta quebre essa molécula e adquira a coloração inserida no genoma. O avermelhamento, portanto, é uma reação bem-sucedida da proteína modificada ao produto químico colocado no ambiente.

De acordo com Sean Cutler, professor de biologia celular vegetal da UCR, as plantas alteradas passaram a produzir um pigmento chamado betalaína. "Vários cientistas descobriram, nos últimos anos, como certas plantas produzem esse pigmento vermelho e perceberam que, com esse conhecimento, tinham em mãos uma ferramenta muito útil para aplicar mudanças de cor nas plantas."

Nesse estudo, a planta enraizada em laboratório absorveu os componentes do solo e adquiriu as tonalidades de violeta e vermelho, características da betalaína. "Mas poderia ser outra cor, isso é simplesmente o marcador visual escolhido. Os aminoácidos podem produzir diversos tipos de pigmento," completa Elibio Rech.

Encaixe

O professor Sean Cutler é reconhecido por seus estudos pioneiros sobre os receptores de ácido abscísico. O cientista ilustra as possibilidades de combinação entre as mutações das proteínas receptoras e as diferentes substâncias químicas com uma metáfora: nela, o receptor é como uma fechadura, e o produto químico que ele reconhece é a chave. As modificações precisam garantir o encaixe perfeito.

"O que fizemos foi usar a engenharia genética para brincar com a parte da fechadura e, então, não sabíamos ao certo quais chaves caberiam ali", descreve Cutler. "Examinamos centenas de produtos químicos e encontramos os corretos que caberiam ali. A parte surpreendente do nosso trabalho foi que, na verdade, muitos produtos químicos diferentes podem atuar como a chave certa."

De acordo com Rech, a biologia sintética é um estágio maduro da engenharia genética, ou seja, expande as possibilidades de fazer biossensores para quase todas as características, não só para detectar produtos nocivos, como também os desejáveis ao meio ambiente. "A tecnologia de recombinação do DNA permite quebrar a barreira que existe de cruzamento entre organismos. Atualmente, podemos introduzir genes em organismos de reinos e espécies completamente diferentes."

Os cientistas da UCR explicam que seria possível aplicar essa tecnologia genética a hortaliças de consumo humano. "Até onde sabemos, funcionará em qualquer organismo, porque é necessário um componente muito básico, um aminoácido que todos os organismos possuem", aponta Ian Wheeldon, professor de Engenharia Química e Ambiental da UCR. "Mas, no momento, há limites para o que podemos projetar para essas novas capacidades de detecção", pondera Sean Cutler.

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Corante natural

Trata-se de um corante natural sintetizado biologicamente por compostos químicos complexos dos organismos vivos. O pigmento é originado a partir de aminoácidos aromáticos e pode ser extraído em grande quantidade das beterrabas.

Ian Wheeldon, professor Associado de Engenharia Química e Ambiental da Universidade da Califórnia, Riverside, Diretor do Centro de Biotecnologia Industrial da UCR, e principal autor do estudo

É possível prever quando esses biossensores poderão ser inseridos
na natureza?

Essa é a pergunta de um milhão de dólares, porque existem protocolos regulatórios a que eles devem ser submetidos. Acho que o certo seria nos perguntar que tipo de planta queremos levar para o meio ambiente, e só então poderíamos realmente restringir o processo de regulamentação para tentar aprovar esta planta, que está em condição e ambiente específicos, e assim responder a esta pergunta. Não começamos essa pesquisa pensando em desenvolver um produto que seria lançado no meio ambiente. Nem sabíamos se ela seria viável sem deixar as plantas doentes. Agora que sabemos que é possível, precisamos questionar quais são as melhores aplicações. No mais, essas plantas são materiais transgênicos e precisam de autorização para serem liberadas.

Como parte do mesmo experimento, a sua equipe demonstrou que pode transformar leveduras em biossensores. Esse organismo respondeu a dois produtos químicos diferentes ao mesmo tempo. Por que isso aconteceu?

A levedura não tem naturalmente uma via receptora de ABA, ou seja, o que fizemos foi implantar um novo sistema nesse organismo. E assim pudemos aplicar dois receptores em leveduras, ambos modificados, para aceitar diferentes pesticidas. Nessa abordagem, temos esses dois sistemas de sinalização que operam independentemente, e ambos respondem a produtos químicos diferentes, ou seja, os fizemos responder a produtos químicos diferentes e ativar dois genes diferentes. Nesse caso, (os genes ativados) na levedura foram de uma proteína verde fluorescente e uma vermelha.