SAÚDE MENTAL

Burnout entra na Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho de ministério

Transtornos de ansiedade e depressivos também aparecem na nova lista, que foi atualizada após 24 anos

Entre as 165 patologias incorporadas na atualização da lista, estão burnout e transtornos depressivos e de ansiedade
 -  (crédito: Lukas Bieri?Pixabay)
Entre as 165 patologias incorporadas na atualização da lista, estão burnout e transtornos depressivos e de ansiedade - (crédito: Lukas Bieri?Pixabay)
postado em 30/11/2023 23:34

Após 24 anos, o Ministério da Saúde atualizou a Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho (LDRT). A publicação das novas diretrizes que buscam orientar a atenção integral à Saúde do Trabalhador foi publicada nesta quinta-feira (30/11) no Diário Oficial da União (DOU). Entre as 165 patologias ocupacionais, isto é, decorrentes das atividades de trabalho, incorporadas na atualização estão burnout, transtornos depressivos e de ansiedade e covid-19 foram.

A neuropsicóloga Tatyana Azevedo explica que a inclusão dá mais segurança para o trabalhador, visto que os transtornos de saúde mental passam a ser tratados não como casos isolados, mas como responsabilidade das empresas, que devem adequar as políticas de atenção à saúde dos trabalhadores. “Como essas doenças não estavam na lista, você tinha que ter uma análise aprofundada do ambiente de trabalho, era uma exposição a situação estressante que dependia das perícias, então muitas vezes o trabalhador ficava vulnerável e aí ele acabava entrando com um benefício previdenciário comum”, explica.

Mulher de pele clara, tem cabelo castanho um pouco ondulado com luzes de um castanho mais claro. Usa um jaleco branco sobre uma blusa azul
A neuropsicóloga Tatyana Azevedo explica que a inclusão dos transtornos mentais dá mais segurança ao trabalhador em caso de afastamento (foto: Arquivo pessoal)

Além da segurança ao funcionário, a atualização da lista alerta às empresas sobre a responsabilidade de um ambiente de trabalho mais saudável. “Nem sempre precisa ser feito uma política de grande magnitude para que você possa trazer uma condição adequada para o trabalhador”, comenta. “É fazer um básico bem feito, respeitar os limites, propor metas que não sejam exorbitantes, respeitar os descansos interjornada ter atenção especial para cargos que tem uma carga mental maior e que lidam com situações de risco e alto estresse então, monitorar principalmente essas as relações de trabalho”.

Esgotamento

O burnout, ou Síndrome do Esgotamento Profissional, explica a psiquiatra Roberta França, pode ser caracterizado como um lugar onde o trabalho passa a não fazer mais sentido. “É um esgotamento físico e mental, é também uma despersonalização, é quando você não se reconhece mais naquele profissional, você desconstrói aquilo que você sempre entendeu como sendo algo importante para você”.

Mulher de cabelo liso pouco abaixo do ombro, cabelo castanho claro. Usa uma camiseta verde, está sentada e apoia o cotovelo em uma mesa e o queixo nos dedos da mão. Tem tatuagens no braço.
Para a psiquiatra Roberta França, inclusão de fatores psicossociais na lista auxilia a assegurar direitos de trabalhadores com transtornos mentais (foto: Arquivo pessoal)

De acordo com estudo feito pela International Stress Management Association (Isma), o Brasil é o segundo país com mais casos da síndrome, que atinge 30% dos trabalhadores brasileiros.

Entre eles está a internacionalista Karoline Assis, 24 anos. Em 2022, a profissional percebeu sintomas de esgotamento profissional devido a fatores como o excesso de demandas, carga horária excessiva e acúmulo de atividades que não estavam previstas em contrato. “Me sentia triste no caminho para o trabalho, ficava com uma angústia, meu coração acelerava e eu sentia vontade de chorar”, relata. “Eu comecei a me observar e ver que eu estava perdendo o apetite, fui perdendo o prazer de fazer as coisas e a não render mais no trabalho”.

A jovem foi encaminhada para um médico psiquiatra, que deu atestado de um mês para que pudesse se afastar temporariamente do emprego. No entanto, como a síndrome não constava na lista de doenças relacionadas ao trabalho, ela precisou passar por perícia do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e não recebeu auxílio da empresa em que trabalhava. “Foi um processo também estressante porque eu já estava doente, eu já não estava em condições de lutar pelo meu direito. Tive que enfrentar as filas, minha perícia foi reagendada e tive que voltar, então doeu muito assim”.

Karoline foi afastada por transtorno depressivo, mas o caso dela não foi considerado uma doença relacionada ao trabalho. “Na empresa, eles foram muito respeitosos em relação a isso e me falaram para tirar esse tempo para descansar e depois 'voltar com tudo'. Era um discurso positivo de que tudo iria ficar e que eles estariam ali me esperando, mas a empresa tinha que continuar”.

Alguns meses após o episódio, no entanto, a profissional saiu da empresa. Karoline ainda sentia medo e angústia, além de algumas outras marcas do burnout. Atualmente em outra empresa, ela conta que a produtividade não é mais a mesma que conseguia ter antigamente e que procura respeitar mais os próprios limites. “Eu tento dar o meu melhor, porém dentro das minhas limitações que vieram por conta do burnout. Às vezes vem o medo de voltar para aquele lugar que eu estive e isso me paralisa um pouco”.

Tatyana Azevedo, neuropsicóloga e mestre em psicanálise, explica que a inserção de síndromes como o burnout na classificação de doenças ocupacionais também oferece um respaldo ao trabalhador durante o período de afastamento, que muitas vezes é mais longo que o pedido inicialmente. “Principalmente para haver uma readaptação profissional, a mera inserção no local em que o estresse era tão alto pode causar novamente o retorno ao quadro”.

Fatores psicossociais

Outra atualização na lista relaciona episódios depressivos com fatores psicossociais relacionados ao ambiente de trabalho. Na versão de 1999, os episódios apareciam relacionados somente à exposição a compostos químicos como mercúrio e manganês.

“Era como se você tivesse que ter algum evento palpável para comprovar de um ponto de vista físico”, explica Roberta França. Essa ausência de exames objetivos, como aqueles que comprovam doenças físicas, fazia com que os transtornos mentais não fossem levados em consideração como doenças relacionadas ao trabalho. “Quando você traz isso para a saúde ocupacional, você tá dizendo que mesmo que não tenha uma forma de entender que estressores como ambiente de trabalho muito competitivo e agressivo em relação à cobrança por resultados também adoece. Não está na tomografia, na ressonância ou no exame de sangue, mas essa pessoa de fato está doente”.

A médica também afirma ainda que o home office foi ainda um dos fatores que intensificou os transtornos mentais relacionados ao trabalho.

  • A neuropsicóloga Tatyana Azevedo explica que a inclusão dos transtornos mentais dá mais segurança ao trabalhador em caso de afastamento
    A neuropsicóloga Tatyana Azevedo explica que a inclusão dos transtornos mentais dá mais segurança ao trabalhador em caso de afastamento Foto: Arquivo pessoal
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