Em menos de 30 anos, cidades costeiras como Rio de Janeiro e Santos, além de Guayaquil, no Equador, Ilhas Marshall, no Pacífico, e Sydney, na Austrália, estarão expostas a um risco elevado de inundações e, caso as emissões de gases de efeito estufa continuem nos níveis atuais, poderão ser totalmente engolidas pelo mar em 2100. O alerta, às vésperas da conferência climática da ONU em Dubai, a COP28, é do projeto Human Climate Horizons, apoiado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Os pesquisadores destacam que os impactos nas regiões litorâneas, que costumam ser grandes centros socioeconômicos, podem "desencadear reversões no desenvolvimento humano em todo o mundo".
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O aquecimento global não interfere apenas na atmosfera, mas a temperatura dos oceanos também está elevada. Em 2023, o serviço de informações climáticas da União Europeia, o Copernicus, registrou recorde na superfície dos mares: 20,96ºC. Mais quente, as águas aumentam de volume e causam derretimento nas geleiras (leia mais nesta página), o que contribui para a elevação do nível marinho.
O Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), uma rede independente de cientistas que elabora relatórios para a ONU, destacou, no documento mais recente, que o nível global do mar aumentou 20 centímetros entre 1901 e 2018, com 90% a 100% de probabilidade de o fenômeno ser devido ao aquecimento causado pelo homem. Além disso, o degelo e os níveis recorde de calor oceânico contribuíram para um crescimento médio de 4,63 milímetros (mm) por ano entre 2013 e 2022, quase o dobro do registrado entre 1993-2002. Em um cenário intermediário de emissões — 2ºC a mais em 2050, em relação ao século 19 —, a elevação pode ficar entre 44 cm e 76 cm.
O mundo enfrenta as consequências do aumento do nível do mar e, nos últimos 20 anos, houve mais registros de inundações litorâneas em consequência disso. Segundo o Human Climate Horizons, mais de 14 milhões de pessoas vivem em comunidades costeiras, com probabilidade anual de uma a 20 ocorrências do fenômeno. O documento mostra que, no cenário atual de emissões, 73 milhões estarão expostas ao risco aumentado de inundações.
Acordo de Paris
No cenário mais pessimista de aquecimento, 160 mil quilômetros quadrados de terras costeiras — um território maior que a Grécia — poderia ser inundado até 2100, incluindo as duas cidades brasileiras, além de localidades dos Emirados Árabes, o anfitrião da COP28. Caso o aquecimento seja limitado abaixo de 2ºC, como prevê o Acordo de Paris, 70 mil quilômetros quadrados de litoral podeM permanecer acima do nível do mar.
Em nota, Pedro Conceição, diretor do Gabinete do Relatório de Desenvolvimento Humano do Pnud, destacou que o documento é mais um lembrete aos tomadores de decisões que vão para a COP28 de que o momento de agir é agora: "Os efeitos do aumento do nível do mar colocarão em risco décadas de progresso do desenvolvimento humano em zonas costeiras densamente povoadas, onde vive uma em cada sete pessoas no mundo". Segundo ele, o deslocamento de milhões de pessoas, além da inferência nas atividades econômicas, "poderão introduzir novos elementos de instabilidade e aumentar a concorrência pelos recursos".
"Essas projeções não são conclusões precipitadas; em vez disso, podem ser um catalisador para a ação", observou Hannah Hess, diretora associada do Laboratório de Impacto Climático, organização não governamental norte-americana que contribuiu para o relatório. "Uma ação rápida e sustentada para reduzir as emissões afetará a rapidez e o quanto as comunidades costeiras serão afetadas."
Papa Francisco cancela participação na COP28
A 28ª Conferência do Clima das Nações Unidas começa nesta quinta-feira (30/11) e se estende até 12 de dezembro nos Emirados Árabes. No evento, países discutem como alcançar as metas do Acordo de Paris, de 2009, que visa reduzir as emissões de gases de efeito estufa. O papa Francisco era esperado, mas, ontem, o Vaticano anunciou que, aos 86 anos, e com uma inflamação pulmonar, o pontífice cancelou a participação.
Geleira recua a uma velocidade 94% maior
Um elemento que contribui para o aumento do nível do mar é o derretimento de geleiras, conforme estudo publicado na revista Nature Communications alerta que uma importante plataforma de gelo que se manteve estável nos últimos 50 anos recuou rapidamente entre 2018 e 2019. Segundo os autores, da Universidade de Leeds, no Reino Unido, a Geleira Cadman, na Península Antártida, perdeu gelo a uma velocidade 94% maior que o esperado no período, fenômeno que aponta para uma tendência futura.
A camada de gelo da Antártida, o maior volume congelado terrestre do mundo, é um sistema de geleiras interconectadas composto por neve que permanece nesse estado durante todo o ano. As plataformas costeiras estabilizam as que estão atrás delas, e é normal que o oceano, mais quente, derreta um pouco do manto, um processo que começa pela base desses gigantes gélidos.
Porém, se o aquecimento ficar acima do natural, o derretimento acelera, a plataforma afina-se, e a consequência é que o rápido despejamento de água doce no oceano leva ao aumento do nível do mar. Nas últimas décadas, pesquisadores têm se concentrado no desmembramento do Glaciar Larsen, no leste da Península Antártida. Banhada pelo Mar de Weddell, já sofreu perdas significativas, e uma parte dele desmantelou-se em 2002, enquanto outra já apresenta uma enorme rachadura.
Retração
Ao mesmo tempo, os glaciares da Península Ocidental, incluindo o Cadman, têm se mantido estáveis no último meio século, em comparação ao Larsen. Isso até 2018, quando começou a retração. Medições de satélites da geleira, que deságua na Baía de Beascochea, mostraram que, daquele ano até maio de 2021, houve um recuou de 8km, com o colapso da parte onde o gelo se estende para o mar.
"Ficamos surpresos ao ver a velocidade com que Cadman passou de uma geleira aparentemente estável para uma na qual vimos uma deterioração repentina e uma perda significativa de gelo", comenta Benjamin Wallis, pesquisador de Leeds que liderou o estudo. Para Michael Meredith, pesquisador do British Antarctic Survey e um dos autores do artigo, o aquecimento marinho ao redor da Antártida "representa uma ameaça significativa para as geleiras e o manto de gelo, com consequências para o aumento do nível do mar globalmente".
Para Alberto Naveira-Gabarato, professor de Oceanografia Física da Universidade de Southampton, na Inglaterra, que não participou da pesquisa, as evidências sobre o derretimento na Antártida Ocidental — e o consequente aumento no nível do mar — são um alerta de "escolhas passadas comprometedoras", que podem moldar novas decisões.
Naveira-Gabarato ressalta que ainda há tempo de reagir: "Ainda podemos salvar o resto da camada de gelo da Antártida, que contém cerca de 10 vezes mais metros além do nível do mar, se aprendermos com a nossa inação passada e começarmos a reduzir agora as emissões de gases com efeito de estufa" (PO).
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