Pesquisadores chineses relataram, pela primeira vez, o nascimento vivo de seis macacos originados de células-tronco, obtidas de dois símios da mesma espécie. O artigo, publicado na revista científica Cell, indica que no futuro a experiência ajude na cura de doenças a partir das células estaminais. A ciência havia conseguido criar ratos e camundongos de maneira semelhante, que podem servir como modelos em estudos, mas não haviam obtido o feito com primatas não humanos.
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Para a pesquisa, a equipe utilizou macacos cinomolgos, também conhecidos como comedores de caranguejo ou de cauda longa, um primata comum em ensaios biomédicos. Os estudiosos começaram os testes usando células retiradas de embriões de símios com sete dias, para criar linhas de células-tronco. Em seguida, eles cultivaram essas estruturas em laboratório para que elas pudessem se diferenciar.
Foram realizadas diversas avaliações para confirmar que essas células tinham pluripotência — habilidade de se transformar em qualquer tipo necessário para formar um animal vivo. O grupo usou uma proteína verde fluorescente para marcá-las, o que permitiu identificar quais tecidos se desenvolviam a partir das células-tronco em qualquer animal que crescesse e sobrevivesse durante o experimento.
Fase seguinte
Na etapa posterior, a equipe selecionou um subconjunto específico de células-tronco para injetar em embriões com quatro a cinco dias. Em seguida, foram implantados em macacos fêmeas, resultando em 12 gestações e seis nascidos vivos.
Zhen Liu, coautor do trabalho e pesquisador da Academia Chinesa de Ciências, está convencido de que a pesquisa vai colaborar com trabalhos futuros, que investiguem patologias específicas. Ele citou especialmente o caso do quimerismo. "As células-tronco do doador podem ser geneticamente modificadas, pois elas contribuem de forma significativa para o quimerismo, permitindo a produção de modelos de macacos com sintomas de doenças. Isso pode ser usado em aplicações biomédicas", afirmou ele, em entrevista coletiva de imprensa.
Uma análise dos animais confirmou que um macaco que nasceu vivo e um feto que sofreu um aborto espontâneo eram substancialmente quiméricos, com tecidos e estruturas que cresceram a partir de células-tronco, em todo o organismo. Ao analisar as partes do corpo, eles descobriram que cérebro, coração, rim, fígado e trato gastrointestinal continham células derivadas das estaminais.
No artigo, os cientistas afirmam que, em ambos os animais, foi notada a presença de células derivadas das tronco nos testículos e em corpúsculos que eventualmente se transformariam em espermatozoides. Naquele que nasceu vivo, a contribuição das estaminais nos diferentes tipos de tecidos variou entre 21% e 92%, com uma média de 67%.
Análise técnica
Ida Vanessa D. Schwartz, geneticista, professora titular do departamento de genética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e diretora científica da Sociedade Brasileira de Genética Médica (SBGM), reforça que a importância da pesquisa está na ampliação do conhecimento sobre a pluripotência das células-tronco.
"Essas células, dependendo da fase em que estão, podem gerar todos ou alguns dos vários tipos celulares que existem em um animal. E isso deve ser conhecido. Quando isso for conhecido, por exemplo, poderemos gerar, talvez, um fígado a partir de uma célula de sangue. E o fígado poderá ser utilizado em transplantes."
Os pesquisadores planejam explorar mais os mecanismos subjacentes à sobrevivência dos embriões nos hospedeiros, o que, segundo eles, ajudará a melhorar a eficiência da geração de quimeras. No futuro, eles pensam em aumentar a eficiência do método de geração de macacos quiméricos, otimizando as condições de cultura das células-tronco.
Bruno de Oliveira Stephan, geneticista pelo Hospital das Clínicas (HC-FMUSP), atuante no Centro de Estudos do Genoma Humano (CEGH - IBUSP) e pesquisador do Instituto do Coração, pontua que avanços na área poderão ajudar, mesmo que, talvez, essa não seja a melhor forma de estudar as células.
"Com certeza abre novas portas para células pluripotentes. Atualmente, os cientistas se desdobram para obter dados relativamente simples e ainda assim escassos sobre órgãos e tecidos maduros apenas em idade adulta, tal qual o pâncreas. Essas novas tecnologias permitiriam um acesso extremamente mais rápido e amplo ao mesmo tipo de informação."
A ética
Os cientistas afirmam que seguiram os padrões éticos para a pesquisa, não ultrapassando limites. "Acredito que não existem preocupações significativas de segurança em nosso estudo, pois nosso objetivo é estudar a proposta das células-tronco do planeta e gerar o macaco quimérico. Todos esses experimentos são realizados de acordo com as diretrizes da Sociedade Internacional de Pesquisa em Células-Tronco, e também sob as diretrizes de nossa comunidade ética em nosso instituto", destacou Zhen Liu.
Salmo Raskin, especialista em genética e diretor do Laboratório Genetika, em Curitiba, no Paraná, considera que essa maneira de estudar as células pluripotentes elimina uma série de questões éticas que surgem quando se usa embriões humanos.
"Você precisaria ter um número grande de embriões humanos para que alguns tivessem sucesso nesse desenvolvimento. Com modelos animais, não há problema com um número amostral grande. Em humanos, obviamente, isso seria inaceitável. As regras estão bem estabelecidas para o atual conhecimento da ciência a respeito do assunto. Certamente, para as próximas décadas, está bem estabelecido que isso não deve acontecer."
Palavra de especialista / Controlar as condições
"A aplicação na vida humana é exatamente nessas questões de transplantes de órgãos. Os organoides sendo produzidos assim, in vitro, não criando exatamente um macaco, mas um órgão. O macaco ter nascido vivo mostra que esse controle de reprodução é bastante complexo. Ter nascido e sobrevivido, apesar de todas essas intervenções, demonstra a viabilidade. Isso é realmente um feito enorme, por conseguirem controlar essa criação. Normalmente quando se faz essas intervenções, isso não progride. O animal não sobrevive porque acaba tendo outras anomalias."
Angelina Xavier Acosta, geneticista, supervisora do programa de residência médica de genética médica do Hospital Universitário Professor Edgard Santos/Universidade Federal da Bahia e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Genética Médica (SBGM)
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