Astronomia

Pesquisa da USP dá novas pistas sobre exoplanetas

Estudo indica que esses corpos celeste, fora do Sistema Solar, têm ao menos um elemento químico em menor quantidade, o lítio, em comparação com os demais astros

 Imagem artística da formação de um sistema planetário, composto de rochas e metais, inclusive de
Imagem artística da formação de um sistema planetário, composto de rochas e metais, inclusive de "ladrões" de elementos químicos - (crédito: NASA/Lynette Cook)
postado em 11/11/2023 06:00

Cientistas da Universidade de São Paulo (USP) encontraram uma nova forma de estimar a existência de exoplanetas — aqueles que estão fora do Sistema Solar e, assim como a Terra, orbitam uma estrela. Segundo o estudo detalhado, na revista Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, a pista é a pouca presença do elemento químico lítio nos astros brilhantes. No trabalho, a equipe usou informações de um equipamento do Observatório de La Silla, no Chile, e avaliou 152 corpos celestes. Os pesquisadores afirmam que a precisão dessa relação é de 99%.

Conforme o artigo, o equipamento utilizado — um espectrógrafo — age como um prisma, decompondo a luz da estrela em diferentes frequências. Assim consegue revelar assinaturas que refletem a composição química do objeto. Seguindo esse princípio, os pesquisadores determinaram o conteúdo de lítio dos astros, para comparar a abundância da substância entre 36 estrelas orbitadas por planetas e 156 solitárias.

Para a comparação, a equipe selecionou estrelas com massas, idades e quantidade de metais semelhantes. Os resultados encontrados revelaram que aquelas que não têm planetas conservam aproximadamente o dobro do conteúdo de lítio das associadas a exoplanetas. Testes estatísticos feitos pelos autores indicaram também que é improvável que a descoberta tenha sido ao acaso; ou seja, a probabilidade de que o resultado reflita o comportamento real é alta, cerca de 99%.

Empobrecimento

"A hipótese que defendemos é que isso ocorre devido ao processo de formação dos sistemas planetários", explica Anne Rathsam, autora principal do trabalho e doutoranda da USP. "Os corpos celestes são gerados a partir da mesma nuvem molecular e, portanto, têm os mesmos elementos disponíveis para sua formação", acrescenta.

Ainda segundo Rathsam, os elementos químicos que se condensam com facilidade em altas temperaturas — chamados de refratários —, como o lítio e o ferro, formam sólidos e compõem os planetas rochosos. "Acreditamos que o lítio tenha sido 'roubado' das estrelas pelos planetas que as orbitam durante sua formação, deixando-as empobrecida dessa substância", observa.

De acordo com Jorge Meléndez, professor doutor da USP e coautor do artigo, a descoberta tem muitas aplicações na ciência astronômica e oferece uma ferramenta mais eficaz para localizar exoplanetas. "A observação do lítio pode ser feita em apenas uma única data. Já os métodos tradicionais de detecção de planetas requerem observações em longas escalas de tempo, tipicamente obtidas ao longo de anos, e em alguns casos não é detectado nenhum planeta."

Para o especialista, a abordagem também economiza esforços de pesquisadores. "O lítio pode poupar muito tempo, pois primeiro pode ser feita apenas uma observação para caracterizá-lo e, caso a estrela seja promissora, pode ser feita uma pesquisa específica para a busca por novos exoplanetas."

Cadeirão de partículas

Na astronomia, estudar a substância tem relevância fundamental. Sua presença em estrelas mais antigas ajuda a conhecer um pouco mais sobre o espaço. "Como o universo está em expansão, isso significa que no passado já foi muito mais denso e quente. Nos primeiros minutos após o Big Bang, as condições físicas permitiram que nesse caldeirão de partículas, se formassem hidrogênio, hélio e lítio, os primeiros elementos da tabela periódica a serem produzidos, logo após a origem do universo há 13,8 bilhões de anos", narra o professor.

"Os outros elementos químicos foram formados no interior das estrelas. Embora fosse produzida apenas uma pequena quantidade de lítio, é o suficiente para ser observada nas estrelas mais antigas da Via Láctea, que carregam essa informação 'fóssil' do agitado início do nosso universo", completa o Meléndez.

Anne Rathsam considera que, por ser muito frágil e facilmente destruído sob o calor do interior estelar, estudar a quantidade de lítio é uma excelente oportunidade para saber o que ocorre dentro dos objetos brilhantes. "Em particular, conseguimos muitas informações sobre fenômenos de transporte de material na estrela, pois, para que o lítio seja destruído, ele deve ser levado a regiões internas o suficiente, onde as temperaturas são mais altas."

Para os pesquisadores, entre os desafios para esse tipo de trabalho é conseguir observações de alta qualidade para determinar o conteúdo do astro com precisão. "Dependendo das propriedades da estrela, a linha de lítio que observamos pode ser extremamente fraca, e podem ser necessárias várias horas de observação para atingir um alto sinal, que permita uma boa detecção do lítio."

Meléndez conta que o projeto continua sendo ampliado. "Atualmente, estamos aumentando a nossa amostra com novas estrelas, o que permitirá quantificar melhor a relação entre exoplanetas e o conteúdo de lítio de suas estrelas mães." Anne Rathsam acrescenta que novos elementos serão incluídos na pesquisa. "Também estudaremos a abundância de berílio em algumas das nossas estrelas. Assim como o lítio, o berílio é um elemento refratário. Portanto, se nossa hipótese estiver correta, as estrelas com planetas também devem ter abundâncias de berílio mais baixas."

 

  • Anne Rathsam, autora principal do trabalho e doutoranda da USP
    Anne Rathsam, autora principal do trabalho e doutoranda da USP Foto: Arquivo pessoal
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