ACORDO DE PARIS

Estudo alerta: meta de evitar aquecimento acima de 1,5ºC mais distante

Cálculos atualizados indicam que, em apenas seis anos, a quantidade de carbono lançada na atmosfera poderá ultrapassar o patamar previsto para o fim do século, com o objetivo de limitar aquecimento bem abaixo de 2ºC

Antes de 2030, a janela para se evitar o aquecimento acima de 1,5ºC até o fim do século, como prevê o Acordo de Paris, se fechará, alerta um estudo publicado ontem na Nature Climate Change. Os autores, do Imperial College London, na Inglaterra, descobriram que, no ritmo das atuais emissões, o orçamento global de carbono — quantidade de gases de efeito estufa que ainda pode ser lançada para alcançar a meta — tem 50% de chance de se extinguir nos próximos seis anos.

O artigo é a análise mais abrangente e atualizada do orçamento global de carbono, destacaram os autores, em uma coletiva de imprensa on-line. Formulado na Conferência do Clima de 2009, a COP15, o Acordo de Paris visa limitar o aquecimento do planeta bem abaixo (termo usado no documento) de 2ºC, chegando preferencialmente a 1,5ºC, com base nos níveis pré-industriais. Diversos estudos científicos demonstram que, ao ultrapassar essas marcas, a Terra ficará sujeita a um colapso ambiental.

Os cientistas usaram dados atualizados e uma modelagem climática aperfeiçoada, comparada a estimativas recentes, para calcular o quanto de gases de efeito estufa pode ser lançado para cumprir a meta de Paris. Eles descobriram que é muito pouco: menos de 250 bilhões de toneladas. Em 2022, foram emitidos 40 bilhões, o que significa um esgotamento ainda em 2029.

Progressos

"Nossa descoberta confirma o que já sabemos — não estamos fazendo o suficiente para manter o aquecimento abaixo de 1,5°C", destacou, na entrevista, Robin Lamboll, pesquisador do Centro de Política Ambiental do Imperial College London e principal autor do estudo. "As estimativas apontam para menos de uma década de emissões nos níveis atuais. A falta de progressos na redução das emissões significa que podemos ter cada vez mais certeza de que a janela para manter o aquecimento em níveis seguros está se fechando rapidamente."

Joeri Rogelj, professor de Ciência e Política Climática no Centro de Política Ambiental do Imperial College London, disse que a atualização do orçamento de carbono é totalmente consistente com o mais recente Relatório Climático do Painel Intergovernamental das Nações Unidas (IPCC-ONU). "Produzido em 2021, o documento destacava uma chance em três de que a quantidade disponível para emissões chegasse ao nível detectado agora", destacou.

O estudo divulgado nesta segunda-feira (30/10) também concluiu que, no ritmo das emissões atuais, o orçamento para limitar o aquecimento a 2ºC até o fim do século se esgotará em 2046."Grande parte da redução dos orçamentos de carbono advém do simples fato de a humanidade ter continuado a emitir cerca de 40 bilhões de toneladas de CO2 todos os anos desde a publicação do orçamento anterior", observou Gabriel Abrahão, do Instituto Potsdam de Pesquisa sobre Impacto Climático do Reino Unido, que não participou da pesquisa. "Mesmo que o clima não mude de forma visível e tangível de um ano para outro, a ação para reduzir as emissões tem de ser rápida e decisiva para evitar os piores impactos das alterações climáticas dentro de alguns anos."

Zero líquido

Segundo os pesquisadores do Imperial College, ainda é incerto como os sistemas climáticos responderão a um cenário de zero líquido — quando as emissões são contrabalanceadas pela captura de carbono, uma das metas da COP15 para 2050. É possível, disseram, que o clima continue a aquecer devido a efeitos como derretimento do gelo, liberação de metano e alterações na circulação oceânica.

Para Lamboll, isso ressalta ainda mais a necessidade de redução urgente dos lançamentos de gases de efeito estufa. "Nessa fase, o nosso melhor palpite é que o aquecimento e o arrefecimento irão se anular aproximadamente após atingirmos o zero líquido. No entanto, só quando reduzirmos as emissões e nos aproximarmos do zero líquido é que veremos como serão os ajustes de aquecimento e refrigeração a longo prazo", disse. "Cada fração de grau de aquecimento tornará a vida mais difícil para as pessoas e os ecossistemas. Este estudo é mais um alerta da comunidade científica. Agora, cabe aos governos agir", concluiu.

 

Palavra de especialista / Modo de emergência

"O estudo atual mostra uma coisa acima de tudo: está muito, muito apertado para alcançarmos o limite de 1,5ºC. É quase irrelevante se o orçamento se esgota em seis anos — como esse estudo sugere — ou em 10 anos, como se pensava anteriormente, se as emissões permanecerem as mesmas. É extremamente apertado de qualquer maneira. E essa não é uma descoberta nova. Mas isso não significa, de forma alguma, que devemos desistir, muito pelo contrário. Mostra que cada tonelada de dióxido de carbono poupada é ainda mais importante porque o orçamento é extremamente apertado. E mesmo que o aumento da temperatura média plurianual exceda 1,5ºC, é bom ter poupado o máximo de emissões possível de antemão, porque cada tonelada poupada leva a um menor aumento da temperatura global e, portanto, a menos danos. Esse estudo é mais um apelo para entrarmos em modo de emergência e fazermos tudo o que estiver ao nosso alcance para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa o mais rapidamente possível. 

Niklas Höhne, climatologista e especialista em mitagação de emissões da Universidade de Wageningen, na Holanda

 

Desmatamento na Amazônia sentido de longe

O desmatamento da Amazônia tem impactos de longo alcance no aumento da temperatura, segundo pesquisadores brasileiros e britânicos que publicaram, ontem, um artigo na revista Pnas. Segundo os cientistas, superfícies terrestres até 100km distantes ficam mais quentes com o desflorestamento.

Para chegar a essa conclusão, foram combinados dados de satélite sobre a temperatura da superfície terrestre e a perda de florestas na Amazônia de 2001 a 2020. As informações foram analisadas em 3,7 milhões de localidades ao longo da Bacia Amazônica. Então, os cientistas compararam o aquecimento nessas áreas às taxas variadas de desmatamento local (raio de 2km) e regional (2km a 100km de distância).

Proteção

Nas áreas onde houve pouco desmatamento, tanto local como regionalmente, a mudança média na temperatura da superfície de 2001 a 2021 foi de 0,3°C. Áreas com 40% a 50% de desmatamento local, mas pouco regional, aqueceram, em média, 1,3°C. Já naquelas em que o desflorestamento foi combinado, os termômetros aumentaram 4,4ºC.

Os cientistas também analisaram como o desmatamento futuro poderá aquecer ainda mais a Amazônia brasileira, entre 2020 e 2050. Eles examinaram dois cenários, um em que o Código Florestal é ignorado e as áreas protegidas não são salvaguardadas. O outro, onde existe alguma proteção.

No sul da Amazônia, onde a perda florestal é maior, a redução do desmatamento teria o maior benefício, reduzindo o aquecimento futuro em mais de 0,5 °C no Mato Grosso. "Novos esforços para controlar o desmatamento em toda a Amazônia brasileira foram bem-sucedidos e as taxas de desmatamento diminuíram no último ano, e agora vemos benefícios na possível redução do aquecimento que afeta as pessoas que vivem nessa região", comenta Celso von Randow, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e coautor do estudo. "Espera-se que o reconhecimento de tais benefícios resulte num apoio mais generalizado aos esforços contínuos para reduzir o desmatamento e proteger as florestas." (Paloma Oliveto)

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Modo de emergência

"O estudo atual mostra uma coisa acima de tudo: está muito, muito apertado para alcançarmos o limite de 1,5ºC. É quase irrelevante se o orçamento se esgota em seis anos — como esse estudo sugere — ou em 10 anos, como se pensava anteriormente, se as emissões permanecerem as mesmas. É extremamente apertado de qualquer maneira. E essa não é uma descoberta nova. Mas isso não significa, de forma alguma, que devemos desistir, muito pelo contrário. Mostra que cada tonelada de dióxido de carbono poupada é ainda mais importante porque o orçamento é extremamente apertado. E mesmo que o aumento da temperatura média plurianual exceda 1,5ºC, é bom ter poupado o máximo de emissões possível de antemão, porque cada tonelada poupada leva a um menor aumento da temperatura global e, portanto, a menos danos. Esse estudo é mais um apelo para entrarmos em modo de emergência e fazermos tudo o que estiver ao nosso alcance para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa o mais rapidamente possível.

 

 

Niklas Höhne, climatologista e especialista em mitagação de emissões da Universidade de Wageningen, na Holanda

 

Desmatamento na Amazônia sentido de longe

O desmatamento da Amazônia tem impactos de longo alcance no aumento da temperatura, segundo pesquisadores brasileiros e britânicos que publicaram, ontem, um artigo na revista Pnas. Segundo os cientistas, superfícies terrestres até 100km distantes ficam mais quentes com o desflorestamento.

Para chegar a essa conclusão, foram combinados dados de satélite sobre a temperatura da superfície terrestre e a perda de florestas na Amazônia de 2001 a 2020. As informações foram analisadas em 3,7 milhões de localidades ao longo da Bacia Amazônica. Então, os cientistas compararam o aquecimento nessas áreas às taxas variadas de desmatamento local (raio de 2km) e regional (2km a 100km de distância).

Proteção

Nas áreas onde houve pouco desmatamento, tanto local como regionalmente, a mudança média na temperatura da superfície de 2001 a 2021 foi de 0,3°C. Áreas com 40% a 50% de desmatamento local, mas pouco regional, aqueceram, em média, 1,3°C. Já naquelas em que o desflorestamento foi combinado, os termômetros aumentaram 4,4ºC.

Os cientistas também analisaram como o desmatamento futuro poderá aquecer ainda mais a Amazônia brasileira, entre 2020 e 2050. Eles examinaram dois cenários, um em que o Código Florestal é ignorado e as áreas protegidas não são salvaguardadas. O outro, onde existe alguma proteção.

No sul da Amazônia, onde a perda florestal é maior, a redução do desmatamento teria o maior benefício, reduzindo o aquecimento futuro em mais de 0,5 °C no Mato Grosso. "Novos esforços para controlar o desmatamento em toda a Amazônia brasileira foram bem-sucedidos e as taxas de desmatamento diminuíram no último ano, e agora vemos benefícios na possível redução do aquecimento que afeta as pessoas que vivem nessa região", comenta Celso von Randow, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e coautor do estudo. "Espera-se que o reconhecimento de tais benefícios resulte num apoio mais generalizado aos esforços contínuos para reduzir o desmatamento e proteger as florestas." (PO) 

Pesquisa encontra associação entre produção de soja e câncer infantil

A expansão da produção de soja para a pecuária e a intensificação do uso de pesticidas na Amazônia e no Cerrado brasileiros estão associados a aumento da mortalidade por câncer infantil, segundo um estudo norte-americano. Financiados pela Iniciativa de Saúde Global da Universidade de Wisconsin, os cientistas fizeram a correlação com dados oficiais brasileiros sobre saúde, uso da terra, qualidade das águas superficiais e demografia nos dois biomas. A amostra concentrou-se nas áreas rurais.

Em nota, Marin Skidmore, professor da Faculdade de Ciências Agrícolas e principal autor do artigo, publicado na revista Pnas, destaca que, nos últimos anos, o Brasil se tornou o principal produtor mundial de soja e um importante consumidor de pesticidas. "Enquanto a transição para a pecuária acontecia, havia casos documentados de envenenamento por pesticidas de trabalhadores agrícolas e evidências de produtos químicos nas amostras de sangue e urina de trabalhadores não agrícolas nas comunidades vizinhas", disse Skidmore.

Com base nesse histórico, os cientistas resolveram estudar as consequências para a saúde pública da exposição a pesticidas, centrando-se nas crianças como a população mais vulnerável. Eles analisaram especificamente as mortes por leucemia linfoblástica aguda (LLA), o câncer infantil mais comum, disseminado pelo sangue.

Estatísticas

A produção de soja na região do Cerrado triplicou de 2000 a 2019, e na região amazônica elevou 20 vezes, de 0,25 para 5 milhões de hectares. O uso de pesticidas na área de estudo também cresceu entre três e 10 vezes no período. A análise de dados mostra que um aumento de 10 pontos percentuais na produção de soja está associado a 0,40 morte adicional de todas as crianças menores de 5 anos, e a 0,21 morte adicional de pessoas abaixo de 10 anos por 10 mil habitantes.

No total, os pesquisadores estimam que 123 crianças com menos de 10 anos morreram de leucemia linfoblástica aguda associada à exposição a pesticidas entre 2008 e 2019, de um total de 226 óbitos pela doença no mesmo período. "Os resultados sugerem que cerca de metade das mortes por leucemia pediátrica no período de uma década podem estar ligadas à intensificação agrícola e à exposição a pesticidas", disse Skidmore.

O especialista enfatiza que o estudo não fornece uma ligação causal direta entre a exposição a pesticidas e as mortes por câncer. Porém, destaca que outras influências em potencial foram analisadas, sem mostrar, porém, uma influência tão forte nos óbitos quanto o uso do material tóxico na lavoura.