Dois grandes estudos sobre câncer de colo de útero, apresentados recentemente no congresso de 2023 da Sociedade Europeia de Oncologia Médica (Esmo 2023), em Madri, na Espanha, prometem mudar as práticas clínicas e diminuir em mais de 30% o risco de morte de pessoas com o diagnóstico. Outro destaque do encontro, cujo lema foi Divulgar investigação inovadora para o tratamento ideal do câncer, foi uma nova abordagem contra tumores no pulmão, que dobrou o tempo de vida sem progressão da doença.
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Considerado o maior avanço no tratamento do câncer de colo de útero em duas décadas, um estudo liderado pela Universidade College London, na Inglaterra, testou uma abordagem inovadora, com medicamentos preexistentes. O regime intensivo consiste em seis semanas de quimioterapia com carboplatina e paclitaxel — esse último desenvolvido, originalmente, para tumores de pulmão. Em seguida, as pacientes foram submetidas à radioterapia-padrão. O resultado surpreendeu os próprios pesquisadores: redução de 35% no risco de morte e de recidiva.
"Essa é a maior melhoria para a doença em mais de 20 anos. Estou extremamente orgulhosa de todos os pacientes que participaram; a contribuição deles nos permitiu reunir as evidências necessárias para melhorar o tratamento em todo o mundo", disse, em nota, Mary McCormack, pesquisadora principal do estudo. O câncer de colo de útero, ou cervical, é o segundo mais frequente em mulheres de regiões em desenvolvimento e, no Brasil, de acordo com o Instituto Nacional de Câncer (Inca), o terceiro que mais mata pessoas do sexo feminino.
No ensaio de 10 anos, nomeado Interlace, os cientistas incluíram 500 pacientes, atendidas em hospitais do Reino Unido, do Brasil, do México, da Índia e da Itália. As mulheres haviam sidos diagnosticadas com tumores grandes o suficiente para serem vistos sem microscópio. A doença, porém, ainda não havia se espalhado para outras partes do corpo.
As participantes foram selecionadas aleatoriamente para receber a terapêutica-padrão ou o tratamento proposto pelos pesquisadores. Após cinco anos, 80% daquelas submetidas à nova abordagem estavam vivas, e 73% não tinham visto o câncer regressar ou se espalhar. No primeiro grupo, os percentuais foram 72% e 64%, respectivamente. "Nosso estudo mostra que esse curto curso de quimioterapia adicional administrado imediatamente antes da radioterapia pode reduzir o risco de retorno do câncer ou morte em 35%", ressaltou McCormack.
Impacto
Abraão Dornellas, oncologista do Hospital Israelita Albert Einstein, integrante do comitê científico do Instituto Vencer o Câncer e participante do Esmo 2023, considera que o ensaio muda a prática clínica atual. "Hoje, em pacientes com câncer de colo de útero localizado, o tratamento é direto, de quimioterapia com radioterapia. Com esses dados, deveremos agora fazer quimioterapia de indução (a primeira fase do tratamento) com seis ciclos, uma aplicação venosa por semana, seguidos de quimioterapia combinada à radioterapia."
Segundo os autores do estudo, os medicamentos necessários para a abordagem — carboplatina e paclitaxel — são relativamente baratos, acessíveis e aprovados para uso. Portanto, eles acreditam que a terapêutica poderá ser colocada em prática de forma rápida. Para Dornellas, esse é um ponto de extrema relevância porque "é um regime conhecido, bem tolerado, que muda a ação do consultório, mexe no dia a dia. Sem dúvida nenhuma, causa um grande impacto para pacientes oncológicas e deverá ser implementado logo".
Eduardo Paulino, especialista em câncer ginecológico da Oncologia D'Or, acredita que o avanço apresentado no Esmo 2023 poderá ser aplicado em breve no Brasil. "A maioria das pacientes diagnosticadas no país apresentam doença localmente avançada no diagnóstico. Então, elas têm indicação para receber essa terapia de indução, desde que o estado clínico permita." O médico, que acompanhou o congresso, pontua, ainda, que os remédios têm uso autorizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). "Importante salientar que essas medicações estão disponíveis no sistema público de saúde. Então, a abordagem também pode ser realizada no Sistema Único de Saúde (SUS)."
Outra pesquisa apresentada com destaque na reunião também retrata o futuro do combate a tumores de colo de útero. O ensaio clínico da dinamarquesa Genmab, que contou com a participação de Fernando Maluf, oncologista brasileiro e fundador do Instituto Vencer o Câncer, testou a eficácia do anticorpo-droga conjugado Tisotumabe vedotina (TV), uma abordagem inovadora, nos cuidados de pacientes com a doença. Os resultados se mostraram animadores, com diminuição de 30% do risco de morte, em comparação à quimioterapia.
Metástase
Para o estudo, o grupo convocou 502 pacientes com recidiva ou em metástase. Uma vez a cada três semanas, as pacientes recebiam o TV ou um quimioterápico. Além da redução no risco de morte pela doença, houve um aumento significativo na sobrevida global — tempo até o óbito por qualquer causa. Nas mulheres tratadas com o anticorpo-droga conjugado, foram 11,5 meses, contra 9,5 meses registrados entre as medicadas de forma convencional.
Maluf explica que o anticorpo conjugado à droga se liga a um receptor que fica superexpresso no câncer do colo de útero, o chamado fator tecidual. Então, o tratamento libera dentro da célula uma substância altamente tóxica, que inibe a proliferação do tumor. "Esse remédio vai ser o medicamento de escolha-padrão para pacientes com câncer de colo de útero avançado, quando falharam tratamentos quimioterápico e com imunoterápicos, e também com bloqueadores dos vasos sanguíneos."
Segundo pesquisadores, os resultados do ensaio clínico de fase III comprovam a eficácia do Tisotumabe vedotina usado em segunda ou terceira linha (quando o primeiro tratamento falhou). Durante o teste, a abordagem promoveu melhores respostas e apresentou um perfil de segurança tolerável. Fernando Maluf explica que os efeitos colaterais mais importantes observados foram neuropatia periférica, fadiga e alterações oculares, "mas a grande maioria de grau leve e transitório". Para ele, não tarda para que o TV seja utilizado em maior escala. "Deve vir para o Brasil daqui a mais ou menos um ano", estima o oncologista.
Terapia-alvo para pulmão
Entre os destaques do congresso de 2023 da Sociedade Europeia de Oncologia Médica (Esmo 2023), está o ensaio Libretto-431, que revelou um avanço significativo no combate ao câncer de pulmão de células não-pequenas. A substância usada para a pesquisa, selpercatinibe, conseguiu mais que dobrar a sobrevida livre de progressão da doença (PFS), em comparação com a quimioterapia convencional.
A nova abordagem aumentou o período vivido sem agravamento da patologia de 11,2 meses para 24,8. A ação principal da droga é inibir a atividade do gene RET, que, quando está anormalmente ativo, contribui para o crescimento descontrolado das células cancerosas. Ao bloquear essa atividade, ele ajuda a controlar o avanço do tumor.
Para o trabalho, os cientistas, liderados pela Universidade Chinesa de Hong Kong, contaram com a participação total de 261 pacientes de 23 países. Os voluntários passaram por teste molecular de biópsia do câncer e foram divididos para receber a nova abordagem ou a quimioterapia padrão. Ao observar os resultados, a equipe notou que, além do aumento da PFS, houve melhorias clinicamente significativas nas taxas de resposta. A progressão de metástases no sistema nervoso central também foi mais lenta com a droga testada.
Oral
Janice Farias, oncologista da Oncoclínicas Brasília e participante do Esmo 2023, explica que o selpercatinibe é administrado oralmente, duas vezes ao dia. “O remédio também age no sistema nervoso central. Diferentemente da quimioterapia, que não tem alvo específico no corpo e age tanto em células sadias como doentes, ele vai atuar de forma seletiva nas células do câncer que possuem fusão RET, sendo, portanto, uma terapia-alvo.”
Conforme os especialistas, do ensaio apoiam a utilização de testes genômicos abrangentes no diagnóstico e estabelecem o selpercatinibe como uma opção de tratamento de primeira linha. Farias torce para que em breve o medicamento seja aprovado para uso no Brasil. “Houve maior eficácia com maior taxa de resposta e sobrevida livre de progressão. Esperaremos a autorização das agências regulatórias, como a Anvisa, para iniciar essa droga na primeira linha de tratamento, o que trará benefício importante para a vida dessas pessoas.” (IA)
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