EPIDEMIA

Esporotricose: doença transmitida por gatos está em expansão no Brasil

Pesquisadores falam sobre o nível epidêmico da esporotricose no país; gatos são vítimas e não devem ser abandonados, maltratados ou sacrificados

Os casos de esporotricose, uma micose transmitida por gatos que causa lesões na pele, crescem em níveis epidêmicos no Brasil. É o que apontam especialistas da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e do Instituto Nacional de Infectologia (INI) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), ouvidos pelo Correio. A doença não integra a lista de notificação obrigatória do Ministério da Saúde, o que causa desconhecimento de dados na maioria dos estados brasileiros.

O infectologista Flávio Telles, coordenador do Comitê de Micologia Médica da SBI e consultor do Ministério da Saúde para doenças causadas por fungos, aponta que o número de casos vêm aumentando progressivamente ao longo da última década. “Trata-se de uma epidemia em expansão. (...) Isso ocorre porque não há controle da doença entre os felinos. Não há vacinas, o tratamento do gato doente é longo e requer dedicação do tutor.”, ressalta.

Em nota, o Ministério da Saúde indica que, mesmo sem um sistema oficial de registro dos casos de esporotricose humana, “dados de dispensação dos medicamentos para o tratamento dessas pessoas sugerem um aumento no número de casos”. Além disso, há registros de formas graves da doença, com disseminação para outros locais do organismo, e sua expansão geográfica no país.

Segundo o médico dermatologista e chefe do Laboratório de Pesquisa Clínica em Dermatologia Infecciosa do INI Evandro Chagas da Fiocruz, Dayvison Freitas, há um aumento de casos e uma “hiperendemia”, quando uma doença endêmica passa a crescer de forma acentuada. A mudança desse cenário ocorre desde 1998, quando “o fungo se adaptou de uma forma tão grande ao gato, que o felino passou a transmitir para outros gatos, para o ser humano e cães também”, analisa. Pesquisador em saúde pública, Freitas explica que, mesmo com poucas chances de ser fatal, o fungo pode se tornar grave e o tratamento deve ser iniciado assim que a doença for identificada.

Entenda a esporotricose

Causada pelo fungo Sporothrix brasiliensis, encontrado no solo e em matéria orgânica em decomposição, a esporotricose pode afetar gatos, cachorros e humanos. Os felinos contaminados transmitem a doença por meio de arranhões, mordidas e secreções, resultando em uma infecção subcutânea. Pessoas e cães, conforme Telles, não transmitem a infecção.

Em humanos, os sintomas incluem nódulos avermelhados na pele, principalmente nas mãos, braços, pés, pernas e rosto. Nos gatos, os sinais se manifestam como feridas na região do rosto e das patas, podendo se espalhar para o restante do corpo.

Em ambos os casos, a doença tem cura. O tratamento em animais deve ser orientado por um médico-veterinário. Segundo a Fiocruz, o animal melhora aos poucos depois de iniciar o remédio adequado, mas o tratamento deve seguir até pelo menos dois meses após as feridas desaparecerem e os pelos voltarem a crescer. Os bichos são considerados curados após esse prazo.

De acordo com o Ministério da Saúde, o tratamento em humanos deve ser realizado após a avaliação clínica, com orientação e acompanhamento médico. O Sistema Único de Saúde (SUS), por meio da Secretaria de Vigilância em Saúde, oferece gratuitamente o itraconazol e o complexo lipídico de anfotericina B para o tratamento da esporotricose humana.

Crescimento da doença no Brasil

Atualmente, segundo o Ministério da Saúde, apenas dez estados já incluíram a esporotricose humana em suas listas de notificação compulsória de doenças, ou seja, determinam a comunicação obrigatória de casos. São eles: Amazonas, Bahia, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pernambuco, Paraná, Paraíba, Rio de Janeiro e Rondônia.

O Paraná adotou a notificação obrigatória em 2022, e é um exemplo de expansão da doença. Com base nos dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), a Secretaria de Saúde do estado relata que os números parciais de 2023 já mais que dobraram em relação ao total do ano anterior. Em 2022, foram confirmados 215 casos de esporotricose em humanos, enquanto neste ano, já foram registrados 578 casos.

Outro exemplo de crescimento ocorre na Bahia, onde os dados parciais também já superaram o total do ano passado. A Secretaria de Saúde do estado disse que informações atuais apontam 492 casos em 2023, um número superior aos 402 diagnósticos registrados durante todo o ano de 2022.

Embora ainda não seja uma determinação estadual, a cidade de São Paulo já adota a notificação compulsória para a doença. A Secretaria de Saúde da capital paulista, por meio da Coordenadoria de Vigilância em Saúde (Covisa), relatou que em 2022, até setembro, foram confirmados 388 casos de esporotricose humana, enquanto em 2023, até setembro, foram diagnosticados 403 casos.

Pernambuco classifica a esporotricose como uma "zoonose emergente de interesse estadual", mesmo sem crescimento em relação a 2022. De acordo com a Secretaria de Saúde do estado, foram diagnosticados 287 casos da doença em humanos no ano passado. Em 2023, até o mês de outubro, foram 155 diagnósticos.

“Nós não temos uma vigilância federal por notificação. Então, com o aumento do número de casos, alguns estados foram reconhecendo que havia um problema de saúde pública, envolvendo meio ambiente, animais e humanos. Conforme os estados foram tendo o crescimento de casos, eles foram instituindo a notificação compulsória em nível estadual”, explica Dayvison Freitas.

Cenário local

O atual panorama da doença é desconhecido no Distrito Federal. Em nota, a Secretaria de Saúde do DF disse que “não dispõe dos dados, já que não é uma doença de notificação compulsória” na unidade da federação. O órgão explica que a esporotricose deixou de ter notificação obrigatória em agosto de 2022, após revogação de uma portaria de 2021 que determinava a comunicação dos casos.

Mesmo assim, a médica infectologista que atua em Brasília, Joana D’arc Gonçalves, indica que, na prática diária, tem visto mais casos associados a traumas ou ferimentos na pele causados por arranhões de gatos, em especial felinos de rua ou silvestres. Ela também menciona acidentes com pessoas que cuidam de animais abandonados sem a devida proteção.

“A esporotricose está em ascensão. Sem uma vigilância eficaz, a situação passa despercebida e, com uma rede de cuidados frágil, podemos ter problemas mais sérios no futuro”, alerta Gonçalves.

Recomendações e cuidados

De acordo com o Ministério da Saúde, o tratamento deve ser realizado após a avaliação clínica, com orientação e acompanhamento médico. O Sistema Único de Saúde (SUS), por meio da Secretaria de Vigilância em Saúde, oferece gratuitamente o itraconazol e o complexo lipídico de anfotericina B para o tratamento da esporotricose humana.

Animais com sinais da doença não devem ser abandonados, maltratados ou sacrificados. Eles devem ser levados para a avaliação de um médico-veterinário e início do tratamento. Toda manipulação de bichos doentes pelos seus donos e veterinários deve ser feita com o uso de equipamentos de proteção individual (EPI).

O infectologista Flávio Telles destaca que a notificação compulsória é importante para entender melhor os casos e reforçar os tratamentos. Segundo o especialista, as medidas de prevenção devem incluir a castração de animais, limitação de seu acesso à rua, além da orientação de cremar bichos que morrem de esporotricose. “É importante ainda implantar medidas educativas e de saúde para esclarecer a existência da doença, explicando que o gato é uma vítima e não o culpado”, frisa.

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