H1N1

Cientistas criam galinhas que são imunes ao vírus da gripe aviária

Resultado inédito abre caminho para a geração de animais que dificultem a replicação de vírus que podem causar uma nova pandemia, avaliam autores

Pesquisadores das universidades de Edimburgo, na Escócia, e de Cambridge, na Inglaterra, criaram, de maneira inédita, galinhas geneticamente modificadas imunes à gripe aviária. As aves com pequenas alterações em um gene se mostraram altamente resistentes à doença, com nove em cada 10 não apresentando sinais de infecção quando expostas ao vírus. Segundo a pesquisa, divulgada nesta terça-feira (10/10), na revista Nature, o estudo é um passo importante na geração de galinhas resistentes à influenza aviária. No entanto, ainda há muito trabalho a ser feito para que esses animais fiquem completamente resistentes ao patógeno da influenza A, enfatizam os autores.

A equipe orientada por Mike McGrew, pesquisador do The Roslin Institute, na Escócia, usou a técnica CRISPR/Cas9 para editar o genoma de embriões de galinha e gerar animais com mutações específicas no gene ANP32A. Quando as aves editadas foram inoculadas com mil unidades infecciosas do vírus, dose equivalente à exposição no mundo real, apenas 10% foram infectadas e liberaram uma quantidade muito baixa de vírus em poucos dias.

No entanto, quando submetidas a uma dose muito maior, de um milhão de unidades infecciosas, cinco das 10 aves foram infectadas, embora com uma carga viral muito inferior à observada nos animais do grupo de controle. As aves editadas no experimento não apresentaram efeitos adversos à saúde ou à produtividade da postura de ovos durante os mais de dois anos em que foram monitoradas. "A produção de galinhas transgênicas que inibem o vírus da influenza aviária (IAV) impediu a transmissão viral para aves vizinhas foi a primeira demonstração de que a engenharia genética poderia ser usada para introduzir resistência a doenças infecciosas em galinhas", enfatizam, no estudo, os autores.

Igor Marinho, infectologista do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), explica que o vírus é transmitido das aves para humanos, causando sintomas semelhantes a uma gripe, mas com risco de agravamento. "Pode causar uma síndrome gripal que leve a coriza, cefaleia e febre. Mas, em alguns casos, pode evoluir, causando sintomas mais graves, como falta de ar e até uma insuficiência respiratória grave que pode estar relacionada ao óbito", detalha.

Conforme o especialista, a taxa de letalidade é relativamente baixa. Porém, é preciso ficar de olho no agente infeccioso, alerta Marinho. "Já tivemos algumas crises, algumas epidemias relacionadas à gripe aviária com uma taxa de letalidade que chegou a ser próxima de 10%, 20% dos pacientes contaminados. É uma doença muito contagiosa uma vez que tem mutação do vírus."

De acordo com o artigo, qualquer infecção representa um risco devido ao potencial de replicação do micro-organismo. Quando testado nas galinhas geneticamente editadas, o patógeno adquiriu mutações que o ajudaram a utilizar duas proteínas para se replicar. Dessa forma, os autores sugerem que a edição e a eliminação adicionais de outros genes associados, o ANP32B e o ANP32E, também impediriam a replicação do vírus.

Em uma segunda etapa do experimento, eles editaram os três genes em células de galinha cultivadas em laboratório, e a replicação do vírus foi completamente bloqueada. Para os cientistas, isso sugere que a edição genômica de múltiplos genes pode ser necessária para criar animais completamente resistentes ao vírus da influenza A. A equipe planeja testar essa abordagem em galinhas vivas.

Conforme os autores, essa poderá ser uma alternativa viável para o combate à doença. A gripe aviária está amplamente dispersa na Ásia, na Europa, na África e nas Américas, representando uma ameaça para as espécies de aves selvagens, custos econômicos para os agricultores e um risco para a saúde humana. A vacinação das aves contra a doença não é viável, segundo especialistas.

Monitoramento

Thiago Borba, veterinário em Brasília, explica que o controle da doença é feito por meio do monitoramento do contato com aves silvestres, da higienização do ambiente e do controle do trânsito de equipamentos e pessoas no ambiente em que há esses animais, como granjas e aviários. Para o profissional, a tecnologia apresentada na Nature deverá ajudar também no cuidado de outros bichos. "Com o avanço genético, poderemos produzir animais mais resistentes de qualquer espécie, com o intuito de garantir a produção de qualidade e resistente a muitas cepas já conhecidas", cogita.

Segundo o infectologista André Cortez, os vírus da gripe aviária são comparáveis aos que causaram a gripe espanhola no início do século 20, pois a doença provoca inflamação aguda nas vias aéreas superiores, podendo, em alguns casos, levar a problemas graves no pulmão e estar ligada a eventos cardiovasculares, como infarto. "Essa é uma razão importante para a vacinação em idosos", enfatiza.

Entre outras preocupações do especialista, está o potencial de causar pandemias devido a possíveis mutações. "Novas variações do vírus podem ter maior potencial patogênico ou causar pandemias. O desenvolvimento de aves geneticamente modificadas pode ser uma inovação tecnológica, pois reduz o risco de transmissão de vírus respiratórios dos animais para humanos e as perdas na produção alimentícia. Porém, devido à alta capacidade de mutação dos vírus, é vital o monitoramento epidemiológico molecular, visando a prevenção de novos surtos."

André Bon, infectologista do Hospital Brasília, da Rede Dasa, pontua que conseguir evitar a doença nos animais é uma boa forma de evitar crises de saúde humana.

"Desenvolver maneiras de ter animais criados em cativeiros e que não sejam suscetíveis a esses vírus torna menor a probabilidade desse vírus circular e, eventualmente, passar das aves para os seres humanos, levando a uma nova grande pandemia. É por isso que essa nova abordagem é interessante, para reduzir o risco de surgimento de uma nova pandemia como a de H1N1."

 


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Estratégia promissora

"Essa pesquisa vem, em um primeiro momento, ajudar a prevenir a disseminação em aves domesticadas. Se conseguirem fazer essa modificação em larga escala, atingir grandes produtores, você diminui a chance de infecção em seres humanos. O estudo mostra uma forma de combate, de limitar a transmissão. Acredito que seja uma coisa boa, mas ainda está em uma fase inicial e tem de ser aperfeiçoada. A gente também tem que lembrar que o agronegócio e a criação de aves movimenta milhões. Então, se um aviário tem uma doença dessa, que pode matar, o impacto econômico e social é gigantesco."

Werciley Vieira Júnior,
médico infectologista do
Hospital Santa Lúcia