CÂNCER

Pacientes oncológicos têm maiores taxas de sobrevivência com radioterapia 'turbinada'

Novidades apresentadas em congresso de oncologia clínica nos Estados Unidos aumentam as taxas de sobrevivência de pacientes e reduzem tempo de tratamento, melhorando a qualidade de vida

A radioterapia é um dos procedimentos mais adotados no tratamento de cânceres — segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), entre 60% e 70% dos pacientes são submetidos a essa terapia. Por esse motivo, há uma diversidade de esforços para que ela seja cada vez mais aprimorada. Resultados de pesquisas apresentados na Reunião Anual da Sociedade Americana de Oncologia de Radiação (Astro 2023) — realizada, neste mês, em San Diego (Estados Unidos) — mostram o quanto cientistas têm avançado nesse objetivo e como essa tecnologia está desempenhando um papel cada vez mais importante no enfrentamento dos mais diversos tipos da doença.

Uma pesquisa liderada pela Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, mostra que o tratamento acelerado de radiação — com menos sessões e doses mais altas — é eficiente contra o câncer de cabeça e pescoço. Para o trabalho, os cientistas realizaram um ensaio clínico envolvendo pacientes de 10 países, incluindo o Brasil. Eles descobriram que a aplicação de um ciclo de radiação em 20, em vez de 33 sessões, foi igualmente eficaz no controle da doença, sem o aumento dos efeitos colaterais.

Todos os 792 pacientes tinham câncer avançado na região da cabeça e pescoço, sendo o mais comum (50,5%) na orofaringe. O tratamento aplicado consistiu na administração de radioterapia em duas modalidades: 33 sessões, totalizando 66 Gy (energia de radiação absorvida por um tecido ou uma área específica do corpo), com seis sessões por semana durante 5,5 semanas; ou 20 sessões, totalizando 55 Gy, com cinco sessões por semana durante quatro semanas.

Após três anos, foi constatado que os pacientes submetidos ao tratamento mais rápido apresentaram resultados semelhantes em termos de controle do câncer no local, além de efeitos colaterais tardios quando comparados aos que receberam a terapêutica mais prolongada. Não houve diferenças significativas nas taxas de sobrevivência global e de sobrevivência livre de progressão da doença.

"Esse é um ensaio que informa diretamente como você pode administrar radioterapia de maneira eficaz em um ambiente com recursos escassos", enfatiza, em nota, o principal autor do estudo, Søren Bentzen, professor de radio-oncologia da Escola de Medicina da Universidade de Maryland. A avaliação é a mesma de Arthur Rosa, líder da especialidade de radioterapia do Grupo Oncoclínicas. "A metodologia pode reduzir pela metade o tempo de tratamento de uma doença prevalente no nosso país, aumentando a capacidade terapêutica. A oncologia é uma ciência em constante evolução." Para o médico, a pesquisa de Maryland foi o grande destaque do congresso.

Próstata

Outra abordagem apresentada na Astro 2023 mostrou-se positiva em casos de câncer de próstata. Trata-se da radioterapia corporal estereotáxica (SBRT). O estudo, chamado PACE B, mostrou que a SBRT tem um desempenho equivalente à abordagem padrão em pacientes cujo câncer de próstata não se espalhou: a taxa de controle da doença foi de 96% em cinco anos, contra 95%.

Para o trabalho, os cientistas cadastraram 874 pacientes, que foram designados aleatoriamente para receber a SBR ou radiação padrão. Cinco anos após o tratamento, os submetidos à abordagem mais moderna apresentaram resultados tão bons quanto os que receberam o tratamento tradicional.

Conforme o estudo, a SBRT é uma forma avançada de radioterapia que reduz ou destrói tumores com doses mais altas de radiação administradas em um pequeno número de sessões ambulatoriais. A tecnologia utiliza técnicas modernas de imagem e planejamento para fornecer radiação com extrema precisão, minimizando danos ao tecido saudável circundante. Normalmente, os pacientes submetidos à radioterapia para câncer de próstata recebem de 20 a 40 doses. A SBRT, por sua vez, costuma ser administrada em cinco sessões ou menos.

Rins

Já uma equipe de cientistas australianos e holandeses descobriu que idosos diagnosticados com tumores renais que não têm indicação para cirurgia também podem se beneficiar de radiação direcionada em altas doses. O ensaio, nomeado Fastrack 2, mostrou bons resultados entre pacientes tratados com uma abordagem chamada radioterapia corporal ablativa estereotáxica (SABR).

"Nosso estudo demonstrou que um novo tratamento administrado em ambiente ambulatorial é capaz de alcançar uma eficácia sem precedentes para pacientes com câncer renal inoperável. Há uma necessidade não atendida de cura desse tipo de câncer, e nossas descobertas apontam para o potencial da radioterapia para atender a essa necessidade", disse, em nota, o principal autor do estudo, Shankar Silva, professor da Universidade de Melbourne, na Austrália.

Para o trabalho, Silva e seus colegas trataram 70 pacientes com SABR em uma ou três sessões, conforme o tamanho do tumor. Nenhum dos pacientes apresentou progressão local do câncer renal durante o período do estudo e também não houve mortes. A sobrevida global foi de 99% um ano após a abordagem, e de 82% aos três anos.

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Biópsia líquida para a radiação

A biópsia líquida é comumente utilizada para investigação e diagnóstico de tumores e recidivas da doença. No entanto, essa estratégia pode ser aplicada com outras finalidades, segundo trabalhos apresentados na Reunião Anual da Sociedade Americana de Oncologia de Radiação (Astro 2023). Entre as utilizações, estão identificar se a radioterapia será uma alternativa eficiente para um paciente e detectar resíduos do câncer após o tratamento.

Um dos ensaios divulgados mostra que um novo teste de biópsia líquida pode ajudar a identificar quais pacientes com câncer de pulmão de células não pequenas têm maior probabilidade de se beneficiar de radiação direcionada em altas doses, em vez da terapia baseada em medicamentos. "Nossas descobertas sugerem que o nível de DNA tumoral circulante, e não o número de tumores em si, é uma medida mais precisa da carga da doença", afirma, em nota, o autor sênior do estudo, Aadel Chaudhuri, professor da Escola de Medicina da Universidade de Washington, nos Estados Unidos.

Segundo os autores, identificar quais pacientes com doença oligometastática — quando as células do tumor original viajam dentro do corpo para formar novos tumores em outros locais — se beneficiarão desse tipo de tratamento com radiação concentrada é um desafio. Para buscar um meio de vencer essa barreira, eles analisaram dados de 309 pacientes submetidos à biópsia líquida.

Aqueles com ctDNA, material genético do tumor, detectável no exame de sangue antes da radioterapia tiveram pior sobrevida global, em comparação aos sem ctDNA detectável. A média da sobrevida global foi de 16,8 meses para os participantes do primeiro grupo, em contraste com 25 meses para os do segundo. Os cientistas afirmam que os achados sugerem que pacientes com níveis baixos ou ausentes de ctDNA detectável têm maior probabilidade de se beneficiar da radioterapia.

"É importante estudar essa tecnologia porque, realmente, isso pode mudar a maneira de a gente avaliar a situação da doença. Hoje, fazemos exames como tomografias e ressonância para ver se há tumor residual", diz Rodrigo Dienstmann, integrante do Comitê de Oncogenética e Oncogenômica da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC). "Porém, ainda está sendo estudada a utilidade clínica da biópsia líquida em diferentes tipos de tumores. Então, não é uma tecnologia amplamente disponível para qualquer tipo de tumor." (IA)

Duas perguntas para

Bibiana Ferreira Gouvea Ramos Especialista em Radioterapia e Alta tecnologia da Clínica Vitta

  

Como o tratamento com doses mais altas de radiação e menos sessões se diferencia dos tradicionais?

Nos estudos apresentados na Astro 2023, temos duas formas de aplicação da radioterapia que vêm crescendo nos últimos anos. No caso do artigo sobre câncer de rim, chamamos o tratamento de radioterapia estereotáxica ou radiocirurgia. Importante que se entenda que a radiocirurgia é um tratamento não invasivo, sem necessidade de cortes ou de sedação. Consiste em aplicações de doses altíssimas de radiação, sendo de quatro a cinco vezes maiores, quando comparadas às doses convencionais. Isso proporciona uma alta taxa de morte das células tumorais independentemente da resistência ao tratamento convencional. Consideramos o câncer de rim um tumor resistente ao tratamento convencional de radioterapia. Porém, quando aplicamos radiocirurgia, a destruição da célula tumoral ocorre.

Quais os requisitos para a aplicação dessa tecnologia?

Para realizar esse tipo de tratamento, são necessários aparelhos de alta tecnologia e uma equipe especializada (médicos e físicos). O planejamento e a aplicação devem ser extremamente precisos, pois as doses altas não poderão atingir os órgãos saudáveis que ficam próximos ao tumor. Esse tratamento só é possível de ser realizado em tumores pequenos. A radiocirurgia é um tratamento muito seguro, mas dependendo da região aplicada, pode trazer complicações locais. Na era moderna da radioterapia, indicamos a radiocirurgia em diversos cenários, principalmente no tratamento de tumores pulmonares sem possibilidade de cirurgia e nas metástases (doença disseminada).