Prêmio Nobel

Nobel de Medicina: dupla de cientistas leva prêmio por vacina de mRNA

Katalin Karikó e Drew Weissman foram os pioneiros no desenvolvimento de tecnologia que salvou milhões de vidas durante a pandemia da covid-19

Laureados em uma entrevista coletiva na Universidade da Pensilvânia: ambos pensaram que telefonema anunciando a premiação era trote -  (crédito:  AFP)
Laureados em uma entrevista coletiva na Universidade da Pensilvânia: ambos pensaram que telefonema anunciando a premiação era trote - (crédito: AFP)
postado em 03/10/2023 06:00

A bioquímica húngara Katalin Karikó e o pesquisador americano Drew Weissman são os vencedores do Prêmio Nobel de Medicina de 2023. Os cientistas foram laureados por seus trabalhos sobre RNA mensageiro (mRNA), que abriram o caminho para o desenvolvimento de vacinas contra covid-19. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), no planeta todo, desde o início da pandemia até 27 de setembro, foram confirmadas 770.875.433 infecções pela doença e 6.959.316 óbitos. Ainda de acordo com o órgão, o Brasil acumula 37.720.419 casos e 704.659 mortes. Conforme o júri da premiação, a dupla, que estava entre os favoritos, foi escolhida por contribuir para a criação da substância a um ritmo sem precedentes durante uma das maiores ameaças para a saúde da humanidade nos tempos modernos.

Karikó e Weissman receberão um diploma, uma medalha de ouro e um cheque no valor de quase cinco milhões de reais das mãos do rei da Suécia, Carl XVI Gustaf, em uma cerimônia solene em Estocolmo em 10 de dezembro. A data é o aniversário da morte do pesquisador Alfred Nobel, que criou o prêmio em seu testamento, em 1896.

Ao escolher a pesquisa, o Comitê do Nobel em Estocolmo rompeu com a tradição de reconhecer trabalhos com décadas de trajetória. Karikó, 68 anos, e Weissman, 64, trabalham juntos na Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, e já venceram diversos prêmios, incluindo o Lasker Award, que é considerado uma honraria que antecipa o Nobel. Também conquistaram o Prêmio Princesa das Astúrias em 2021, que compartilharam com outros cientistas.

A tecnologia premiada nesta segunda-feira (02/10) é de 2005, mas as primeiras vacinas que utilizaram mRNA foram desenvolvidas pelos laboratórios Pfizer/BioNTech e Moderna contra a covid-19 durante a pandemia. Até agora, mais de 13 bilhões de doses foram aplicadas, considerando todos os imunizantes que combatem o Sars-CoV-2. Diferentemente das substâncias que utilizam vírus enfraquecidos ou pedaços de proteínas do micro-organismo, a técnica do RNA mensageiro usa moléculas que informam às células quais anticorpos devem produzir.

Victor Bertollo, infectologista do hospital Anchieta, em Brasília, explica que o novo tipo de vacina se diferencia muito das que existem há mais tempo. "Nós temos praticamente dois tipos principais de vacinas, as inativadas, que têm apenas fragmentos de bactérias ou vírus, e as vivas atenuadas. Historicamente, essas últimas são mais eficazes, justamente porque promovem uma infecção por uma versão mais fraca do que seria a original daquele patógeno. Agora, as de RNA mensageiro enganam o organismo, fazendo com que ele acredite que existe ali um vírus, que existe um agente vivo nas células, e isso ativa vias do sistema imune que levamà produção dessa resposta imune muito mais robusta."

Gustavo Cabral, imunologista da Universidade de São Paulo e pós-doutor nas universidades de Oxford, na Inglaterra, e Berna, na Suíça, acredita que o conhecimento sobre RNA mensageiro poderá fazer parte de vacinação profilática, evitando o colapso da saúde. "Essa tecnologia pode e deve ser usada para outros alvos. Essa é a grande questão do desenvolvimento tecnológico de vacinas, é ter a plasticidade para múltiplas aplicações, fazer alterações necessárias em laboratórios, mas com a mesma estratégia para poder ser usada em outras vacinas e trabalhar com a imunização profilática e preventiva."

Ainda segundo Cabral, que atualmente lidera pesquisas para o desenvolvimento de vacinas no Departamento de Imunologia da USP, a tecnologia tem importância imensurável em todos os âmbitos da sociedade, não apenas na saúde, mas para a educação e a economia. "O que foi feito com a tecnologia de RNA mensageiro é difícil de calcular. Por mais que a gente estipule números de vidas salvas. É muito mais que isso, é salvar vidas e trazer esperança em todos os âmbitos." 

 Julival Ribeiro, infectologista da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), também destaca que o uso da plataforma de mRNA vai além da covid. "Não tenhamos dúvidas que essa tecnologia será usada para outras vacinas, mas também para outras doenças." O médico também ressalta que todos os pesquisadores que participaram do desenvolvimento de outras vacinas contra a covid-19 merecem reconhecimento, mas acredita que os laureados, em especial, receberam o prêmio pela inovação. "Nós temos que agradecer a todos que lutaram por outros imunizantes, mas esse em questão foi o que mostrou mais eficácia. Tanto que hoje domina o mundo quando se fala sobre vacinação da covid." 

Palavra de especialista: 800 estudos em andamento

"Essa vacina pode ser utilizada para quaisquer outros patógenos e, no mundo, temos cerca de 800 estudos em andamento que usam essa plataforma contra agente infecciosos, mas também pesquisas que usam a tecnologia para dar comandos de quais proteínas devem ser fabricadas e quais não devem. Isso pode ser usado a nosso favor. Por exemplo, sabendo que uma pessoa que tem uma propensão muito alta a um determinado tipo de tumor, os cientistas podem lançar mão da tecnologia para que o corpo não fabrique essas proteínas. A descoberta pode servir para oncologia, para doenças autoimunes, como lúpus, e para doenças infecciosas e cardíacas. É um ganho para a humanidade. A gente já tem boas perspectivas para formulação de vacina de mRNA para dengue, influenza, chikungunha, HIV e até mesmo malária, que é uma doença negligenciada. Então, existem imunizantes já sendo pensados e desenvolvidos nessa plataforma de mRNA para podermos viver com mais qualidade."

Maria Aparecida Teixeira, infectologista do Hospital de Base

Mônica Calazans
Mônica Calazans, primeira pessoa a ser vacinada no Brasil (foto: Arquivo pessoal)

 "Esperança e coragem"

"Ao saber que pesquisadores que trabalharam no desenvolvimento de vacinas ganharam o Nobel, o sentimento que me veio foi de esperança e coragem. Quando recebi o imunizante, demonstrei que podemos confiar na ciência, pois havia pessoas empenhadas em trazer uma solução para a doença que estava matando sem escolher classe social, gênero ou cor. Os cientistas foram imediatistas e entenderam que, se não agissem de forma rápida, o planeta seria consumido pelo vírus. Eu visto a camisa da vacina, pois vacinar é um ato de amor, cuidado e principalmente segurança com a saúde. Tem gente que ainda não completou o ciclo vacinal, isso é preocupante. É muito triste ouvir pessoas que não tomaram a vacina e saber que há mães que não acreditam. É necessário fazer mais campanhas, bater sempre na mesma tecla dizendo que vacinas salvam. Doenças foram erradicadas graças aos imunizantes, então não podemos retroceder, temos que avançar."

Mônica Calazans, enfermeira no Rio de Janeiro e primeira pessoa a receber a vacina no Brasil. Ela foi imunizada com a coronavac, que utiliza a tecnologia do vírus inativo.

Pessoa tomando vacina
Em 2005, os cientistas publicaram um artigo sobre a base das vacinas anticovid (foto: National Cancer Institute/unsplash)
 

Um alvo ignorado

No fim da década de 1980, grande parte da comunidade científica estava focada no uso do DNA para fornecer terapia genética, mas Katalin Karikó acreditava que o RNA mensageiro também era promissor, já que a maioria das doenças não é hereditária e não necessita de soluções que alterem permanentemente a genética. No entanto, a cientista, primeiro, teve que superar um grande problema: em experimentos com animais, o mRNA sintético provocava uma grande resposta inflamatória quando o sistema imunológico detectava um invasor e tentava combatê-lo.

A cientista conheceu seu principal colaborador e co-vencedor do Nobel Drew Weissman, em um encontro casual no final dos anos de 1990, enquanto fotocopiavam artigos de pesquisa, na Universidade da Pensilvânia, onde são professores. Depois disso, começaram a investir ainda mais na investigação do mRNA como um potencial terapêutico. Eles descobriram que um dos quatro componentes básicos do material sintético estava defeituoso, e conseguiram superar o problema trocando-o por uma versão modificada.

Os pesquisadores publicaram, então, um artigo sobre a descoberta em 2005. Dez anos depois, encontraram uma nova maneira de administrar RNA mensageiro em ratos, usando uma camada de gordura chamada nanopartículas lipídicas, que impede a degradação do material genético e ajuda a colocá-lo na parte correta das células. As duas inovações foram fundamentais para as vacinas contra a covid-19 desenvolvidas pela Pfizer e por sua parceira alemã BioNTech, de onde Karikó agora é vice-presidente sênior. Também foram a base das injeções produzidas pela norte-americana Moderna.

Karikó recebeu a notícia pelo marido, que atendeu o telefonema enquanto ela ainda dormia. Após alguns minutos de incredulidade, ligou para o parceiro de pesquisa e contou a novidade antes mesmo dos organizadores. "O anúncio foi meio que muito científico e continha muita informação para alguém simplesmente inventar. Mas nunca se sabe, nos dias de hoje, (...) mas agora eu tenho 100% de certeza", disse, em uma entrevista ao site do Nobel.

Também em uma conversa com o site do Nobel, Weissman, ao ser questionado pelo entrevistador da instituição sobre os sentimentos que afloraram, afirmou que o Nobel era um desejo antigo, mas velado. "Você sabe, é um sonho para toda a vida. E isso vem de alguém que não trabalha nem anseia por prêmios. Mas você sabe, o Nobel é o reconhecimento máximo do trabalho, então é uma experiência maravilhosa." (IA)

  • Mônica Calazans
    Mônica Calazans, primeira pessoa a ser vacinada no Brasil Foto: Arquivo pessoal
  • Em 2005, os cientistas publicaram um artigo sobre a base das vacinas anticovid
    Em 2005, os cientistas publicaram um artigo sobre a base das vacinas anticovid Foto: National Cancer Institute/unsplash
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