Estudos

Até limpar a casa evita a morte precoce por doenças cardiovasculares

Dedicar-se a tarefas cotidianas por menos de 10 minutos é associado à proteção contra doenças do coração. Atividades precisam ser moderadas ou vigorosas

Menos de 10 minutos de atividade física moderada a vigorosa já é o suficiente para evitar doenças cardiovasculares e reduzir o risco de morte precoce por essas causas, diz um estudo com mais de 25 mil pessoas de 43 a 78 anos. Os pesquisadores se concentraram não nos exercícios feitos na academia, mas em movimentos da vida diária, como subir escadas, faxinar a casa e passear com o bebê.

Para medir a duração e a intensidade dessas atividades, os participantes usaram dispositivos vestíveis, também conhecidos como wearables, como relógios inteligentes, que monitoram parâmetros de saúde. Os pesquisadores cruzaram os registros médicos dessas pessoas, cujos dados estão no Biobank, do Reino Unido, com o tempo e o vigor com que desempenhavam as tarefas. A inteligência artificial analisou as informações, que foram coletadas ao longo de oito anos.

O estudo é observacional, ou seja, não estabelece uma relação de causa e efeito. Porém, os dados sugerem diversas associações entre as atividades incidentais e os benefícios cardiovasculares. Movimentar-se constantemente por pelo menos um a três minutos em sessões que, juntas, acumulam 10 minutos diários, esteve associado a uma redução de 29% no risco de infarto e acidente vascular cerebral (AVC). Intervalos muito curtos de baixa intensidade (menos de um minuto) não surtiram esse efeito. Os melhores benefícios foram sentidos por aqueles que registraram intensidade vigorosa, arfando por cerca de 10 segundos a cada minuto de esforço.

O autor do estudo, Emmanuel Stamatakis, da Universidade de Sydney, na Austrália, cunhou um termo para as atividades incidentais: atividade física vigorosa de estilo de vida intermitente (Vilpa, sigla em inglês). "São tarefas que fazemos na rotina, como atividades domésticas vigorosas, fazer compras pesadas no mercado, caminhar com intensidade ou brincar com as crianças", explica. "A Vilpa é como aplicar os princípios do treinamento intervalado de alta intensidade (HIIT) à vida cotidiana", compara. Antes do estudo atual, publicado na revista The Lancet Public Health, Stamatakis realizou uma pesquisa com 22 mil pessoas associando a Vilpa à redução de risco de câncer.

Sedentarismo

O pesquisador, que copresidiu, em 2020, as Diretrizes Globais da Organização Mundial da Saúde sobre Atividade Física e Comportamento Sedentário, afirma que menos de um em cada cinco adultos de meia-idade pratica exercícios regularmente, por motivos que vão de falta de dinheiro e tempo a estado de saúde. Embora reconheça que o ideal é ter uma atividade estruturada, ele afirma que é preciso pensar em estratégias que reduzam riscos entre sedentários.

"Algumas sessões muito curtas de atividades podem ajudar muito, e há muitas tarefas diárias que podem ser ajustadas para aumentar sua frequência cardíaca por um minuto ou mais. Elevar a intensidade das atividades diárias não requer compromisso de tempo, preparação, associação a clubes ou habilidades especiais. Trata-se simplesmente de acelerar o ritmo enquanto caminha ou fazer as tarefas domésticas com um pouco mais de energia", defende.

"Esse estudo sugere que as pessoas poderiam reduzir potencialmente o risco de eventos cardíacos graves ao se envolverem em atividades de vida diária de intensidade pelo menos moderada, onde idealmente se movem continuamente durante pelo menos um a três minutos de cada vez", disse, em nota, o coautor do artigo Matthews Ahmadi, pesquisador de pós-doutorado na Universidade de Sydney. "Na verdade, parece que isso pode ter benefícios de saúde comparáveis a sessões mais longas", observa.

Stamatakis complementa que a mensagem do estudo é que "qualquer tipo de atividade é boa para a saúde, mas quanto mais esforço você colocar nessas tarefas diárias e quanto mais tempo você mantiver essa energia, mais benefícios você provavelmente colherá".

Novas diretrizes

Segundo os pesquisadores, o artigo traz algumas das primeiras evidências diretas para apoiar a ideia de que o movimento não precisa ser concluído em sessões contínuas de, pelo menos, 10 minutos, para ser benéfico. A crença era amplamente difundida até que a OMS removeu essa orientação de suas diretrizes, destacando, no lugar, que "cada movimento conta para a saúde melhor".

No artigo, autores escrevem que, se as descobertas forem verificadas em pesquisas futuras, poderão ser traduzidas em diretrizes de saúde pública. "Elas poderão levar mensagens de saúde pública à população em geral, aumentando a sensibilização para os potenciais benefícios de períodos curtos de atividade física na vida cotidiana, especialmente para adultos que não praticam ou não podem praticar exercício".

Stamatakis observa que esse tipo de pesquisa é possível, agora, graças à tecnologia dos dispositivos vestíveis. "Nosso conhecimento anterior sobre os benefícios da atividade física vigorosa para a saúde vem de estudos baseados em questionários, mas eles não podem medir sessões curtas de qualquer intensidade", diz. "A capacidade da tecnologia wearable de revelar 'micropadrões' de atividade física, como a Vilpa, tem um enorme potencial para demonstrar as formas mais viáveis e eficientes em termos de tempo para as pessoas se beneficiarem da atividade física."

Mais Lidas

Incidência até 32% menor

Em julho, a equipe de pesquisadores liderados por Emmanuel Stamatakis, da Universidade de Sydney, publicou na revista Jama um estudo com 22 mil pessoas, associando atividades rotineiras vigorosas à redução de risco de câncer. Cerca de 3,5 minutos diários teve relação com até 18% menor incidência de tumores malignos. Já 4,5 minutos reduziram em até 32% esse risco.

Quantidade com intensidade

"Para a saúde cardiovascular, não se trata apenas da quantidade de atividade física, mas também da intensidade. Aumentar o volume total de atividade física não é a única maneira de reduzir a probabilidade de desenvolver doenças cardiovasculares. Aumentar a intensidade das atividades que você já realiza também é particularmente importante. Você pode, por exemplo, acelerar a caminhada diária até o ponto de ônibus ou executar as tarefas domésticas mais vigorosamente."

Paddy C. Dempsey, pesquisador das universidades de Leicester e de Cambridge

Coronavírus infecta e se replica nas artérias do coração

LEG
Ação do Sars-CoV-2 pode explicar o maior risco de doenças cardiovasculares em quem teve covid

 

O Sars-CoV-2 pode infectar diretamente as artérias do coração e fazer com que a placa de gordura dentro delas fique altamente inflamada, aumentando o risco de ataque cardíaco e acidente vascular cerebral (AVC). É o que diz um estudo financiado pelo Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos. As descobertas, publicadas na revista Nature Cardiovascular Research, podem ajudar a explicar por que algumas pessoas que contraem covid-19 têm maior probabilidade de desenvolver doenças cardiovasculares ou por que as que já têm, de sofrer mais complicações relacionadas com o coração.
No estudo, os pesquisadores se concentraram em idosos com acúmulo de gordura, conhecida como placa aterosclerótica, que morreram de covid-19. No entanto, como os cientistas descobriram que o vírus infecta e se replica nas artérias, independentemente dos níveis de placa, as descobertas podem ter implicações mais amplas para qualquer pessoa que contraia a doença infecciosa, disseram.
“Desde os primeiros dias da pandemia, sabemos que as pessoas que tiveram covid-19 têm um risco aumentado de doença cardiovascular ou acidente vascular cerebral até um ano após a infecção”, disse Michelle diretora associada interina do Programa de Pesquisa Translacional Básica e Inicial do Instituto Nacional do Coração, do Sangue e dos Pulmões. “Acreditamos ter descoberto uma das razões para isso.”


Embora estudos anteriores tenham demonstrado que o Sars-CoV-2 pode infectar diretamente tecidos como o cérebro e os pulmões, pouco se sabia sobre o seu efeito nas artérias coronárias. Os pesquisadores tinham conhecimento que, depois que o vírus atinge as células, o sistema imunológico do corpo envia glóbulos brancos conhecidos como macrófagos para ajudar a eliminar o patógeno. Nas artérias, essas estruturas também ajudam a remover o colesterol e, quando ficam sobrecarregadas com a substância, transformam-se num tipo especializado de células chamadas espumosas.
Os pesquisadores pensaram que, se o Sars-CoV-2 pudesse infectar diretamente as células arteriais, os macrófagos que normalmente ficam soltos poderiam aumentar a inflamação na placa existente, explicou Chiara Giannarelli, professora associada nos departamentos de Medicina e Patologia da Universidade de Nova York e autora sênior do estudo. Para testar a teoria, os cientistas retiraram tecido das artérias coronárias e placas de pessoas que morreram de covid-19 e confirmaram que o vírus estava presente.
Reservatórios
Em seguida, pegaram células arteriais e de placas — incluindo macrófagos e células espumosas — de pacientes saudáveis e as infectaram com Sars-CoV-2 em laboratório. Eles descobriram que o vírus também infectou esses materiais orgânicos. Além disso, constataram que o vírus infecta macrófagos a uma taxa mais elevada do que outras células arteriais. As espumosas carregadas de colesterol foram as mais suscetíveis à infecção e incapazes de eliminar prontamente o patógeno. Isso sugeriu que elas poderiam atuar como um reservatório de Sars-CoV-2 na placa aterosclerótica. Ter mais acúmulo gorduroso, portanto, pode aumentar a gravidade ou persistência da covid-19.
Os pesquisadores, então, voltaram sua atenção para a inflamação que previram que poderia ocorrer na placa após infectá-la com o vírus. Eles rapidamente documentaram a liberação de moléculas, conhecidas como citocinas, que aumentam os padrões inflamatórios e promovem a formação de ainda mais gordura.
As citocinas foram liberadas por macrófagos infectados e células espumosas. “Esse estudo é extremamente importante, pois contribui para um conjunto de trabalhos para compreender melhor a covid-19”, disse Olive. “Esse é apenas mais um estudo que demonstra como o vírus infecta e causa inflamação em muitas células e tecidos do corpo. Em última análise, essa é uma informação que dará suporte a pesquisas futuras sobre covid aguda e longa.”