UNIVERSO

Com portas abertas de James Webb, cientistas procuram pela 'fórmula da vida'

Para descobrir a existência de seres alienígenas, cientistas apostam no estudo dos elementos químicos que, na Terra, deram origem aos primeiros micróbios até chegar aos vertebrados. Telescópio James Webb abriu uma nova frente de investigações

A busca por vida fora da Terra levou a Agência Espacial Norte-Americana (Nasa) a investir bilhões em um supertelescópio capaz de detectar assinaturas biológicas em planetas distantes. Também já fez muita gente criar farsas escabrosas, como misturar ossos humanos e crânios de lhamas, jurando serem múmias de ETs (essa era a composição dos supostos extraterrestres apresentados, há duas semanas, no Congresso Nacional do México). Até agora, porém, não há sinais de vizinhos, e isso se deve ao fato de os ingredientes de um ser vivo serem limitados.

Segundo uma equipe de pesquisadores da Universidade de Wisconsin-Madison, nos Estados Unidos, na "despensa" do Universo, os elementos necessários para a vida como se conhece na Terra são escassos. Como se não bastasse, há poucas maneiras conhecidas de misturá-los, o que limita ainda mais a busca. Então, eles resolveram escrever um "livro de receitas" potenciais para dar origem a um ser vivo, ainda que primitivo.

O artigo, publicado no Journal of the American Chemical Society, mostra que, talvez, os cientistas não estejam procurando nos lugares certos. Em primeiro lugar, os autores esclarecem que, muito possivelmente, a vida fora da Terra não se parecerá com o que se conhece no planeta. Isso inclui a inteligência — ao menos da forma como se entende esse conceito por aqui. Betul Kaçar, astrobióloga que recebe financiamento da Nasa para suas pesquisas, explica que também não basta juntar os elementos e esperar que, daí, saia um ser vivo. É preciso repetir a receita muitas vezes, insiste.

A cientista turca é conhecida do público leigo por uma palestra no TED no fim de 2021, assistida até agora por quase 1,8 milhão de pessoas. Nela, explica que, do ponto de vista da biologia, a vida é uma reação química que explora soluções para problemas apresentados pelo ambiente ao seu redor, retendo a memória dessas respostas ao longo de bilhões de anos.

Com modelos matemáticos, estatísticos e evolutivos, a equipe de Betul Kaçar chegou à possível sequência genética primordial, que daria origem a todo o resto. "Nós sintetizamos essas antigas moléculas e as inserimos em organismos. Pela primeira vez, conseguimos ativar moléculas que existiram há bilhões de anos para entender o que aconteceu ali", narra. "Se tivermos uma receita da vida e conseguirmos ligar os pontos entre os dois estados — vivente e não vivente —, talvez, possamos olhar para determinados ambientes, como luas e planetas, estudá-los e checar se estão dando luz à vida."

Segundo Kaçar, a origem da vida "é um processo de algo a partir do nada". "Mas esse algo não pode acontecer apenas uma vez. A vida se resume à química e às condições que podem gerar um padrão de reações que se autorreproduz." No estudo atual, a cientista e o pesquisador de pós-doutorado Zhen Peng compilaram 270 combinações, incluindo átomos de todos os grupos e séries da tabela periódica, com o potencial para autocatálise sustentada — processos químicos que produzem moléculas capazes de repetir a mesma reação diversas vezes. "Pensava-se que esses tipos de reações eram muito raras", diz Kaçar. "Estamos mostrando que, na verdade, está longe de ser raro. Você só precisa procurar no lugar certo."

Proporcionalidade

Os pesquisadores concentraram-se nas chamadas reações de proporcionalidade. Nesses casos, dois compostos que incluem o mesmo elemento com diferentes números de elétrons — ou estados reativos — combinam-se para criar um novo composto. "Para ser autocatalítico, o resultado da reação também precisa fornecer materiais de partida para que o processo ocorra novamente, de modo que o resultado se torne uma nova entrada", diz Zach Adam, coautor do estudo e geocientista que pesquisa as origens da vida na Terra.

As reações de proporcionalidade resultam em múltiplas cópias de algumas das moléculas envolvidas, fornecendo materiais para as próximas etapas da autocatálise, explica. "Se essas condições forem adequadas, você poderá começar com relativamente poucos desses resultados", diz Adam. "Cada vez que você dá uma volta no ciclo, produz pelo menos um resultado extra que acelera a reação e faz com que ela aconteça ainda mais rápido."

Para facilitar, ele explica que a autocatálise é como uma população crescente de coelhos. "Pares se juntam, produzem ninhadas e, então, os novos coelhos crescem para formar pares e produzir ainda mais coelhos. Não são necessários muitos animais para, em breve, termos muitos mais coelhos."

Como "buscar coelhos" no Universo não é tão fácil assim, Betul Kaçar espera que os cientistas consultem o artigo que ela e Adam publicaram, peguem algumas receitas e as testem em "panelas" que simulem ambientes extraterrestres. "Nunca saberemos com certeza o que exatamente aconteceu na Terra para gerar vida. Não temos uma máquina do tempo. Mas, em um tubo de ensaio, podemos criar múltiplas condições planetárias para compreender de que forma a dinâmica para sustentar a vida pode evoluir."

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Buscar planetas distantes pode ser mais promissor

Se, de fato, houver outras formas de vida fora da Terra, há, entre astrobiólogos, uma bolsa de apostas para determinar se a descoberta será feita em planetas vizinhos ou naqueles fora do Sistema Solar. Enquanto a exploração in loco tem a vantagem de se poder coletar amostras — coisas que o rover Curiosity vem fazendo, por exemplo, em Marte —, o estudo de mundos mais distantes conta, hoje, com o supertelescópio James Webb, que não apenas captura imagens, mas é capaz de decifrar a composição molecular de atmosferas, como o CO2, detectado, na semana passada, na lua Europa, de Júpiter.

"Temos boas razões para esperar que a primeira detecção venha de um exoplaneta", disse, em um comunicado, Mary Voytek, diretora do Programa de Astrobiologia da Nasa, em Washington. Ela destacou que, embora os planetas do Sistema Solar sejam mais diretamente acessíveis, encontrar vida neles é um desafio técnico imenso. "Nossa melhor esperança, em Marte, é o subsolo. Quanto tempo levará até que possamos perfurar o subsolo? Nos casos das luas Encélado, de Saturno, e Europa, de Júpiter, estamos falando de oceanos subterrâneos, abaixo de quilômetros de gelo. Quanto tempo levará para realmente conseguirmos fazer isso?", questionou.

Já os exoplanetas, apesar dos desafios da detecção remota, são um imenso alvo: milhares deles já foram confirmados na Via Láctea, e supõem-se que existam milhões. Para Michael Way, do Instituto Goddard para o Espaço, em Nova York, o James Webb é apenas o primeiro de futuros observatórios que buscarão sinais de vida — as chamadas bioassinaturas — fora da Terra. "No curto prazo, é claro, esperamos que o Webb seja capaz de detectar bioassinatura nas atmosferas de alguns mundos", diz. "Não está claro, para mim, se os instrumentos que estarão on-line no início de 2030 serão capazes de fazer isso ou não, mas existem cálculos que mostram que é possível."

Uma das tecnologias mais esperadas para a busca de vida alienígena é o futuro telescópio espacial Observatório de Mundos Habitáveis, da Nasa. O instrumento ainda é um conceito, mas a ideia é que, nas próximas décadas, ele seja capaz de observar 25 planetas potencialmente semelhantes à Terra. Também ainda na fase de rascunho está o Breakthrough Starshot, do setor privado, que utilizaria lasers para enviar uma frota de sondas para explorar a estrela Proxima Centauri, dentro de 20 a 30 anos. (PO)

Aposta nos micróbios

"A Terra tem 4,5 mil milhões de anos, mas uma descoberta surpreendente é que a vida evoluiu muito rapidamente no planeta. No início da formação, o planeta era muito quente, e a água líquida não era estável. Qualquer água existia na forma de vapor. À medida que esfriava, choveu e evaporou continuamente, levando à formação de oceanos. Depois que os oceanos foram criados, a vida surgiu rapidamente na forma de micro-organismos. Esses micróbios descobriram como realizar a replicação do DNA, o metabolismo, como respirar e comer em um curto espaço de tempo, e foram a vida dominante por bilhões de anos. A vida complexa, como os animais e os humanos, não evoluiu até recentemente. É chocante quanto tempo levou para a vida inteligente se formar. Se eu tivesse que adivinhar como seria a vida extraterrestre, provavelmente seria vida microbiana, com base em observações sobre as formas de vida mais antigas e mais sobreviventes na Terra. A vida inteligente é, provavelmente, rara na nossa galáxia. Sou cético em relação à escuta de comunicações e ao envio de mensagens para o espaço em busca de outra vida inteligente porque acho improvável uma vida complexa capaz de interpretar esses sinais."

Nathan Yee, professor de ciências da Terra e planetárias e de ciências ambientais da Rutgers University