A sensibilidade do cérebro à insulina pode ser afetada pela fase do ciclo menstrual, mostra um estudo liderado por cientistas da Alemanha. Os autores descobriram que essa condição aumenta durante a fase folicular — do primeiro dia do ciclo até a ovulação. O mesmo processo, porém, não ocorreu na fase lútea, que começa com a pós-ovulação. A pesquisa publicada, recentemente, na revista Nature indica, ainda, que essa alteração no cérebro está ligada à sensibilidade ao hormônio no restante do corpo, um mecanismo relacionado ao surgimento do diabetes.
Estudos anteriores apontaram que o cérebro é sensível à insulina, e que esse hormônio atinge neurônios especializados. A resistência cerebral pode levar a disfunções metabólicas em outros órgãos, incluindo fígado, músculos e tecido adiposo — importantes na regulação da glicose no sangue, fator relacionado ao diabetes. Já se sabe, também, que pode haver diferenças de gênero na regulação desse processo.
Martin Heni, professor do Hospital Universitário Ulm, e colegas investigaram a influência da atividade do hormônio no cérebro de 11 mulheres, que foram submetidas a um procedimento para medir a sensibilidade à insulina. Dois testes foram realizados na fase folicular e outros dois, na lútea. Elas receberam um spray nasal de insulina ou placebo, o que ajudou a equipe a detectar sensibilidades diferentes ao hormônio nas duas fases do ciclo.
Em um segundo estudo, que envolveu mais 15 mulheres, os cientistas usaram exames de ressonância magnética para medir a sensibilidade à insulina no hipotálamo, região cerebral que controla funções como fome e sede. Essa avaliação também foi feita em combinação com a administração de insulina no cérebro por meio de spray nasal. Assim como observado no primeiro teste, os resultados mostraram uma marcada responsividade do hipotálamo à insulina na fase folicular, mas não na fase lútea, sugerindo resistência à insulina no cérebro nessa segunda fase.
Os autores explicam que a insulina desempenha um papel central na regulação da glicose. Embora a ação desse hormônio seja vital em órgãos periféricos, o cérebro também exerce uma influência significativa no metabolismo sistêmico. "Ele coordena os processos metabólicos nos órgãos periféricos e, assim, regula a distribuição de energia por todo o corpo. No entanto, condições como a obesidade podem induzir a resistência à insulina cerebral, interrompendo esses processos, o que tem consequências desfavoráveis a longo prazo, como a obesidade visceral", detalha Heni.
João Lindolfo Borges, endocrinologista e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), pontua que os mecanismos exatos ligados à modulação da sensibilidade cerebral à insulina pelo ciclo menstrual ainda não são totalmente compreendidos. "É sugerido que alterações nos níveis de hormônios sexuais, particularmente estrogênio e progesterona, podem desempenhar um papel. O estrogênio demonstrou ter efeitos neuroprotetores e pode aumentar a sensibilidade à insulina nos tecidos periféricos. A progesterona, por outro lado, é associada à resistência insulínica", detalha.
Karen de Marca, diretora da SBEM, destaca haver a influência de outros fatores. " A composição corporal dessa mulher, se ela tem obesidade, se tem aumento apenas da gordura abdominal, se é uma pessoa que faz atividade física", lista. "Um dos principais mecanismos para termos sensibilidade insulínica é uma boa dieta, com menos carboidratos, e praticando atividade física. O sono reparador também conta. Então, esses fatores com o ciclo menstrual regular, em que você secreta hormônios adequadamente, favorecem a boa sensibilidade à insulina."
Mais apetite
A especialista acredita que o principal papel da variação na sensibilidade à insulina está associado a mudanças no apetite feminino durante o ciclo menstrual, sobretudo por conta dos níveis hormonais. "Essas variações hormonais podem mudar o apetite, a preferência alimentar, podem, talvez, interferir em um processo de emagrecimento ou de manutenção de peso pela tendência à ingestão de alimentos mais doces ou maior quantidade de comida na segunda metade da fase lútea", indica. "Pensando em uma paciente com diabetes, esse comportamento alimentar e possível piora da resistência insulina nessa fase também poderiam piorar o controle da doença."
De Marca pondera que se tratam de poucos dias, o que pode ter influenciado para essa diferença no ciclo não ser considerada relevante. "Mas acho que cabe orientação sobre como evitar possível piora do controle sobre a alimentação nessa fase do ciclo", diz. Quanto a uma aplicação imediata das descobertas, o líder do estudo é enfático. Para ele, as informações podem servir de base para pesquisas clínicas maiores. "Traduzir diretamente essas descobertas para influenciar a prática clínica seria prematuro. Por enquanto, é essencial abordar nossos resultados com otimismo cauteloso e uma compreensão clara de que a aplicação clínica direta não é imediata."
A equipe planeja conduzir o estudo com um número maior de participantes e investigar uma possível associação com outras complicações médicas. "Estamos particularmente interessados em como nossas descobertas se traduzirão para mulheres com síndrome dos ovários policísticos. Além disso, planejamos aprofundar nossa compreensão sobre por que e como essas mudanças na sensibilidade à insulina cerebral ocorrem, suas implicações mais amplas e como se integram com outros processos metabólicos no corpo", conta Heni.
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