Danos em pequenos vasos sanguíneos do cérebro aumentam o risco de comprometimento cognitivo e demência. Um estudo da Universidade de Sherbrooke, no Canadá, publicado, nesta quarta-feira (27/09), na revista Neurology associa a ocorrência dessa doença cerebrovascular à duração da fase reprodutiva das mulheres. Aquelas que entram na menopausa mais cedo — ou seja, que têm menor exposição cumulativa ao hormônio estrogênio — são mais suscetíveis a desenvolver complicações como a demência vascular secundária.
No estudo, os pesquisadores examinaram a relação entre a exposição hormonal ao longo da vida, a expectativa de vida reprodutiva e o estado da substância branca do cérebro — um biomarcador comum da saúde vascular cerebral. A pesquisa abrangeu 9.163 mulheres que haviam passado pela menopausa, com, em média, 64 anos e sem doença cerebral de pequenos vasos no início da investigação.
Essas participantes forneceram informações sobre saúde reprodutiva, incluindo idade da primeira menstruação e da menopausa, número de gestações, uso de contraceptivos orais e terapia hormonal. Além disso, foram submetidas a exames cerebrais, onde pôde-se avaliar a quantidade de hiperintensidades na substância branca do cérebro. Essa condição aparece como pontos brilhantes nos exames e é um indicativo de doença de pequenos vasos, problemas vasculares cerebrais e isquemia, entre outras complicações.
Segundo Kevin Whittingstall, autor sênior do estudo, na doença das pequenas artérias cerebrais, os pequenos vasos sanguíneos do cérebro tornam-se menos saudáveis e eficazes em fornecer sangue ao tecido cerebral. Isso ocorre naturalmente, à medida que as pessoas envelhecem. Mas pode ser acelerado por fatores de risco cardiovasculares, como a hipertensão. "Após a menopausa, quando os níveis hormonais diminuem significativamente nas mulheres, o risco de doença das pequenas artérias cerebrais aumenta. Nosso estudo descobriu que uma exposição prolongada aos hormônios ao longo da vida pré-menopausa pode conferir proteção que se estende para a vida pós-menopausa."
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Os pesquisadores calcularam a exposição hormonal das voluntárias somando o número de anos em que estiveram grávidas e a duração da vida reprodutiva — entre a primeira menstruação e a menopausa. O tempo médio foi de 40 anos. Ao consideraram fatores como idade, pressão arterial elevada e hábito de fumar, concluíram que as participantes que tiveram maior exposição ao estrogênio apresentaram menos hiperintensidades na substância branca do cérebro. Em média, o volume total dessas hiperintensidades foi de 0,0019ml. Naquelas com maior exposição hormonal, houve uma diferença de 0,007ml a menos. "Nossos resultados indicam que os hormônios podem promover a saúde cerebrovascular", enfatiza Whittingstall.
Guilherme Olival, neurologista da Beneficência Portuguesa, em São Paulo, explica que há fortes evidências desse efeito protetor do hormônio sexual feminino. "A gente já sabe que o estrogênio tem esse papel porque as mulheres têm taxas menores de AVC (acidente vascular cerebral) e doenças cerebrovasculares no período anterior à menopausa. Esse estudo mostra que o cérebro feminino que passa por uma exposição maior ao hormônio se mantém saudável por mais tempo", resume.
Olival explica que as manchas brilhantes na substância branca do cérebro também são chamadas de microangiopatias e consideradas uma espécie de micro AVCs. "Conforme elas vão se somando, o paciente pode desenvolver até mesmo um quadro chamado de demência vascular secundária, um tipo de demência que se desenvolve como resultado direto de problemas vasculares no cérebro", indica.
Reposição hormonal
Os cientistas também calcularam a exposição hormonal considerando os anos de uso de contraceptivos orais e de terapia de reposição hormonal. Esses fatores parecem não influenciar as hiperintensidades na substância branca do cérebro, avaliaram. Eles concluíram, ainda, que o número de gestações e a duração dos anos reprodutivos afetaram os níveis de lesões cerebrais de forma independente.
A equipe pontua que o trabalho não prova que a menor exposição ao estrogênio causa doença cerebral de pequenos vasos, mas que há uma relação forte entre os dois fenômenos. Apesar disso, os cientistas consideram que as conclusões indicam pontos a serem considerados na prática clínica. "Esses resultados enfatizam a necessidade de integrar a história reprodutiva na gestão da saúde cerebral em mulheres na pós-menopausa. Pesquisas futuras devem investigar formas de desenvolver melhores terapias hormonais", narra Whittingstall.
Marcelo Lobo, neurologista do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, acredita que, se comprovada a relação descrita no trabalho, seriam acrescidas vantagens à terapia de reposição hormonal. "Isso, provavelmente, indicaria que essa terapia, talvez mais precoce ou mais prolongada, poderia ser um caminho para o envelhecimento saudável e a prevenção de doenças cerebrovasculares", indica. "No entanto, a abordagem também pode aumentar o risco de câncer de mama e de endométrio e trombose venosa profunda. Por isso, é importante discutir os benefícios e riscos da terapia hormonal com o médico antes de iniciar o tratamento."
Os próximos passos do estudo vão incluir a compreensão sobre como os hormônios oferecem proteção cerebral e de que maneira os resultados obtidos poderão ser usados para desenvolver uma abordagem personalizada na redução do risco de doenças cerebrovasculares em mulheres na pós-menopausa. "Além disso, nossa análise exploratória indicou que a terapia hormonal tópica, ou seja, por meio de adesivos ou géis, pode ser especialmente benéfica. Certamente, isso é algo que desejamos estudar mais profundamente no futuro", indica Whittingstall.
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