Inovação

Inteligência artificial pode ajudar no diagnóstico de doenças mentais

Especialistas acreditam que os sistemas de inteligência artificial podem ser aliados de psiquiatras e psicólogos. A expectativa é de que a IA melhore o diagnóstico de doenças como depressão e ansiedade

"— Bem, meu namorado me fez vir aqui.
— Seu namorado fez você vir aqui?
— Ele diz que fico deprimida a maior parte do tempo.
— Lamento saber que você está deprimida.
— É verdade. Eu estou infeliz.
— Você acha que vir aqui vai te ajudar a não ser infeliz?"

O diálogo acima aconteceu entre um ser humano e uma máquina. No papel do terapeuta, o sistema de inteligência artificial, batizado de Eliza, assumiu uma abordagem criada pelo norte-americano Carl Rogers, centrada no paciente e empática. Foram muitas "consultas" do tipo, a ponto de a secretária do criador do software, Joseph Weizenbaum, jurar que a psicóloga biônica tinha sentimentos, como empatia.

Isso foi em 1964. Eliza, a criação do cientista do Instituto Tecnológico de Massachusetts (MIT), não tinha sentimentos e, muito menos, empatia. Na época, o software foi revolucionário, inspirou filmes de ficção científica e suscitou debates sobre os limites da computação (em uma época em que os computadores pessoais sequer existiam). Embora avançado, o sistema apenas repetia frases de um roteiro pré-programado.

Hoje, tampouco os modernos chatbots têm sentimentos. Porém, ao descobrirem padrões em volumes assustadores de dados e "conversarem" com uma linguagem muito mais próxima da natural, os sistemas de inteligência artificial são apontados como grandes aliados dos cuidados com a saúde mental. Inclusive, cientistas da computação não duvidam que, em breve, eles aprenderão a ter empatia.

Embora "influenciadores digitais" estejam ganhando likes com revelações recentes de que trocaram o psicólogo pelo ChatGPT, a principal aposta da IA na área da saúde mental, por enquanto, é o diagnóstico. Pesquisas mostram que os softwares têm potencial de detectar sintomas de depressão, ansiedade e risco de suicídio com mais precisão que triagens feitas por humanos.

Em um mundo onde, segundo a Organização Mundial da Saúde, há escassez de 4,3 milhões de profissionais na área — defasagem estimada em 10 milhões daqui a sete anos —, a inteligência artificial pode transformar a psiquiatria, acreditam especialistas. "Os humanos não são perfeitos. Eles podem se distrair e, às vezes, perder dicas sutis de fala e sinais de alerta", diz Brita Elvevag, neurocientista cognitiva da Universidade de Tromso, na Noruega. Ela desenvolveu um aplicativo com o colega norte-americano Peter Foltz, da Universidade do Colorado, em Boulder, que categoriza o estado mental dos pacientes com maior acurácia que os médicos. Um estudo sobre o sistema foi publicado na revista Schizophrenia Bulletin.

Os pesquisadores desenvolveram uma tecnologia de aprendizado de máquina que detecta mudanças na fala do usuário, no dia a dia, que indicam declínio na saúde mental. "Por exemplo, frases que não seguem um padrão lógico podem ser um sintoma crítico na esquizofrenia. Mudanças no tom ou no ritmo podem sugerir mania ou depressão. E a perda de memória pode ser um sinal de problemas cognitivos e de saúde mental. A linguagem é um caminho crítico para a detecção de estados mentais do paciente", diz Foltz. "Usando dispositivos móveis e IA, podemos rastrear pacientes diariamente e monitorar essas mudanças sutis."

Suicídio

No Brasil, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) usam o Twitter e a IA para criar modelos de previsão de ansiedade e depressão que auxiliem no diagnóstico clínico dessas enfermidades, que afetam mais de 300 milhões no mundo, segundo a OMS. Em um artigo publicado recentemente na revista Language Resources and Evaluation, a equipe descreveu o banco de dados chamado SetembroBR (em alusão à campanha Setembro Amarelo, de prevenção do suicídio), composto por 47 milhões de textos publicados nas redes sociais, em português.

Embora ainda em andamento, o estudo, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), já permitiu aos cientistas chegarem a algumas conclusões. Os modelos que analisaram sequências de palavras e frases completas indicaram, por exemplo, que pessoas com depressão são mais propensas a escreverem sobre assuntos ligados a elas, com verbos e frases na primeira pessoa. Temas como morte, crise e psicologia também são mais frequentes nos textos desses usuários de redes sociais.

"Os sinais de depressão que podem ser detectados durante uma visita ao médico não são necessariamente os mesmos que aparecem nas redes sociais", destacou o principal autor, Ivandre Paraboni. "Por exemplo, o uso do pronome de primeira pessoa do singular, 'eu', era muito evidente, e na psicologia isso é considerado um sinal clássico de depressão. Também observamos o uso frequente do emoji de coração por usuários depressivos. Isso é amplamente considerado um símbolo de afeto e amor, mas, talvez, os psicólogos ainda não o tenham caracterizado como tal."

Atenuante virtual

Além de ferramentas de previsão de risco, a inteligência artificial (IA) poderá democratizar o acesso a serviços de saúde mental, acreditam pesquisadores da Universidade de Illinois, em Chicago. Eles realizaram um estudo-piloto para testar um treinador virtual baseado para terapia comportamental e descobriram mudanças na atividade cerebral dos pacientes, além de melhora nos sintomas de depressão e ansiedade, após o uso do Lumen, o assistente de voz.

A equipe diz que os resultados, publicados na revista Translational Psychiatry, oferecem "evidências encorajadoras" de que a terapia virtual pode desempenhar um papel no preenchimento das lacunas nos cuidados de saúde mental, onde as listas de espera e as disparidades ao acesso costumam ser obstáculos no tratamento. "Tivemos uma incrível explosão de necessidades, especialmente após a covid, com taxas crescentes de ansiedade e depressão e poucos profissionais", afirma Olusola A. Ajilore, professor de psiquiatria e coprimeiro autor do artigo. "Esse tipo de tecnologia pode servir como uma ponte. Não se destina a substituir a terapia tradicional, mas pode ser um importante paliativo antes que alguém possa procurar tratamento."

O Lumen, que funciona no aplicativo Amazon Alexa, foi desenvolvido por Ajilore e Jun Ma, com o apoio do Instituto Nacional de Saúde Mental dos Estados Unidos. Os pesquisadores recrutaram mais de 60 pacientes para o estudo, explorando o efeito do aplicativo na depressão leve a moderada, nos sintomas de ansiedade e em atividade em áreas do cérebro previamente demonstradas como associadas aos benefícios da terapia de resolução de problemas.

Dois terços dos pacientes usaram o Lumen em um iPad fornecido pelo estudo para oito sessões de terapia de resolução de problemas, com o restante servindo como um controle de "lista de espera", sem receber intervenção. Os do primeiro grupo apresentaram pontuações reduzidas para depressão, ansiedade e sofrimento psicológico, em comparação com o controle. "A maneira como devemos pensar sobre o serviço de saúde mental digital não é para que esses aplicativos substituam os humanos, mas para reconhecer a lacuna que temos entre oferta e demanda e, em seguida, encontrar maneiras novas, eficazes e seguras de fornecer tratamentos a indivíduos que, de outra forma, não têm acesso, para preencher essa demanda", ressalta Ma. (PO)

Palavra de especialista: Engajamento é desafio

"As ferramentas digitais têm um papel importante a desempenhar no aumento do acesso a abordagens baseadas em evidências, como a Terapia Cognitiva Comportamental (TCC) para pessoas com ansiedade e depressão. Um dos maiores desafios que enfrentamos na saúde digital é garantir os níveis de engajamento necessários para alcançar os benefícios terapêuticos pretendidos. É muito fácil perder o interesse e a motivação na ferramenta digital — principalmente em momentos de aflição. É por isso que é sensato que essas abordagens sejam todas combinadas com suporte humano. Também será importante testar o alcance dessas novas ferramentas porque, se elas forem acessíveis apenas a certos grupos da sociedade, inadvertidamente pioramos as desigualdades de saúde existentes".

Simon Bradstreet, pesquisador da Escola de Saúde e Bem-Estar da Universidade de Glasgow

Três perguntas para: Jorge Jaber

Quais são as principais potencialidades da inteligência artificial (IA) na saúde mental?

A principal utilização da IA nessa área se refere à obtenção de dados e cruzamento deles para que os médicos possam, através das informações oriundas desse procedimento, estabelecer probabilidades de evolução da doença, de diagnóstico e de prognóstico. De como a doença evoluirá e de que tipo de tratamento pode ser o mais adequado. É um suporte ao médico, do mais jovem ao mais experiente. Ao longo da sua carreira, o profissional, isolado no seu consultório ou na sua prática clínica, pode ter acesso a centenas de pacientes e, com esse contato, formar a sua bagagem. A IA amplia essa base de dados para além do universo vivenciado pelo médico, gerando uma bagagem única, acessível a todos os profissionais.

Como os profissionais de saúde mental estão lidando com a possibilidade de a IA se tornar uma ferramenta nessa área?

Neste momento, os médicos mais jovens avançam rapidamente nesse conhecimento. Os mais antigos observam com cuidado e levam questões importantes, fundamentais, para discussões acadêmicas. Exatamente o que promovemos, semana passada, no simpósio Psiquiatria na Era Digital, no Rio de Janeiro. É claro que a chamada Geração Z (definição sociológica da geração de pessoas nascidas, em média, entre a segunda metade da década de 1990 e o ano de 2010) é completamente ambientada na tecnologia digital, diferente das mais antigas, formadas por livros. Todas, no entanto, já entenderam que essa mudança veio para ficar e trabalham para tirar o melhor da IA.

Quando se fala sobre o uso de IA na área médica, muitas pessoas pensam que a tecnologia substituiria os médicos. Existe algum risco de isso ocorrer, especialmente em relação a algoritmos que auxiliam no diagnóstico?

Neste momento, não. Atualmente, o auge da IA na medicina diz respeito a diagnósticos de imagens. Algo preciosíssimo, mas que não trata, não determina os caminhos que devem ser seguidos por médicos e pacientes. Sua atuação é como auxiliar, não como protagonista. Podemos dizer que estamos vivendo, presenciando, o início de uma revolução, onde a atuação do médico segue imprescindível. Com a palavra revolução sendo entendida no sentido de evolução, de progresso.

Jorge Jaber, psiquiatra, diretor-técnico da Clínica Jorge Jaber (RJ), membro fundador e associado da International Society of Addiction Medicine e do Conselho Administrativo da Association of Psychiatric Administrators (AAP), entre outros.

 

Saiba Mais

Medium.com/Reprodução - Tela com um diálogo entre o chatbot Eliza e um usuário, na década de 1960
Vibhu Sreevatsa Rangavasan/University of Illinois-Chicago/Divulgação - Olusola A. Ajilore, professor de psiquiatria

Três perguntas para

Quais são as principais potencialidades da inteligência artificial (IA) na saúde mental?
A principal utilização da IA nessa área se refere à obtenção de dados e cruzamento deles para que os médicos possam, através das informações oriundas desse procedimento, estabelecer probabilidades de evolução da doença, de diagnóstico e de prognóstico. De como a doença evoluirá e de que tipo de tratamento pode ser o mais adequado. É um suporte ao médico, do mais jovem ao mais experiente. Ao longo da sua carreira, o profissional, isolado no seu consultório ou na sua prática clínica, pode ter acesso a centenas de pacientes e, com esse contato, formar a sua bagagem. A IA amplia essa base de dados para além do universo vivenciado pelo médico, gerando uma bagagem única, acessível a todos os profissionais.

Como os profissionais de saúde mental estão lidando com a possibilidade de a IA se tornar uma ferramenta nessa área?
Neste momento, os médicos mais jovens avançam rapidamente nesse conhecimento. Os mais antigos observam com cuidado e levam questões importantes, fundamentais, para discussões acadêmicas. Exatamente o que promovemos, semana passada, no simpósio Psiquiatria na Era Digital, no Rio de Janeiro. É claro que a chamada Geração Z (definição sociológica da geração de pessoas nascidas, em média, entre a segunda metade da década de 1990 e o ano de 2010) é completamente ambientada na tecnologia digital, diferente das mais antigas, formadas por livros. Todas, no entanto, já entenderam que essa mudança veio para ficar e trabalham para tirar o melhor da IA.

Quando se fala sobre o uso de IA na área médica, muitas pessoas pensam que a tecnologia substituiria os médicos. Existe algum risco de isso ocorrer, especialmente em relação a algoritmos que auxiliam no diagnóstico?
Neste momento, não. Atualmente, o auge da IA na medicina diz respeito a diagnósticos de imagens. Algo preciosíssimo, mas que não trata, não determina os caminhos que devem ser seguidos por médicos e pacientes. Sua atuação é como auxiliar, não como protagonista. Podemos dizer que estamos vivendo, presenciando, o início de uma revolução, onde a atuação do médico segue imprescindível. Com a palavra revolução sendo entendida no sentido de evolução, de progresso.

Jorge Jaber, psiquiatra, diretor-técnico da Clínica Jorge Jaber (RJ), membro fundador e associado da International Society of Addiction Medicine e do Conselho Administrativo da Association of Psychiatric Administrators (AAP), entre outros.

Atenuante virtual

Atenuante virtual

Além de ferramentas de previsão de risco, a inteligência artificial (IA) poderá democratizar o acesso a serviços de saúde mental, acreditam pesquisadores da Universidade de Illinois, em Chicago. Eles realizaram um estudo-piloto para testar um treinador virtual baseado para terapia comportamental e descobriram mudanças na atividade cerebral dos pacientes, além de melhora nos sintomas de depressão e ansiedade, após o uso do Lumen, o assistente de voz.

A equipe diz que os resultados, publicados na revista Translational Psychiatry, oferecem "evidências encorajadoras" de que a terapia virtual pode desempenhar um papel no preenchimento das lacunas nos cuidados de saúde mental, onde as listas de espera e as disparidades ao acesso costumam ser obstáculos no tratamento. "Tivemos uma incrível explosão de necessidades, especialmente após a covid, com taxas crescentes de ansiedade e depressão e poucos profissionais", afirma Olusola A. Ajilore, professor de psiquiatria e coprimeiro autor do artigo. "Esse tipo de tecnologia pode servir como uma ponte. Não se destina a substituir a terapia tradicional, mas pode ser um importante paliativo antes que alguém possa procurar tratamento."

O Lumen, que funciona no aplicativo Amazon Alexa, foi desenvolvido por Ajilore e Jun Ma, com o apoio do Instituto Nacional de Saúde Mental dos Estados Unidos. Os pesquisadores recrutaram mais de 60 pacientes para o estudo, explorando o efeito do aplicativo na depressão leve a moderada, nos sintomas de ansiedade e em atividade em áreas do cérebro previamente demonstradas como associadas aos benefícios da terapia de resolução de problemas.

Dois terços dos pacientes usaram o Lumen em um iPad fornecido pelo estudo para oito sessões de terapia de resolução de problemas, com o restante servindo como um controle de "lista de espera", sem receber intervenção. Os do primeiro grupo apresentaram pontuações reduzidas para depressão, ansiedade e sofrimento psicológico, em comparação com o controle. "A maneira como devemos pensar sobre o serviço de saúde mental digital não é para que esses aplicativos substituam os humanos, mas para reconhecer a lacuna que temos entre oferta e demanda e, em seguida, encontrar maneiras novas, eficazes e seguras de fornecer tratamentos a indivíduos que, de outra forma, não têm acesso, para preencher essa demanda", ressalta Ma. (PO)

Engajamento é desafio

"As ferramentas digitais têm um papel importante a desempenhar no aumento do acesso a abordagens baseadas em evidências, como a Terapia Cognitiva Comportamental (TCC) para pessoas com ansiedade e depressão. Um dos maiores desafios que enfrentamos na saúde digital é garantir os níveis de engajamento necessários para alcançar os benefícios terapêuticos pretendidos. É muito fácil perder o interesse e a motivação na ferramenta digital — principalmente em momentos de aflição. É por isso que é sensato que essas abordagens sejam todas combinadas com suporte humano. Também será importante testar o alcance dessas novas ferramentas porque, se elas forem acessíveis apenas a certos grupos da sociedade, inadvertidamente pioramos as desigualdades de saúde existentes".

Simon Bradstreet, pesquisador da Escola de Saúde e Bem-Estar da Universidade de Glasgow