Neurologia

Alzheimer: jejum intermitente protege contra a doença neurodegenerativa

Em testes com ratos, o jejum melhora a memória e reduz o acúmulo, no cérebro, de proteínas associadas à doença de Alzheimer. Efeito é tão animador que cientistas americanos planejam começar os ensaios com humanos

Hipótese é de que o jejum restaura o relógio biológico, um mecanismo que é alterado em pacientes com Alzheimer -  (crédito: Holding Comunicações)
Hipótese é de que o jejum restaura o relógio biológico, um mecanismo que é alterado em pacientes com Alzheimer - (crédito: Holding Comunicações)
Paloma Oliveto
postado em 22/08/2023 03:55

Mais de 80% dos pacientes de Alzheimer apresentam alterações no ciclo circadiano, o "relógio biológico" que regula as funções do organismo. Algumas das implicações são a insônia e a piora cognitiva à noite, problemas que não são abordados pelos tratamentos da doença, nem mesmo pelas novas drogas voltadas especificamente a ela. Cientistas da Universidade da Califórnia, em San Diego (UCSD), apostam em uma nova abordagem — testada, por enquanto, em modelos animais. Trata-se de um jejum alimentar que não restringe a quantidade de comida ingerida, mas limita a janela alimentar diária.

A doença de Alzheimer afeta 55 milhões de pessoas globalmente, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). No Brasil, o Ministério da Saúde estima 1,2 milhão de pacientes, com 100 mil novos casos ao ano. Atualmente, há poucas opções de tratamento. Embora novas drogas tenham conseguido uma modesta redução do declínio cognitivo, elas são apenas para o início da doença e, por enquanto, custam milhares de dólares ao mês.

No estudo, publicado, nesta segunda-feira (21/08), na revista Cell Metabolism, os autores alimentaram camundongos no esquema de jejum intermitente e notaram que, além de uma melhora na memória, o cérebro dos animais tinha menos acúmulo de proteínas amiloide. O agregado dessa substância é apontado como uma das principais causas da doença, além dos emaranhados neurofibrilares, quando os neurônios são destruídos e formam estruturas disfuncionais. 

Segundo os autores, os resultados obtidos foram tão positivos que, em breve, o estudo deve ser reproduzido em humanos. Paula Desplats, autora sênior e pesquisadora do Departamento de Neurociências, explica que, até agora, os cientistas acreditavam que as disfunções no relógio biológico observado em pessoas com Alzheimer, como a falta de sono à noite, eram resultados da degeneração do cérebro. "Mas, agora, estamos entendendo que pode ser o contrário", diz. "A interrupção circadiana pode ser um dos principais impulsionadores da patologia da doença." Assim, abordagens com esse foco são promissoras para a busca de tratamentos, afirma.

Segundo a pesquisadora, as interrupções circadianas na doença de Alzheimer são a principal causa de internação em asilos, pois os cuidadores familiares não conseguem acompanhar o ritmo do paciente. "Qualquer coisa que possamos fazer para ajudar os pacientes a restaurar seu ritmo circadiano fará uma enorme diferença em como lidamos com a doença de Alzheimer na clínica e em como os cuidadores os ajudam a lidar com a doença em casa."

14 horas

A estratégia testada na UCSD foi controlar o ciclo circadiano por meio da alimentação. O modelo de animal usado tinha uma neurodegeneração semelhante à doença de Alzheimer em humanos, e as cobaias só podiam comer em um intervalo de seis horas por dia. Em pessoas, isso equivaleria a 14 horas de jejum diária. Não houve redução na quantidade de comida oferecida aos camundongos. 

Esta imagem de microscopia confocal mostra placas amiloides (azuis e vermelhas) no cérebro de um camundongo. O acúmulo de placas amiloides é a marca bioquímica mais bem documentada da doença de Alzheimer.
Placas amiloides (azuis e vermelhas) no cérebro de roedores: complicação foi menor em animais que ficaram sem comer por seis horas (foto: UC San Diego Health Sciences/Divulgação )

Em comparação aos animais do grupo de controle, que recebiam comida o tempo todo, os alimentados com horário restrito mostraram ter melhor memória, eram menos hiperativos à noite, seguiam um horário de sono mais regular e apresentavam menos interrupções durante o sono. Eles também tiveram melhor desempenho em avaliações cognitivas do que os demais. Isso demonstra que o jejum foi capaz de ajudar a mitigar os sintomas comportamentais da doença de Alzheimer, afirmam os autores do artigo.

Os pesquisadores também observaram melhorias nos camundongos ao nível molecular. Em animais alimentados em um horário restrito, vários genes associados à doença de Alzheimer e à neuroinflamação eram expressos de maneira diferente. Os cientistas descobriram, além disso, que o controle da alimentação ajudou a reduzir a quantidade de proteína amiloide acumulada no cérebro.

Novos hábitos

Como o cronograma de alimentação com restrição de tempo alterou o curso da doença de Alzheimer nos camundongos, os pesquisadores acreditam que os resultados possam ser facilmente traduzidos para ensaios clínicos, especialmente porque a nova abordagem de tratamento depende de uma mudança de estilo de vida, e não de um medicamento. "A alimentação com restrição de tempo é uma estratégia que as pessoas podem integrar fácil e imediatamente em suas vidas", acredita Desplats. Segundo a neurocientista, se for possível reproduzir os resultados em humanos, a abordagem pode ser uma maneira simples de melhorar a vida das pessoas que vivem com Alzheimer e de seus cuidadores.

A diretora executiva de pesquisas da organização Alzheimer's Research UK, no Reino Unido, comemorou o resultado. "O efeito do jejum em diferentes aspectos da saúde e da doença continua sendo uma área de interesse de pesquisa. Estudos em estágio inicial sugeriram que o jejum pode ter um impacto em diferentes tipos de demência, como a doença de Alzheimer, mas as pesquisas, até o momento, não foram conclusivas. Agora, esse estudo descobriu que, em modelos de camundongos com a doença, restringir a janela de tempo para comer melhorou os sintomas de sono interrompido, a cognição e os níveis reduzidos de amiloide no cérebro", disse Susan Kolhaas.

Porém, ela destaca algumas limitações. "Como a pesquisa foi realizada em camundongos, não sabemos se os efeitos benéficos de uma dieta restrita serão os mesmos em humanos, quanto tempo durariam quaisquer benefícios ou quanto tempo precisaria ser a janela de restrição alimentar para mostrar benefícios", diz. "Mas são estudos como esse que contribuem para a nossa compreensão fundamental da demência, o que nos dá pistas importantes sobre como podemos lidar com a doença".

Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Ícone do whatsapp
Ícone do telegram

Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores.

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação