Vira de um lado para o outro na cama, se ajeita aqui, gira para lá. Olha a hora, já é tarde. Acorda incontáveis vezes durante a madrugada. O dia amanhece, e o descanso não vem. Assim são as noites de aproximadamente 73 milhões de brasileiros: aqueles que, segundo a Associação Brasileira do Sono (ABS), sofrem de insônia. Estudos recentes detalham como esse distúrbio, além de comprometer as noites, afeta a produtividade e coloca em risco o coração. Há também novas evidências científicas de como o estilo de vida pode piorar a condição.
- Problemas intestinais: maior risco de doença de Parkinson
- Óleo de canabidiol pode auxiliar no tratamento de insônia e dor crônica
Um estudo da Universidade Flinders, na Austrália, publicado, em julho, na revista The Medical Journal of Australia mostra perdas notáveis na produtividade de jovens profissionais causadas pela insônia. O ensaio usou dados de 554 trabalhadores com 22 anos de idade. Ao analisar as informações, os cientistas descobriram que aqueles com distúrbios do sono (cerca de 20% da amostra) tinham uma perda de produtividade até 40% maior, em comparação aos que não enfrentavam problemas para dormir.
Os valores encontrados pela equipe equivalem, em um período de 12 meses, a uma perda total de produtividade de cerca de quatro semanas entre os jovens com insônia. "Então, eles estão trabalhando, mas simplesmente não estão trabalhando em sua melhor capacidade ou com seu melhor potencial", afirma, em nota, a psicóloga Amy Reynolds, que liderou o estudo.
Nonato Rodrigues, especialista em transtornos do sono pela Associação Médica Brasileira e membro da ABS, conta que alguém que dorme mal perde a função mais importante do corpo: a cognitiva. "A pessoa começa a ter problemas que vão dificultando o gerenciamento da própria vida, o rendimento no trabalho diminui, entre outras complicações", diz.
Outra função essencial, indica o neurologista, é a regulação imunológica. "Enquanto dormimos, existe uma regularização da função de cada uma das células inflamatórias, que fazem a vigilância de bactérias, vírus e agentes patogênicos. Em experiências de privação de sono, ratos foram mantidos acordados mais de 100 horas. Esses animais morreram comendo muito, mas magros e com infecção", relata.
Meia-idade
Os problemas causados pela dificuldade de adormecer podem ser muito mais severos que a falta de eficiência para exercer atividades do dia a dia. A saúde cardiovascular também é comprometida pela insônia. Entre os riscos associados, está o de acidente vascular cerebral (AVC). De acordo com um estudo da Academia Americana de Neurologia, os riscos de uma pessoa ter um derrame são maiores em pessoas com menos de 50 anos e um histórico de noites mal dormidas.
A pesquisa, publicada em junho deste ano, na revista Neurology, incluiu 31.126 indivíduos com, em média, 61 anos e sem histórico de AVC. Os participantes responderam a um questionário com itens ligados a problemas no sono e foram acompanhados por, em média, nove anos. Durante esse tempo, houve 2.101 casos de AVC.
Após considerar outros fatores de risco para o derrame, como ingestão de álcool, tabagismo e a prática de atividades físicas, a equipe constatou que pessoas que apresentavam de um a quatro sintomas de insônia tinham um risco 16% maior de serem acometidas por um AVC, comparadas às que não enfrentavam o distúrbio do sono. Em casos mais graves de insônia — com cinco a oito sintomas — a probabilidade subiu para 51%.
Conforme os pesquisadores, a relação entre insônia e AVC foi mais forte em participantes com menos de 50 anos. Nesse grupo, ter mais sintomas indica quase quatro vezes mais risco de ocorrência de derrame. "A lista de fatores de risco de AVC, como pressão alta e diabetes, pode crescer à medida que as pessoas envelhecem, tornando os sintomas de insônia um dos muitos fatores possíveis. Essa diferença marcante sugere que controlar os sintomas de insônia em uma idade mais jovem pode ser uma estratégia eficaz para a prevenção do AVC", afirma, em nota, Wendemi Sawadogo, líder do trabalho.
Victor Hugo Espíndola, neurocirurgião e especialista em doenças cerebrovasculares em Brasília, explica que, enquanto dormimos, o corpo realiza processos de reparo e limpeza no cérebro, e que a interrupção dessas atividades, devido a distúrbios do sono, por exemplo, pode prejudicar a saúde vascular. "Um ponto importante a ser destacado é que melhorar a qualidade do sono pode ter benefícios significativos na prevenção de doenças cerebrovasculares e em geral", enfatiza. "Estudos indicam que adultos com menos de sete horas de sono por noite têm maior probabilidade de desenvolver hipertensão e obesidade, fatores de risco para o AVC."
A dieta que prejudica o sono profundo
A qualidade da alimentação é considerada um dos dos prováveis motivos para a perda do sono. Estudiosos da Universidade de Uppsala, na Suécia, realizaram um ensaio, descrito na revista Obesity, para detalhar como hábitos alimentares podem comprometer o sono profundo.
Conforme o artigo, cada etapa da pesquisa envolveu vários dias de monitoramento em um laboratório. A equipe acompanhou 15 homens jovens, saudáveis e com peso normal. Eles foram, inicialmente, avaliados em relação aos hábitos de sono, que deveriam ser normais e dentro da faixa recomendada: de sete a nove horas de sono por noite. Aleatoriamente, receberam uma dieta mais ou menos saudável.
Os dois regimes tinham o mesmo número de calorias, ajustadas às necessidades diárias de cada homem. Porém, o não saudável continha maior teor de açúcar e gordura saturada e mais alimentos processados. Cada dieta foi consumida por uma semana, enquanto os horários de sono, atividades e refeições dos participantes foram monitorados individualmente.
Ao analisar os registros, os cientistas notaram que, apesar de os voluntários dormirem durante um período igual, a fase do sono profundo exibiu menor atividade de ondas lentas entre aqueles que se alimentaram pior. "Essencialmente, a dieta pouco saudável resultou em um sono profundo mais superficial", enfatiza, em nota, o líder do estudo, Jonathan Cedernaes. O cientista também frisa que mudanças semelhantes no sono podem ser causadas por outros fatores, como envelhecimento e insônia. "Pode-se supor, do ponto de vista do sono, que, potencialmente, deveria ser dada maior importância à dieta nessas condições", afirma.
Segundo Maria Fernanda Naufel, nutricionista e representante do Conselho de Nutrição da Associação Brasileira do Sono, pesquisas indicam que há grupos específicos de alimentos que podem levar à insônia. "Um grande estudo publicado em 2019 demonstrou que o consumo de alimentos de alto índice glicêmico, como pão branco e a batata inglesa, piora a qualidade do sono. Além disso, pesquisadores vêm observando que ingerir alimentos muito calóricos e de difícil digestão é prejudicial, principalmente se consumidos à noite. O consumo da cafeína, presente no café, chás e outros produtos, também pode dificultar a vida do paciente na hora de dormir", lista. (IA)
Saiba Mais
Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores através do e-mail: sredat.df@dabr.com.br