INOVAÇÃO

Dr. Algoritmo, a inteligência artificial, ajuda a diagnosticar doenças

Sistemas de inteligência artificial analisam e interpretam grandes volumes de informação, buscando padrões que ajudam, entre outras coisas, a diagnosticar doenças. Na área de reabilitação de lesões, os potenciais são significativos

Paloma Oliveto
postado em 07/08/2023 06:01 / atualizado em 07/08/2023 06:15
A leitura de exames de imagem por softwares pode ajudar a reduzir o grande volume de trabalho de médicos e levar tecnologia a locais com escassez de radiologistas -  (crédito:  Destiny Deffo/Divulgação)
A leitura de exames de imagem por softwares pode ajudar a reduzir o grande volume de trabalho de médicos e levar tecnologia a locais com escassez de radiologistas - (crédito: Destiny Deffo/Divulgação)

Para exercer a medicina nos Estados Unidos, é preciso passar em um teste de três fases, sendo a última delas no fim da graduação. O chamado USMLE é temido especialmente entre alunos da primeira etapa, considerada a mais difícil. Em fevereiro, sem receber nenhum treinamento especial, o ChatGPT quase passou no exame, impressionando pesquisadores norte-americanos, que relataram na revista Plos Digital Health o desempenho do chatbot.

"Ele foi capaz de alcançar esse resultado (pontuação pouco abaixo da média, de 60%) sem a contribuição especializada de treinadores humanos. Além disso, exibiu raciocínio compreensível e percepções clínicas válidas", diz o artigo. "Nosso estudo sugere que grandes modelos de linguagem, como o ChatGPT, podem ajudar os alunos humanos em um ambiente de educação médica, como um prelúdio para a futura integração na tomada de decisões clínicas", concluíram os autores.

A inteligência artificial, em suas diversas modalidades, auxilia diagnósticos — uma pesquisa da Sociedade Europeia de Radiologia revelou, no ano passado, que 30% dos radiologistas recorrem a ela para analisar raios-x e tomografias computadorizadas. Novos estudos mostram que os algoritmos estão cada vez mais avançados na identificação de doenças e condições, chegando a superar os "colegas" humanos.

Mamografia

Um estudo sueco publicado na revista The Lancet Oncology mostrou que a IA é tão boa para detectar câncer de mama — o mais prevalente no mundo — quanto dois radiologistas juntos. Para fazer o diagnóstico em tomografias, o algoritmo levou metade do tempo, sem aumentar o risco de falsos positivos. Foram analisados mais de 80 mil exames de imagem.

Em um comunicado, a principal autora, Kristina Lang, da Universidade de Lund, disse que, em muitos países, há escassez de radiologistas, justificando a necessidade de sistemas capazes de diagnosticar doenças quando ainda há uma janela de cura. Porém, ressaltou que, embora promissores, os resultados da pesquisa não sugerem que, por enquanto, da IA esteja pronta para rastrear mamografias.

"Ainda precisamos entender as implicações nos resultados dos pacientes, especialmente se a combinação da experiência dos radiologistas com a IA pode ajudar a detectar cânceres em fases que, muitas vezes, passam despercebidos pela triagem tradicional", destacou Lang. "O maior potencial da IA, no momento, é permitir que os radiologistas fiquem menos sobrecarregados com a quantidade excessiva de leitura."

Professor de triagem de câncer na Universidade Queen Mary, em Londres, Stephen Duffy recebeu com otimismo o resultado do estudo sueco. "O artigo ilustra o potencial da IA para reduzir a carga de tempo do radiologista. Essa é uma questão de considerável importância em muitos programas de rastreio mamário", diz. O especialista destaca que aprimoramentos são importantes para reduzir o risco de detecção de lesões relativamente inofensivas, o que leva a um falso positivo, mas lembra que os próprios autores disseram que, no momento, estão fazendo ajustes no programa para garantir uma acurácia maior.

Leia nesta terça-feira (8/8): Desafios e possibilidades da IA na saúde mental 

 

PARA SABER MAIS / "UM COLEGA MUITO INTELIGENTE"

Sprague Will Hazard, neurocirurgião do Centro Médico Milton S. Hershey, na Universidade Penn State, Estados Unidos.
Sprague Will Hazard, neurocirurgião do Centro Médico Milton S. Hershey, na Universidade Penn State, Estados Unidos (foto: Penn State/Divulgação )
 

"A IA — vagamente definida como a capacidade dos computadores aprenderem e raciocinarem — não é uma nova invenção sinistra. E sua aplicação na área da saúde remonta a décadas. Os avanços nos sistemas ajudaram os médicos a encontrar tumores com mais facilidade e erradicar doenças difíceis de detectar em estágios iniciais do que qualquer um jamais sonhou ser possível sem ela. Os sistemas mais antigos eram bons, mas foram treinados em quantidades finitas de informações. Programas como ChatGPT, OpenAI e outros podem pesquisar qualquer coisa, processar, interpretar a informação, aprender com ela e criar respostas. Em segundos. Se os médicos e as organizações de saúde usarem a IA em toda a sua capacidade, esse desenvolvimento poderá revolucionar a medicina em quase todos os campos. Por exemplo: a quantidade de literatura médica que usamos ajudar a pesquisar e diagnosticar doenças dobra a cada 73 dias. Mesmo que eu dedicasse 24 horas por dia a isso, meu cérebro não conseguiria reunir todas essas informações. Penso na IA como um colega muito inteligente ao qual tenho acesso 24 horas por dia, sete dias por semana."

Sprague Will Hazard, neurocirurgião do Centro Médico Milton S. Hershey, na Universidade Penn State, Estados Unidos

 

De vacinas à edição genética

As possibilidades da IA na saúde vão além da medicina diagnóstica e da neurorreabilitação. Softwares são usados para descobrir novos medicamentos e vacinas, robôs treinados para assistir pacientes em hospitais e campos de guerra, sistemas inteligentes são a base das ferramentas de edição genética. "Não tenha medo, seus médicos utilizam a IA com sucesso para ajudar em seus cuidados há anos, senão décadas. De forma alguma vamos sair de férias e deixar o chatbot de plantão. Tem que haver uma abordagem muito sistemática para usar a tecnologia de maneira inteligente", destaca Sprague Will Hazard, neurocirurgião da Universidade Penn State.

 

Cérebro biônico

Explorada há décadas pela ficção científica, a existência de um "homem biônico" já é realidade em institutos de pesquisa, com avanços significativos na área de reabilitação de lesões. Pacientes paraplégicos estão conseguindo se locomover — ainda com a necessidade do uso de equipamentos pesados — em experimentos nos quais a inteligência artificial funciona como uma ponte entre a intenção da pessoa, como mover um braço, e a execução do movimento.

Gert-Jan Oskam sofreu um acidente enquanto pedalava e perdeu os movimentos em 2011
Paraplégico há 12 anos, o alemão Gert-Jan Oskam agora consegue andar e subir escadas (foto: AFP)
 

Embora as tecnologias variem, o princípio é semelhante: um chip é implantado no cérebro, enquanto sensores são instalados no local da lesão. O circuito registra a atividade cerebral, um software traduz a intenção do paciente e envia os comandos para os sensores, que estimulam os membros a se mexerem.

Na experiência científica mais recente, em maio, pesquisadores suíços relataram na revista Nature o caso de um homem de 40 anos que ficou paraplégico ao sofrer um acidente de trânsito e, agora, consegue ficar de pé, subir escadas e andar. Os cientistas do Instituto de Tecnologia de Lausanne e do Hospital Universitário de Lausanne implantaram 64 eletrodos no crânio do paciente. A inteligência artificial calcula o movimento desejado e traduz a intenção em comandos transmitidos sem fio para um circuito de 16 eletrodos na medula espinhal.

Aprimoramento

O sistema precisa ser aprimorado: para andar, o paciente usa um capacete e empurra um carrinho onde fica a interface. Além disso, por enquanto, a distância máxima alcançada por ele antes de se cansar são 200 metros. Porém, o artigo foi muito bem recebido por cientistas e médicos da área de reabilitação, pois os ganhos do alemão Gert-Jan Oskam, paraplégico há 12 anos, foram, nas palavras dele, imensuráveis. Em uma entrevista coletiva, Oskam ressaltou a importância de recuperar a funcionalidade no dia a dia. "Semana passada, precisava pintar uma coisa na minha casa e ninguém podia me ajudar. Então, eu peguei o andador e fiz sozinho. De pé", relatou, com orgulho.

Quem entrou no ramo da interface cérebro-máquina foi o magnata Elon Musk, que chegou a afirmar ter medo do potencial da inteligência artificial. Neste ano, uma de suas empresas, a Neuralink, recebeu o aval da agência Food and Drug Administration (FDA), nos Estados Unidos, para testar em humanos chips voltados à reabilitação de pacientes com paralisias. "A ideia de uma interface cérebro-computador é empolgante e muitas empresas ao redor do mundo estão trabalhando nisso há anos e novos desenvolvimentos na área são sempre interessantes", opina Patrick Haggard, professor de Neurociência Cognitiva na Universidade College London, na Inglaterra.

Para evitar problemas éticos, Haggard ressalta a necessidade de experimentos do tipo serem rigorosamente revisados por cientistas independentes, antes de serem publicados. "Os algoritmos usados para decodificar os sinais neurais do paciente devem ser explicados e as limitações do sistema devem ser claras. Finalmente, a voz dos pacientes deve ser incluída no projeto, assim como a avaliação dos sistemas, sempre que possível." 

  • Sprague Will Hazard, neurocirurgião do Centro Médico Milton S. Hershey, na Universidade Penn State, Estados Unidos.
    Sprague Will Hazard, neurocirurgião do Centro Médico Milton S. Hershey, na Universidade Penn State, Estados Unidos Foto: Penn State/Divulgação
  • Paraplégico há 12 anos, o alemão Gert-Jan Oskam agora consegue andar e subir escadas
    Paraplégico há 12 anos, o alemão Gert-Jan Oskam agora consegue andar e subir escadas Foto: AFP
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