Tecnologia

Preso ao sutiã, vestível pode monitorar os sinais do câncer de mama

Adesivo vestível tem um pequeno escâner que, preso ao vestuário, monitora a ocorrência de alterações ligadas ao tumor. Criadores acreditam que o dispositivo poderá ser usado entre as mamografias regulares

Correio Braziliense
postado em 21/08/2023 06:00 / atualizado em 21/08/2023 07:02
Dispositivo foi projetado para pessoas com maior risco de ter o câncer de mama -  (crédito: Canan Dagdeviren)
Dispositivo foi projetado para pessoas com maior risco de ter o câncer de mama - (crédito: Canan Dagdeviren)

Um dos tumores mais comuns no mundo, o câncer de mama poderá ser monitorado pelo sutiã. A ideia inusitada é apresentada por pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos. Eles criaram um aparelho de imagem que é incorporado à peça de vestuário e permite que pessoas com risco elevado para o surgimento da doença mantenham a vigilância entre os checapes médicos.

Canan Dagdeviren, primeira autora do estudo, conta que a ideia de desenvolver o dispositivo surgiu com o falecimento de sua tia Fatma Caliskanoglu, que, mesmo fazendo exames regulares, foi diagnosticada com câncer de mama em estágio avançado aos 49 anos e morreu seis meses depois. A pesquisadora decidiu elaborar uma tecnologia capaz de detectar tumor de intervalo — diagnosticado no período entre mamografias regulares —, que representa de 20% a 30% dos casos da doença.

"Se os adesivos de ultrassom vestíveis conseguirem detectar mudanças sutis no tecido mamário mais cedo do que outros métodos, podem contribuir para o diagnóstico e o tratamento precoces, melhorando potencialmente os resultados para indivíduos com câncer de mama", explica Dagdeviren. "Mudamos a forma da tecnologia de ultrassom para que ela possa ser usada em sua casa. É portátil, fácil de usar e fornece monitoramento em tempo real", completa. O aparelho foi apresentado, recentemente, na revista Science Advances.

Para construir o dispositivo, a equipe projetou um adesivo flexível, impresso em 3D, com aberturas em formato hexagonal. Os espaços permitem que um escâner de ultrassom entre em contato com a pele. Esse escâner em miniatura está encaixado dentro de um pequeno rastreador e pode ser movido para seis posições diferentes, o que, segundo os criadores, permite que toda a região do seio seja examinada.

Ímãs presentes na tecnologia vestível fazem com que ela seja fixada a um sutiã. Devido ao design com várias aberturas, o dispositivo adesivo poderá ser combinado com outros equipamentos de monitoramento para criar soluções abrangentes de diagnóstico. "Outros sensores, como os de tensão, temperatura, eletrocardiograma (ECG) e eletromiografia (EMG), podem ser integrados ao adesivo para o monitoramento de sinal", sugere Dagdeviren.

Acurácia

A equipe americana testou o dispositivo em uma mulher de 71 anos com histórico de cistos mamários. Com ele, pôde-se detectar cistos que tinham apenas 0,3 centímetro de diâmetro — o tamanho dos tumores em estágio inicial. Além disso, o aparelho alcançou resolução comparável à do ultrassom tradicional — o tecido pode ser visualizado a uma profundidade de até 8 centímetros.

Mesmo com os resultados promissores, a equipe indica algumas limitações. "Existem vários desafios para desenvolver o adesivo de ultrassom conformável para imagens de mama. Nós gastamos nossos esforços para resolvê-los, e ainda há alguns problemas não resolvidos", admite Dagdeviren.

No momento, para ver as imagens de ultrassom, é preciso conectar o escâner ao mesmo tipo de aparelho usado nos centros de imagem. "Necessita de um cabo longo e flexível para conectar o sistema de aquisição de dados, que também é grande e estacionário. Além disso, a resolução de imagem é suficiente, mas não superior", detalha o cientista.

Na avaliação de Yuri Cesar de Toledo, professor de engenharia do Instituto Federal de Brasília (IFB), o princípio de funcionamento do ultrassom também pode ser uma limitação, uma vez que a emissão de um som dentro do corpo e o registro da forma como ele retorna ao aparelho podem sofrer intervenções.

"As limitações a se considerar são a sensibilidade do sensor para receber o sinal e as interferências que a pele gera na emissão e recepção, motivo pelo qual aplicamos o gel para obter uma imagem melhor", explica. "Vale a pena lembrar que o equipamento com maior precisão para o mamógrafo não é o ultrassom justamente devido à precisão do equipamento", completa.

Acessibilidade

Apesar das limitações, os pesquisadores avaliam que a solução tecnológica tem potencial para ser usada, no dia a dia, por pessoas com alto risco da doença. Outra facilidade é o fato de ela ser usada repetidamente. A possibilidade de ampliar o monitoramento da doença, incluindo as pessoas que não conseguem fazer os exames, é enfatizada por Tolga Ozmen, também autora do estudo.

"Um dos principais obstáculos na imagiologia e detecção precoce é o trajeto que as mulheres têm que fazer para um centro de imagem. Esse adesivo de ultrassom adaptável é uma tecnologia altamente promissora porque elimina a necessidade de as mulheres se deslocarem a um centro de imagem", explica a também cirurgiã de câncer de mama do Hospital Geral de Massachusetts.

Giovanna Miziara, médica mastologista do Hospital Sírio-Libanês em Brasília, alerta que, apesar dos resultados, o novo dispositivo não pode substituir o exame de mamografia. "É o único exame que demonstrou, em estudos controlados, a diminuição da mortalidade por câncer de mama, e o ultrassonográfico adicional auxilia na detecção precoce em grupos populacionais específicos. Ainda não podemos substituí-la pelos outros métodos diagnósticos", adverte.

A médica também acredita que a solução tecnológica criada pela equipe americana poderá facilitar o tratamento e diminuir o risco de óbito. "O câncer de mama é uma doença heterogênea, com comportamento biológico variável, e necessita de terapias específicas de acordo com a biologia tumoral. Quanto mais precocemente diagnosticado, menor será a morbidade associada ao tratamento e menor será a taxa de mortalidade", explica.

Os criadores planejam tornar o adesivo personalizável e adaptar a tecnologia de ultrassom para escanear outras partes do corpo. Também esperam desenvolver um fluxo de trabalho para que, uma vez coletados os dados de um indivíduo, a inteligência artificial possa ser usada para analisar como as imagens mudam ao longo do tempo, o que poderia oferecer diagnósticos mais precisos.


 

Palavra de especialista: Ferramenta promissora

"As doenças se manifestam de forma irregular, e o rastreio pelo atendimento médico hospitalar é limitado. Alguns cânceres de intervalo de comportamento mais agressivos podem diminuir as chances de cura. Associadas a um sistema de inteligência artificial, sondas de ultrassom portáteis que fornecem imagens dos órgãos internos em tempo real com a resolução de imagem de aparelhos ultrassonográficos convencionais podem auxiliar a medicina a rastrear, diagnosticar e tratar tumores com precocidade. O ultrassom vestível pode ser mais uma ferramenta no auxílio à detecção precoce do câncer de mama, captando imagens comparáveis às das sondas de ultrassom de centros de imagem médicas."

Giovanna Miziara, médica mastologista do Sírio-Libanês em Brasília

 

 

 

Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Ícone do whatsapp
Ícone do telegram

Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores.

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação